Saturday, November 24, 2007
Estreou aqui Redacted (Censurado), o filme de Brian de Palma sobre a guerra do Iraque. É brilhante e arrasador. Baseia-se na história real de cinco soldados americanos que violentaram uma menina iraquiana em março do ano passado em Mahmoudiya ao sul de Bagdá. Um dos soldados, Steven Green, matou a menina e toda a família dela. Green, que se declarou inocente, ainda não foi julgado. Um dos cúmplices dele foi condenado à prisão perpétua. Eles foram denunciados por um dos participantes no crime.
De Palma fez um filme em 1989, Casualties of War, sobre um caso quase idêntico no Vietnam. A diferença é que a história real tinha acontecido mais de 15 anos antes. Agora, com o processo ainda em julgamento, o cineasta esbarrou em obstáculos legais. Os advogados da empresa que financiou o filme o impediram de usar citações textuais dos depoimentos dos envolvidos e imagens reais do caso.
A solução genial de De Palma foi reproduzir como ficção o que ele encontrou na Internet, modificando nomes, locais e textos, mas mantendo a essência da história.
O filme começa como um "documentário" que está sendo filmado por um soldado, Angel Salazar, que não foi aceito por uma escola de cinema famosa (USC) e espera ter uma nova chance com esse material, uma espécie de "reality show" sobre o dia-a-dia do pelotão dele em Samarra, no Iraque. É esse o recurso que De Palma usa para apresentar seus personagens.
O mesmo pelotão é objeto de um "documentário francês", extremamente bem filmado (com trilha sonora de música barroca!), sobre o trabalho dos soldados, que consiste em vigiar um checkpoint, uma barreira, numa rua de Samarra, parando e revistando os veículos. É um pastiche delicioso desse tipo de documentário.
O tédio da vida dos soldados é quebrado quando um carro, levando uma grávida para a maternidade, não pára na barreira. A partir daí, De Palma recria videos de reportagem de uma TV iraquiana, de repórteres que acompanham as forças americanas, de cameras de segurança da base, de interrogatórios dos soldados, de sites dos rebeldes iraquianos, e de blogs na Internet. É o primeiro grande filme que adota a linguagem dos blogs. Com esse mosaico fragmentado, De Palma consegue criar uma narrativa clara e de grande impacto emocional.
É o retrato mais devastador da destruição do povo iraquiano pelas forças de ocupação.
"Redacted" é o termo que os burocratas usam para descrever a censura a textos oficiais liberados para a imprensa com trechos cobertos por tarjas negras, supostamente para proteger informações secretas. De Palma escolheu o título porque descreve a censura que ele sofreu para fazer o filme, no qual não pôde usar documentos reais.
E o filme acabou sendo "redacted" mais ainda, porque o financiador, Mark Cuban, botou tarjas negras sobre os olhos das vítimas iraquianas na sequência final do filme. É uma série de fotos reais, encontradas na Internet, de civis iraquianos vítimas da guerra. Fotos que jamais foram publicadas pela mídia nos Estados Unidos. Seriam o único documento real do filme, mas o produtor alegou que correria o risco de ser processado pelas famílias das vítimas por ter usado as fotos sem autorização. De Palma, com razão, achou a censura absurda e entrou na justiça. Perdeu. O filme está sendo exibido com as tarjas negras. As fotos continuam tendo um impacto enorme, mas teria sido ainda maior sem as tarjas.
Os críticos nos Estados Unidos odiaram o filme, que chamaram de "confuso", "de mau gosto", "anti-americano", "desonesto", e por aí vai. Por mostrar a cena do estupro da menina, De Palma foi acusado de "explorar a violência contra as mulheres", o que ele teria feito em outros filmes, e chamado de "voyeur". Isso, até pela imprensa de esquerda. É claro que quase ninguém discute o que importa, a questão crucial, que é a destruição do povo iraquiano pelo governo Bush com a cumplicidade da mídia.
O filme tem dois "heróis", soldados que não aceitam participar do estupro, e um deles denuncia os companheiros, embora o próprio pai o tenha aconselhado a ficar calado. De Palma mostra como os militares tentaram abafar o caso e chegaram a acusar o próprio denunciante (que na história real acabou condenado).
O filme retrata a profunda decadência moral da sociedade americana. Reno Flake, o personagem que assume o papel de Steve Green, o soldado que assassina a menina e a família dela, é um bom exemplo dos jovens perdidos, desempregados, drogados, que entram para o Exército para não ir para a cadeia. Green foi recrutado apesar de ter sido condenado por uso de drogas. De Palma não está dizendo que todo soldado americano é como ele. Mas basta um Green no Iraque para ser o catalisador de atrocidades.
Flake/Green é o soldado que atira no carro que leva a grávida, matando a mulher e o feto. Entrevistado no video do companheiro Salazar, Flake diz que para ele matar iraquianos é como matar baratas. Foi quase exatamente o que Green disse em seu depoimento à justiça militar.
Bill O'Reilly, o líder de audiência da Fox News, porta-voz da extrema-direita e do governo Bush, está fazendo campanha contra o filme, pedindo que levem aos cinemas cartazes com o slogan "Apóiem as Tropas". Na sessão que eu vi (o filme está em apenas dois cinemas de Nova York), havia exatamente cinco espectadores.
De Palma ganhou o Leão de Prata como melhor diretor no Festival de Veneza, com Redacted.
O ator Kel O'Neil (foto acima) faz em Redacted o papel do soldado Gabe Blix. Ele se recusa a participar da expedição para estuprar a menina iraquiana e por isso é ameaçado pelos outros. Blix é chamado de fresco pelos companheiros porque passa o tempo lendo o romance Encontro em Samarra de John O'Hara. O título se refere a uma história contada por Somerset Maughan. Um homem é surpreendido pela Morte num mercado de Bagdá e foge para Samarra. A Morte comenta: "Foi uma surpresa vê-lo em Bagdá porque tenho um encontro com ele logo mais em Samarra".
Em tempo: o Iraque voltou a ser ignorado pela mídia aqui. A versão oficial é que a violência no Iraque diminuiu muito porque morreram menos soldados americanos nas últimas semanas (embora o número de mortos no ano seja recorde), ou seja, a escalada do Bush é um sucesso. Os democratas, que controlam o Congresso e têm chance de ganhar a Casa Branca ano que vem, mudaram de estratégia e deixaram o Iraque de lado, para centrar fogo em questões internas. E os dois candidatos que lideram as pesquisas, Hillary Clinton pelos democratas e Rudolph Giuliani pelos republicanos, rivalizam pra ver quem tem mais cojones, quem é mais duro com os "bad guys". Giuliani quer atacar o Irã e Hillary diz que um ataque ao Irã não pode ser descartado. Se você acha que tudo vai mudar com o fim do governo Bush, se engana.
Thursday, November 22, 2007
Leio na New Yorker que Yo Yo Ma concorda comigo, a voz mais bonita do mundo é a da Rosinha, Rossa Passos. O crítico da revista, Gary Giddins, escreve que "a voz dela tem a clareza da água, e seu fraseado, livre de vibrato e ornamentação, é colorido apenas pela nasalidade inerente à língua portuguesa. Se não é a voz mais bela do mundo, é seguramente de um esplendor raro, especialmente enfeitiçador no registro mais alto, onde sugere fragilidade mas nunca quebra. Seja sussurrando ou gritando, sua intonação é sempre sólida - qualidade crucial numa música que valoriza dissonâncias e longas letras". Giddins destaca a virtuosidade do violão de Rosinha e seu domínio do palco, no qual ela supera de longe o mestre João Gilberto. Segundo Giddins "ela não é a herdeira de Gilberto. Ela é melhor". O que é que vocês estão esperando? Saiam correndo para comprar os CDs de Rosa Passos!
Monday, November 12, 2007
Lions for Lambs o novo filme de Robert Redford (estreou aqui sexta-feira) é o melhor filme que vi este ano. Um filme político inteligente e que emociona. São três histórias entrelaçadas: a discussão entre um professor (Redford) e um aluno alienado (Andrew Garfield), a entrevista de um senador de direita (Tom Cruise) a uma jornalista séria de uma grande rede (Meryl Streep) para vender uma nova aventura militar americana, e a primeira missão dessa aventura, envolvendo dois jovens que foram alunos do tal professor. A crítica não gostou. Tá todo mundo viciado em filmes de ação. Reclamam quando é preciso prestar atenção em idéias e discussões políticas. Ficou em quarto na bilheteria do fim de semana mas espero que com o boca-a-boca melhore (será que só eu adorei? Queria aplaudir de pé mas ninguém puxou aplauso, que é coisa raríssima aqui). Streep merece mais um Oscar, Redford também como diretor, assim como o roteirista Matthew Michael Carnanhan, e Tom Cruise quase rouba o filme. Imperdível.
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