Wednesday, August 31, 2005

Baudelaire aos 34 anos, dois antes de publicar Les Fleurs du Mal, foto Nadar, 1855

Baudelaire morreu em 31 de agosto de 1867 aos 46 anos. Um ano antes, autoexilado em Bruxelas, sofreu um derrame que o deixou mudo e paralizado. Levado a Paris pela mãe, terminou a vida cercado pelos amigos e cópias de suas telas mais queridas: a Olympia de Manet e a Maja Desnuda de Goya. A mulher de Manet visitava-o todos os dias para tocar ao piano peças de Wagner, seu compositor favorito.

Prelúdio de Tristão e Isolda de Wagner, Herbert von Karajan, Filarmônica de Viena


Manet, Olympia - clique na imagem para ampliá-la


Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

Obsession

Grands bois, vous m'effrayez comme des cathédrales;
Vous hurlez comme l'orgue; et dans nos coeurs maudits,
Chambres d'éternel deuil où vibrent de vieux râles,
Répondent les échos de vos De profundis.

Je te hais, Océan! tes bonds et tes tumultes,
Mon esprit les retrouve en lui; ce rire amer
De l'homme vaincu, plein de sanglots et d'insultes,
Je l'entends dans le rire énorme de la mer.

Comme tu me plairais, ô nuit! sans ces étoiles
Dont la lumière parle un langage connu!
Car je cherche le vide, et le noir, et le nu!

Mais les ténèbres sont elles-mêmes des toiles
Où vivent, jaillissant de mon oeil par milliers,
Des êtres disparus aux regards familiers.



Le Goût du néant

Morne esprit, autrefois amoureux de la lutte,
L'Espoir, dont l'éperon attisait ton ardeur,
Ne veut plus t'enfourcher! Couche-toi sans pudeur,
Vieux cheval dont le pied à chaque obstacle butte.

Résigne-toi, mon coeur; dors ton sommeil de brute.

Esprit vaincu, fourbu! Pour toi, vieux maraudeur,
L'amour n'a plus de goût, non plus que la dispute;
Adieu donc, chants du cuivre et soupirs de la flûte!
Plaisirs, ne tentez plus un coeur sombre et boudeur!

Le Printemps adorable a perdu son odeur!

Et le Temps m'engloutit minute par minute,
Comme la neige immense un corps pris de roideur;
-- Je contemple d'en haut le globe en sa rondeur
Et je n'y cherche plus l'abri d'une cahute.

Avalanche, veux-tu m'emporter dans ta chute?


Goya, Maja Desnuda, clique na imagem para ampliá-la



Obsessão

Selva, me apavoras como as catedrais.
Teu órgão urra e meu coração maldito
Responde a todos os teus ecos sepulcrais,
Câmara de luto vibrando em velho rito.

Mar, eu te odeio! Teu oco, teu tumulto
São meus, bem meus; eu ouço o riso, o esgar
Do homem vencido, o choro, o insulto
Ouço, na gargalhada enorme do mar.

Como eu te amaria, ó noite! sem estrelas
Pra salpicar a fala de lugar comum!
Eu procuro o vazio, o negro, o nu!

Mas esta escuridão também é uma tela.
No meu olho reluz, comigo vem morar,
Daqueles que eu perdi, o querido olhar.


O Gosto do nada

Mente fraca, outrora amiga da luta,
A Esperança, espora do teu ardor,
Não quer mais te montar! Deita-te sem pudor,
Cavalo velho que a cada passo reluta.

Desiste coração; dorme bem, massa bruta.

Ser acabado! Pra ti, velho traidor,
O amor perdeu sabor, e também a disputa;
Adeus, suspiro de flauta, gosto de fruta!
Prazer, não tentes mais um sombrio censor!

A Primavera linda perdeu o odor!

Minuto a minuto, o Tempo me executa,
Como na neve imensa um corpo já sem dor;
Vejo a terra do alto, igual ao condor,
E não procuro mais o abrigo da gruta.

Avalancha, posso ir contigo? Escuta!


Baudelaire, última foto, por Carjat, 1866

Tuesday, August 30, 2005




Por falar em Narciso, não há pensador mais narciso do que Nietzsche. Radicalmente inebriado de si mesmo.
O grande lance de Nietzsche é a ambiguidade. Pode ser lido como Hitler o lia ou, no extremo oposto, como Foucault.
Para a cobertura das Olimpíadas de 84, juntei trechos de Assim Falava Zaratustra para servir de narração numa sequência de imagens de atletas "voando".
Na época, usei uma trilha sonora óbvia, a Ode à Alegria de Beethoven. É melhor o Allegretto da Sétima Sinfonia do mesmo Beethoven, conhecida como A Sinfonia da Dança. Com Leonard Bernstein e a Sinfônica de Boston, última gravação do maestro.





Quem quer aprender a voar, precisa primeiro aprender a ficar de pé e a andar e a subir e dançar: a arte de voar não se aprende voando!

Aquele que ensinar os homens a voar afastará todos os limites, batizará a terra de novo como A Leve.

Quem quer se tornar leve e se transformar em pássaro deve se amar.





O homem é uma corda estendida entre a besta e o Super Homem - uma corda sobre o abismo.
É perigoso passar de um lado ao outro, perigoso ficar no caminho, perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar.
O que há de grande no homem é que ele é uma ponte e não um fim: o que se pode amar no homem é que ele é uma passagem e uma queda.





Por trás dos teus pensamentos e teus sentimentos, irmão, há um soberano possante e um sábio desconhecido. Ele mora no teu corpo, é teu corpo.





Há mais razão no teu corpo que na tua melhor sabedoria. Há sempre um pouco de loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.





E mesmo eu, que estou voltado para a vida, acho que as borboletas, as bolhas de sabão e o que se assemelha a elas entre os homens são o que melhor conhece a felicidade.




Ver voar essas alminhas leves, loucas, graciosas e móveis - isso dá a Zaratustra vontade de chorar e cantar.
Eu não poderia acreditar num deus que não soubesse dançar.
Agora sou leve, agora vôo, agora me vejo abaixo de mim mesmo, agora um deus dança através de mim.




Estou agora diante do meu último cume. Tenho diante de mim meu caminho mais duro. Começo minha corrida mais solitária.
Acima da tua cabeça e além do teu coração. Agora a coisa mais doce em ti deve se tornar a mais dura.





Precisas subir andando sobre ti. Mais alto, mais alto até que as estrelas fiquem lá embaixo.





Céu acima de mim, céu puro. Profundo. Abismo de luz. A te contemplar tremo de desejos divinos. Saltar na tua altura - eis o meu abismo. Ensconder-me na tua pureza, eis minha incoência.
Todo a minha vontade é só voar, voar para entrar em ti!





O belo corpo vitorioso em torno do qual tudo se transforma em espelho.
O corpo ágil, o dançarino cujo símbolo é alma feliz consigo mesma.





Toda alegria quer a eternidade, a profunda, profunda eternidade.





Assim fala a sabedoria do pássaro: Não há alto nem baixo. Lança-te para todos os lados, para frente, para trás, homem leve. Não fala mais. Canta.


Caravaggio, Narciso

Há quase 20 anos meu querido amigo amigo Paulo Coelho mostrou a imagem que tinha escolhido para a capa do segundo livro dele, O Alquimista, perguntando o que eu achava. Era o Narciso de Caravaggio. Escolha de bom gosto e intrigante. Afinal, a mensagem de O Alquimista é bem simples: o maior tesouro que se pode encontrar está dentro de si mesmo. Narciso é uma versão bem mais ambígua dessa história. Fascinado com sua própria imagem, Narciso se destrói.
Nem eu nem Paulo poderíamos imaginar que a fábula singela de O Alquimista iria se tornar o maior fenômeno editorial global antes de Harry Potter. Vinte e três milhões de livros vendidos. O livro mais lido no Irã depois do Corão. Livro que mudou a vida do Paulo e, curiosamente, de milhões de leitores.
O novo livro dele, Zahir, está saindo semana que vem aqui nos Estados Unidos, onde O Alquimista já vendeu mais de 2 milhões de exemplares. O New York Times desta terça traz matéria de Alan Riding, dizendo que Paulo, sempre escrevendo em português, criou uma linguagem universal. Narciso que deu certo.

Monday, August 29, 2005

Tapeçaria do Unicórnio

Um dos melhores passeios em New York é visitar os Cloisters, ou claustros, um mosteiro à beira do Hudson ao norte de Manhattan, construído com pedras trazidas de cinco mosteiros franceses, nos anos 30.
A jóia dos Cloisters é a série de tapeçarias A Caçada ao Unicórnio. Tecidas na Bélgica no fim do século XV, são as mais belas e preciosas tapeçarias que chegaram até nós. Foram compradas por um milhão de dólares da família La Rochefoucauld pelo magnata John D. Rockefeller e doadas ao Metropolitan Museum of Art, do qual os Cloisters fazem parte.
Das sete tapeçarias, a mais deslumbrante é O Unicórnio no Cativeiro. Não se sabe exatamente qual é o simbolismo da imagem. O Unicórnio na Idade Média simbolizava Cristo, mas era associado também ao amor casto. Só uma virgem seria capaz de capturar um Unicórnio.
Nenhuma reprodução pode capturar a beleza da tapeçaria, que brilha no escuro (a iluminação é reduzida para não desbotar as cores). É preciso vir a New York para ver o Unicórnio.



Para ouvir, do CD Música de Amor Medieval, do New York's Ensemble for Early Music, Canções de amigo, escritas em galego-português por Martin Codax em 1230. Foram encontradas em 1914. São canções de uma mulher que à beira-mar espera a volta do amado. Terminam assim: "Ay ondas que eu vim ver, se me saberedes dizer porque tarda meu amigo sem mim? Ay ondas que eu vim mirar, se me saberedes contar porque tarda meu amado, sem mim?".
Nossa língua, última flor do Lácio, vem de muito longe...

Thursday, August 25, 2005