Thursday, June 30, 2005

Fractais

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Enquanto transcrevo a entrevista do Mandelbrot, inventor dos fractais (é um texto enorme, em francês, ele tem sotaque de polonês e o assunto é complicado) para abrir o apetite estou postando 11 fractais que encontrei no site Sprott's Fractal Gallery.
E para ouvir, Janis Joplin, Summertime, e Pink Floyd, Shine on you crazy diamond.

http://www.softlab.ece.ntua.gr/miscellaneous/mandel/gallery/fractal.726.3.gif

Wednesday, June 29, 2005

Frida Kahlo, Coluna rota, 1944

Tem dias que dá aquela vontade de chorar... Dói, dói tanto... Nem adianta tentar cultivar a arte de perder, que nem a Elizabeth Bishop - nem ela deu conta.
E a arte de rir da dor - não levá-la tão a sério?
Frida Kahlo é uma que sabia rir quando mais doía.
Sábia...
Então lá vai a canção do filme dela, La Llorona, a chorona, com Chavela Vargas - pra rir depois de dar aquela choradinha gostosa. Canção que Chavela regravou para a trilha do filme.

Frida Kahlo, 1907-1954

Chavela, 86 anos, é a maior cantora do México, assídua nos filmes de Almodóvar. Esta canção, En el último trago ela canta no filme La flor de mi secreto.
Era a cantora favorita de Frida. As duas tiveram um caso. Desde os anos 50 usa roupas masculinas e aos 81 anos decidiu se assumir como lésbica. No filme de Julie Taymor e Salma Hayek, Chavela Vargas aparece cantando só o finzinho da canção.

Chavela Vargas

Todos me dicen el negro, Llorona
Negro pero cariñoso.
Todos me dicen el negro, Llorona
Negro pero cariñoso.
Yo soy como el chile verde, Llorona
Picante pero sabroso.
Yo soy como el chile verde, Llorona
Picante pero sabroso.

Ay de mí, Llorona Llorona,
Llorona, llévame al río
Tápame con tu rebozo, Llorona
Porque me muero de frió

Si porque te quiero quieres, Llorona
Quieres que te quieres más
Si ya te he dado la vida, Llorona
¿Qué mas quieres?
¿Quieres más?

Frida Kahlo, 1907-1954

Monday, June 27, 2005

Rocinha, 27/6/05, foto Bruno Domingos/Reuters

Nos morros verdes do Rio
Há uma mancha a se espalhar:
São os pobres que vêm pro Rio
E não têm como voltar.

São milhares, são milhões,
São aves de arribação,
Que constróem ninhos frágeis
De madeira e papelão.

Parecem tão leves que um sopro
Os faria desabar
Porém grudam feito líquens
Sempre a se multiplicar,

Pois cada vez vem mais gente.
Tem o morro da Macumba,
Tem o morro da Galinha,
E o morro da Catacumba;

Tem o morro do Querosene,
O Esqueleto, o do Noronha,
Tem o morro do Pasmado
E o morro da Babilônia.

Assim começa, na tradução de Paulo Henriques Britto, o poema O Ladrão da Babilônia de Elizabeth Bishop. Leitura obrigatória, agora que as favelas do Rio voltam a viver a tragédia cotidiana que Bishop retratou com tanta precisão há... 42 anos.

Sunday, June 26, 2005

Lota de Macedo Soares, Portinari


Acabo de ler o livro Flores Raras e Banalíssimas de Carmen Lúcia Oliveira. É a história de Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares, muito bem contada. A história de Bishop e Lota é intensa, o encontro de dois gênios, uma das maiores poetas da língua inglesa e a criadora do Aterro do Flamengo, modernista e carioca apaixonada.
Gostei de saber que Bishop escreveu um de seus melhores poemas, The Burglar of Babylon, quando morava com Lota no Leme. Enquanto a companheira lutava pelo Aterro - e acabou derrotada, deprimida e empurrada para o suicídio - Bishop ficava sozinha em casa, bebendo. Gostava de olhar pelo binóculo o morro da Babilônia. E foi assim que viu toda a cena da caçada ao bandido Micuçú descrita no poema.
Parece letra de Woody Guthrie ou Bob Dylan, tem a força e o ritmo de uma folk song, um rock, um blues. Me parece intraduzível, mas incluí a tradução de Paulo Henriques Britto, um esforço louvável.
Além do extraordinário poema, que reflete a relação ambivalente de amor/ódio que Bishop tinha com o Rio e com o Brasil, com a desigualdade da sociedade brasileira, coloco aqui a canção que Bishop adorava ouvir, Não Identificado de Caetano Veloso, com Gal Costa.

Elizabeth Bishop

Saturday, June 25, 2005

O frasco



ouça o poema cantado por Léo Ferré

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

Le Flacon

II est de forts parfums pour qui toute matière
Est poreuse. On dirait qu'ils pénètrent le verre.
En ouvrant un coffret venu de l'Orient
Dont la serrure grince et rechigne en criant,

Ou dans une maison déserte quelque armoire
Pleine de l'âcre odeur des temps, poudreuse et noire,
Parfois on trouve un vieux flacon qui se souvient,
D'où jaillit toute vive une âme qui revient.

Mille pensers dormaient, chrysalides funèbres,
Frémissant doucement dans les lourdes ténèbres,
Qui dégagent leur aile et prennent leur essor,
Teintés d'azur, glacés de rose, lamés d'or.

Voilà le souvenir enivrant qui voltige
Dans l'air troublé; les yeux se ferment; le Vertige
Saisit l'âme vaincue et la pousse à deux mains
Vers un gouffre obscurci de miasmes humains;

II la terrasse au bord d'un gouffre séculaire,
Où, Lazare odorant déchirant son suaire,
Se meut dans son réveil le cadavre spectral
D'un vieil amour ranci, charmant et sépulcral.

Ainsi, quand je serai perdu dans la mémoire
Des hommes, dans le coin d'une sinistre armoire
Quand on m'aura jeté, vieux flacon désolé,
Décrépit, poudreux, sale, abject, visqueux, fêlé,

Je serai ton cercueil, aimable pestilence!
Le témoin de ta force et de ta virulence,
Cher poison préparé par les anges! liqueur
Qui me ronge, ô la vie et la mort de mon coeur!


O Frasco

Para certos perfumes, qualquer material
É poroso. Penetram até no cristal.
Ao abrir uma caixa vinda do Oriente,
De fecho enferrujado a ranger estridente,

Ou na casa deserta um antigo armário
Recendendo a passado, a pó e sacrário,
Pode haver lá um frasco que ainda recorda,
De onde escapará uma alma que acorda.

Idéias a dormir, crisálidas primevas,
Vibrando levemente no fundo das trevas,
Abrem asas e voam colorindo o ar
De rosa-aurora, ouro-sol, azul-luar.

São lembranças inebriantes que se erigem
No ar turvo; os olhos fecham; a Vertigem
Toma conta da alma e a empurra com gana
Para o abismo escuro da essência humana;

No fundo desse abismo ela vê num ossário,
Qual Lázaro pungente rasgando o sudário,
Mover-se ao acordar a carcaça espectral
De um velho amor rançoso, doce e sepulcral.

Assim, quando eu estiver perdido na memória
Dos homens, num porão, numa arca simplória,
Quando estiver jogado fora, reles frasco
Troncho, feio, rachado, sujo, sebo, asco,

Serei teu ataúde, amável pestilência!
Guardião da tua força, tua virulência,
Veneno filtrado pelos anjos! Licor
A me queimar, vida e morte do meu amor!

A giganta

Fernando Botero

ouça o poema cantado por Léo Ferré

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

La Géante

Du temps que la Nature en sa verve puissante
Concevait chaque jour des enfants monstrueux,
J'eusse aimé vivre auprès d'une jeune géante,
Comme aux pieds d'une reine un chat voluptueux.


J'eusse aimé voir son corps fleurir avec son âme
Et grandir librement dans ses terribles jeux;
Deviner si son coeur couve une sombre flamme
Aux humides brouillards qui nagent dans ses yeux;

Parcourir à loisir ses magnifiques formes;
Ramper sur le versant de ses genoux énormes,
Et parfois en été, quand les soleils malsains,

Lasse, la font s'étendre à travers la campagne,
Dormir nonchalamment à l'ombre de ses seins,
Comme un hameau paisible au pied d'une montagne.


A Giganta

No tempo em que a Natura, com verve e poder,
Criava, a cada dia, um filho monstruoso,
Amara com u’a jovem giganta viver,
Como aos pés da rainha o gato prazeroso.

Amara ver-lhe o corpo e a alma florir,
E crescer livremente em seu terrível jogo;
Na úmida neblina do olhar descobrir,
Fundo no coração, algum sombrio fogo;

Nas majestosas formas à-toa flanar,
Os joelhos enormes sem pressa galgar,
E quando no verão, debaixo de um sol feio,

Cansada, ela deitasse ao longo do país,
Dormir para sonhar à sombra de um seio,
Como ao pé da montanha, o ninho feliz.

A beleza

Manet,

ouça o poema cantado por Léo Ferré

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

La Beauté

Je suis belle, ô mortels! comme un rêve de pierre,
Et mon sein, où chacun s'est meurtri tour à tour,
Est fait pour inspirer au poète un amour
Éternel et muet ainsi que la matière.

Je trône dans l'azur comme un sphinx incompris;
J'unis un coeur de neige à la blancheur des cygnes;
Je hais le mouvement qui déplace les lignes,
Et jamais je ne pleure et jamais je ne ris.

Les poètes, devant mes grandes attitudes,
Que j'ai l'air d'emprunter aux plus fiers monuments,
Consumeront leurs jours en d'austères études;

Car j'ai, pour fasciner ces dociles amants,
De purs miroirs qui font toutes choses plus belles:
Mes yeux, mes larges yeux aux clartés éternelles!


A Beleza

Sou bela, ó mortais, um sonho de cristal,
E meu seio onde todos imploram favor
Nasceu para inspirar ao poeta um amor
Assim como a matéria, mudo e imortal.

Indecifrada esfinge, ao azul subi;
Neve no coração, a brancura é minha;
Odeio o movimento que desfaz a linha,
Sou a que nunca chora, a que nunca ri.

O poeta, diante do meu ar severo
De estátua altiva sobre o pedestal,
Consumirá seus dias em estudo austero;

Tenho para encantar este amante leal
Um espelho que faz cada coisa mais terna:
Meu olhar, puro olhar de claridade eterna.

Triste andarilha

Toulouse Lautrec, Montrouge

ouça o poema cantado por Léo Ferré

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

Moesta et errabunda

Dis-moi, ton coeur parfois s'envole-t-il, Agathe,
Loin du noir océan de l'immonde cité,
Vers un autre océan où la splendeur éclate,
Bleu, clair, profond, ainsi que la virginité?
Dis-moi, ton coeur parfois s'envole-t-il, Agathe?

La mer, la vaste mer, console nos labeurs!
Quel démon a doté la mer, rauque chanteuse
Qu'accompagne l'immense orgue des vents grondeurs,
De cette fonction sublime de berceuse?
La mer, la vaste mer, console nos labeurs!

Emporte-moi, wagon! enlève-moi, frégate!
Loin! loin! ici la boue est faite de nos pleurs!
-- Est-il vrai que parfois le triste coeur d'Agathe
Dise: Loin des remords, des crimes, des douleurs,
Emporte-moi, wagon, enlève-moi, frégate?

Comme vous êtes loin, paradis parfumé,
Où sous un clair azur tout n'est qu'amour et joie,
Où tout ce que l'on aime est digne d'être aimé,
Où dans la volupté pure le coeur se noie!
Comme vous êtes loin, paradis parfumé!

Mais le vert paradis des amours enfantines,
Les courses, les chansons, les baisers, les bouquets,
Les violons vibrant derrière les collines,
Avec les brocs de vin, le soir, dans les bosquets,
-- Mais le vert paradis des amours enfantines,

L'innocent paradis, plein de plaisirs furtifs,
Est-il déjà plus loin que l'Inde et que la Chine?
Peut-on le rappeler avec des cris plaintifs,
Et l'animer encor d'une voix argentine,
L'innocent paradis plein de plaisirs furtifs?


Triste andarilha

Teu coração, Ágata, costuma voar?
Longe do negro mar da imunda cidade,
Para um outro oceano de esplendor sem par,
Azul, claro, profundo como a virgindade,
Teu coração, Ágata, costuma voar?

O mar, o vasto mar consola nossas dores!
Que demônio deu à fala rouca do mar,
Ao som do imenso órgão dos ventos cantores
Esta missão sublime de nos embalar?
O mar, o vasto mar consola nossas dores!

Seqüestra-me, fragata! leva-me, vagão!
Para longe! Aqui o choro vira lama!
Será de Ágata o triste coração
Que diz: longe das dores, dos crimes, do drama,
Seqüestra-me, fragata, leva-me, vagão?

Como estás longe, paraíso perfumado,
Onde só um amor feliz pode viver,
Onde o que se ama merece ser amado,
Onde a alma se afoga no puro prazer!
Como estás longe, paraíso perfumado!

Mas o paraíso da primeira paixão,
As festas, os buquês, os beijos, as canções,
Violinos vibrando à tarde no verão,
À noite, nos bosquinhos, vinho aos borbotões
-- Mas o paraíso da primeira paixão,

O paraíso infantil do prazer furtivo
Estará mais longe que a Índia e o Nepal?
Pode chamá-lo nosso choro convulsivo
Para ressuscitá-lo com voz de cristal,
O paraíso infantil do prazer furtivo?

As jóias

Ingres, Odalisca

ouça o poema cantado por Léo Ferré

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

Les Bijoux

La très-chère était nue, et, connaissant mon coeur,
Elle n'avait gardé que ses bijoux sonores,
Dont le riche attirail lui donnait l'air vainqueur
Qu'ont dans leurs jours heureux les esclaves des Mores.

Quand il jette en dansant son bruit vif et moqueur,
Ce monde rayonnant de métal et de pierre
Me ravit en extase, et j'aime à la fureur
Les choses où le son se mêle à la lumière.

Elle était donc couchée et se laissait aimer,
Et du haut du divan elle souriait d'aise
À mon amour profond et doux comme la mer,
Qui vers elle montait comme vers sa falaise.

Les yeux fixés sur moi, comme un tigre dompté,
D'un air vague et rêveur elle essayait des poses,
Et la candeur unie à la lubricité
Donnait un charme neuf à ses métamorphoses;

Et son bras et sa jambe, et sa cuisse et ses reins,
Polis comme de l'huile, onduleux comme un cygne,
Passaient devant mes yeux clairvoyants et sereins;
Et son ventre et ses seins, ces grappes de ma vigne,

S'avançaient, plus câlins que les Anges du mal,
Pour troubler le repos où mon âme était mise,
Et pour la déranger du rocher de cristal
Où, calme et solitaire, elle s'était assise.

Je croyais voir unis pour un nouveau dessin
Les hanches de l'Antiope au buste d'un imberbe,
Tant sa taille faisait ressortir son bassin.
Sur ce teint fauve et brun le fard était superbe.

-- Et la lampe s'étant résignée à mourir,
Comme le foyer seul illuminait la chambre,
Chaque fois qu'il poussait un flamboyant soupir,
Il inondait de sang cette peau couleur d'ambre!



As Jóias

A bem amada, nua, sabe o que quero eu.
Despiu-se, mas deixou as jóias musicais
Que lhe dão o esplendor, o ar de quem venceu,
Da escrava mourisca que rege as bacanais.

Quando lança ao dançar seu timbre sedutor,
Esse mundo vivo de pedra e de metal
Deixa-me em êxtase, e eu amo com furor
As coisas em que o som e a luz vibram igual.

Ela estava deitada e se deixava amar
E do alto do divã sorria de tocaia
Ao meu amor profundo e doce como o mar,
Que até ela subia como numa praia.

Olhos fixos em mim como um tigre domado,
Ela ensaiava poses com um ar sonhador;
E a inocência unida ao jeito debochado
A essas posições dava um novo sabor.

E o braço e a perna, e a coxa e os quadris,
Lisos como cetim, cisnes a ondular,
Enchiam os meus olhos sábios e gentis;
E o ventre e os seios, frutos do meu pomar,

Vinham mais tentadores que os anjos do Mal
Para abalar a paz em que estava minh'alma
E desalojá-la da torre de cristal
Onde ela se abrigara, solitária e calma.

Parecia-me que um novo traço unia
Suas ancas largas ao busto de um menino,
Tanto o corpo esguio realçava a bacia.
No seu rosto mestiço, o ruge era divino!

E a lâmpada de óleo já tendo morrido,
Como só a lareira iluminava a cena.
Cada vez que de lá vinha um rubro gemido,
Inundava de sangue essa pele morena!

Cézanne e Pissarro

Cézanne, Pont Maincy

O MOMA está abrindo uma exposição que fica até setembro com 80 quadros de Camille Pissarro e Paul Cézanne. Ainda mais interessante do que as obras dos dois é a história de como Pissarro se tornou o mentor de Cézanne e ajudou-o a se tornar um gênio da pintura.
Os dois tinham uma história parecida. Romperam com famílias burguesas e foram para Paris pintar. Pissarro, de uma família de comerciantes judeus das Antilhas, Cézanne filho de banqueiro em Aix no sul da França. Pissarro era um dos fundadores do movimento impressionista. Mas nunca chegou perto da genialidade de Monet. Cézanne, sete anos mais novo, começou com quadros estranhos, explosivos, altamente eróticos. Foi execrado. Só Pissarro sacou o potencial de Cézanne. Por sugestão de Pissarro, Cézanne saiu do estúdio e de Paris e foi para o campo pintar na natureza. A paleta dele, que era escura, se tornou clara e simples. Os dois passaram 20 anos pintando juntos. Muitos quadros da exposição são quase idênticos. Mas depois de um certo tempo dá para ver a diferença de estilo: Pissarro, mais naturalista, Cézanne já procurando se livrar do excesso de detalhes e prenunciando as composições geométricas e abstratas que iriam provocar o surgimento da arte do século XX, cubismo, abstracionismo.
Entrevistei o curador da mostra, o francês Joachim Pissarro, bisneto do pintor. Ele chamou-me a atenção para a influência mútua. Através de Pissarro, Cézanne sublimou sua explosão de sensações, criou uma linguagem formal. Mas Pissarro ganhou de Cézanne a intensidade, a expressividade que ele não tinha.
A exposição é um pouco monótona, porque os quadros são todos muito parecidos, paisagens que se repetem nas mesmas cores, predominando os tons de verde. E a melhor produção de Cézanne é posterior à fase Pissarro. Mas se você tiver tempo para olhar os quadros demoradamente, estudar detalhes, se perder nas formas e cores, pode ser uma experiência deliciosa.

Pissarro, La Côte des Boeufs

Friday, June 24, 2005

A uma passante

Edouard Manet, Berthe Morisot


ouça o poema cantado por Léo Ferré

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

À une passante

La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,
Une femme passa, d'une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l'ourlet;

Agile et noble, avec sa jambe de statue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l'ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.

Un éclair... puis la nuit! -- Fugitive beauté
Dont le regard m'a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l'éternité?

Ailleurs, bien loin d'ici! trop tard! jamais peut-être!
Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais!


A uma passante

O alarido da rua me ensurdecia.
Longa, magra, enlutada, altaneira dor,
Ela passou, com um gesto superior,
Balançando os punhos de passamanaria,

Ágil e nobre, no caminhar de vestal.
E eu bebia, como quem mal se agüenta,
No seu olhar, céu negro prenhe de tormenta,
O afeto que fascina e o prazer mortal.

Um raio... e logo o breu! Fugidia beldade,
Cujo olhar me fez renascer de uma só vez,
Só poderei rever-te na eternidade?

Longe daqui! Tarde demais! Jamais talvez!
Não sabes onde vou e não sei onde ias,
Tu que eu teria amado, tu que o sabias!

O Sol




ouça o poema cantado por Léo Ferré

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

Le Soleil

Le long du vieux faubourg, où pendent aux masures
Les persiennes, abri des sécrètes luxures,
Quand le soleil cruel frappe à traits redoublés
Sur la ville et les champs, sur les toits et les blés,
Je vais m'exercer seul à ma fantasque escrime,
Flairant dans tous les coins les hasards de la rime,
Trébuchant sur les mots comme sur les pavés
Heurtant parfois des vers depuis longtemps rêvés.
Ce père nourricier, ennemi des chloroses,
Éveille dans les champs les vers comme les roses;
II fait s'évaporer les soucis vers le ciel,
Et remplit les cerveaux et les ruches le miel.
C'est lui qui rajeunit les porteurs de béquilles
Et les rend gais et doux comme des jeunes filles,
Et commande aux moissons de croître et de mûrir
Dans le coeur immortel qui toujours veut fleurir!

Quand, ainsi qu'un poète, il descend dans les villes,
II ennoblit le sort des choses les plus viles,
Et s'introduit en roi, sans bruit et sans valets,
Dans tous les hôpitaux et dans tous les palais.

O Sol

Pela velha ruela onde, sob os tetos,
Persianas abrigam prazeres secretos,
Quando o sol tão cruel lança raios iguais
Sobre cidade e campo, casas e trigais,
Vou só, a praticar minha excêntrica esgrima,
Em tudo farejando os acasos da rima,
Tropeçando em palavras e no lajeado,
Achando o verso há tanto tempo sonhado.

Este pai que alimenta, inimigo do alvor,
Desperta no jardim o verme e a flor,
Faz com que se evaporem as tristes idéias,
Enche de mel os cérebros e as colméias;
Remoça os que sofrem de doenças antigas,
Tornando-os alegres como raparigas,
E manda a plantação crescer e produzir
No imortal coração que sempre quer florir!

Quando, igual ao poeta, ele desce à cidade,
Até às coisas vis ele dá majestade,
E entra como um rei, sem pompa ou serviçal,
Em cada palácio e em cada hospital.

A você de Malabar

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ouça o poema cantado por Léo Ferré

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

À une malabaraise

Tes pieds sont aussi fins que tes mains, et ta hanche
Est large à faire envie à la plus belle blanche;
À l'artiste pensif ton corps est doux et cher;
Tes grands yeux de velours sont plus noirs que ta chair.
Aux pays chauds et bleus où ton Dieu t'a fait naître,
Ta tâche est d'allumer la pipe de ton maître,
De pourvoir les flacons d'eaux fraîches et d'odeurs,
De chasser loin du lit les moustiques rôdeurs,
Et, dès que le matin fait chanter les platanes,
D'acheter au bazard ananas et bananes.
Tout le jour, où tu veux, tu mènes tes pieds nus,
Et fredonnes tout bas de vieux airs inconnus;
Et quand descend le soir au manteau d'écarlate,
Tu poses doucement ton corps sur une natte,
Où tes rêves flottants sont pleins de colibris,
Et toujours, comme toi, gracieux et fleuris.
Pourquoi, l'heureuse enfant, veux-tu voir notre France,
Ce pays trop peuplé que fauche la souffrance,
Et, confiant ta vie aux bras forts des marins,
Faire de grands adieux à tes chers tamarins?
Toi, vêtue à moitié de mousselines frêles,
Frissonnante là-bas sous la neige et les grêles,
Comme tu pleurerais tes loisirs doux et francs,
Si, le corset brutal emprisonnant tes flancs,
Il te fallait glaner ton souper dans nos fanges
Et vendre le parfum de tes charmes étranges,
L'oeil pensif, et suivant, dans nos sales brouillards,
Des cocotiers absents les fantômes épars!

A você de Malabar

Seus pés são tão finos... Finas as mãos; a anca
É larga, de matar de inveja qualquer branca.
O corpo é um manjar e nele, o que se vê?
Olhos de veludo, mais negros que você.
No país quente-azul onde um deus lhe deu nicho,
Vive para atender do seu mestre o capricho:
Acender o cachimbo, pôr nos frascos perfumes
E água, enxotar da cama os vagalumes
E, quando a manhã faz cantar os manguezais,
Ir comprar no bazar banana e ananás.
Todo dia, onde vai, anda sempre descalça
E murmura baixinho alguma velha valsa.
Quando descem as tardes de manto escarlate,
Deita bem de mansinho o corpo chocolate
Onde os sonhos tremulantes de colibris
São como quem sonha, alegres e febris.
Por que quer ver nosso país, feliz criança,
A superpovoada e sofredora França?
Por que se entrega a marinheiros mal-avindos
E se despede pra sempre dos tamarindos?
Lá, tremendo de frio sob gelo e neve,
Tendo por agasalho só a tanga leve,
Ah, como você choraria de saudade
Da vida doce e franca da sua cidade,
Quando tiver que achar jantar no nosso lixo
E precisar vender seu estranho feitiço,
O olhar perdido no bulevar, a buscar
De ausentes coqueiros o fantasma no ar!

Spleen

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Ouça o poema cantado por Léo Ferré

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

Spleen

Quand le ciel bas et lourd pèse comme un couvercle
Sur l'esprit gémissant en proie aux longs ennuis,
Et que de l'horizon embrassant tout le cercle
Il nous verse un jour noir plus triste que les nuits;

Quand la terre est changé en un cachot humide,
Où l'Espérance, comme une chauve-souris,
S'en va battant les murs de son aile timide
Et se cognant la tête à des plafonds pourris;

Quand la pluie étalant ses immenses traînées
D'une vaste prison imite les barreaux,
Et qu'un peuple muet d'infâmes araignées
Vient tendre ses filets au fond de nos cerveaux,

Des cloches tout à coup sautent avec furie
Et lancent vers le ciel un affreux hurlement,
Ainsi que des esprits errants et sans patrie
Qui se mettent à geindre opiniâtrément.

-- Et de longs corbillards, sans tambours ni musique,
Défilent lentement dans mon âme; l'Espoir,
Vaincu, pleure, et l'Angoisse atroce, despotique,
Sur mon crâne incliné plante son drapeau noir.


Spleen

Quando o céu baixo cai, pesado como tampa,
Sobre a mente que sofre a dor de um longo açoite,
Toldando do horizonte sua inteira rampa,
Fazendo o dia negro, mais triste que a noite,

Quando a terra se torna uma gelada cela,
Lugar onde a Esperança, imitando o morcego,
Vai roçando no muro a asa com cautela,
Ferindo-se no teto podre sem sossego;

Quando a chuva desdobra cortinas enormes,
De uma vasta prisão imitando a muralha,
E um povo calado de aranhas disformes
No fundo da cabeça tece sua malha,

Badaladas de sino irrompem com furor
E lançam para o céu um urro de heresia,
Almas penadas sem volta e sem amor,
A gritar e gemer de pé, por teimosia.

-- E um longo funeral, sem música ou tambor,
Desfila devagar na alma; a Esperança
Vencida chora e a Angústia carniceira
Finca no crânio meu sua negra bandeira.

Elizabeth Bishop por Luciana Souza

The poems of Elizabeth Bishop and other songs

Luciana Souza gravou em 2000 o disco "The poems of Elizabeth Bishop and other songs", escolhido como um dos 10 melhores do ano pelo New York Times. São 13 composições de Luciana, com arranjos dela.
Ouça a faixa 11, Sonnet.
Luciana Souza, voz; Chris Cheek, sax; Bruce Barth, piano; John Lockwood, baixo; Marlon Browden, bateria e percussão.

Sonnet

I am in need of music that would flow
Over my fretful, feeling finger-tips,
Over my bitter-tainted, trembling lips,
With melody, deep, clear, and liquid-slow.
Oh, for the healing swaying, old and low,
Of some song sung to rest the tired dead,
A song to fall like water on my head,
And over quivering limbs, dream flushed to glow!

There is a magic made by melody:
A spell of rest, and quiet breath, and cool
Heart, that sinks through fading colors deep
To the subaqueous stillness of the sea,
And floats forever in a moon-green pool,
Held in the arms of rhythm and of sleep.

Elizabeth Bishop, 1928

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Soneto

Eu preciso de música que flua
nas pontas finas, frágeis dos meus dedos,
nos meus lábios amargos de segredos,
com melodia líquida e nua.
Ah, a antiga ginga sã e crua
de uma canção que aos mortos dê guarida,
água que me cai sobre a testa erguida,
o corpo febril, um brilho de Lua!

A melodia pode enfeitiçar:
magia calma, respiração pura,
um coração que afunda no abandono
da mansa, escura imensidão do mar
e flutua pra sempre na verdura,
amparado no ritmo e no sono.

tradução, Jorge Pontual

Uma arte, Elizabeth Bishop

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A arte da perda é fácil ter;
por tanta coisa cheia de intenção
de ser perdida não dá pra sofrer.

Perca algo todo dia. Perder
chaves aceite, junto com a aflição.
A arte da perda é fácil ter.

Treine perder muito sem se deter:
lugares, e nomes, a comichão
de viajar. Nada fará sofrer.

Perdi jóias da mamãe. E dizer
que perdi casas que amei de paixão.
A arte da perda é fácil ter.

Perdi duas cidades. E o prazer
de um continente na palma da mão.
Sinto falta mas não dá pra sofrer.

- Até perder você (a voz, o ser
que eu amo) não devia mentir. Não,
a arte da perda se pode ter
embora pareça (diga!) sofrer.

tradução, Jorge Pontual

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One art

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster,

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three beloved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-- Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) a disaster.

Elizabeth Bishop, 4 de novembro de 1975

Ouça o poema na voz da atriz Blythe Danner com um video de imagens de lugares onde Bishop viveu no Brasil
Esse video é o final de um programa de uma hora, One Art, sobre a poeta. Mas para ver o programa todo, que é ótimo, antes inscreva-se no site www.learner.org. A inscrição é gratuita.

Bishop em Ouro Preto com o gato Tobias

Thursday, June 23, 2005

Pai e filha

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Luciana Souza acaba de ser escolhida melhor cantora de jazz de 2005 pela associação dos jornalistas de jazz. A cantora que vive há quase 20 anos nos Estados Unidos está no momento em tournée pelo país. Em 13 julho canta no Madison Square Park aqui em New York. Luciana é compositora, cantora lírica (contralto) e uma das melhores da MPB, embora ainda pouco conhecida no Brasil. É filha do músico Walter Santos que a acompanha ao violão nesta faixa.

Suas mãos, Antonio Maria

Janelas de Manhattan

Edward Hopper, Nighthawks


Antonio Muñoz Molina é um dos melhores escitores espanhóis contemporâneos. Mora em New York, onde dirige o Instituto Cervantes. O texto que segue é do livro Ventanas de Manhattan. Curta ouvindo My Song com Keith Jarret:

Edward Hopper, Early sunday morning


Para una mirada europea, española, Edward Hopper es un pintor de figuras hieráticas y lugares neutros o abstractos, de extrañas habitaciones con muebles rudos y grandes y ventanas enormes que dan a edificios de ventanas idénticas o a paisajes despoblados, bosques oscuros o colinas peladas y bajas como dunas. En sus cuadros se ven escenas nítidamente recortadas y al mismo tiempo veladas de misterio, figuras detenidas en gestos, ensimismadas en tareas que parecen poseer una significación muy profunda, completa en si misma, pero también inaccesible, como fotogramas aislados de películas cuyo argumento es desconocido.

Edward Hopper, Room in New York


Pero ésa es la visión de quien se pasea de noche por un barrio tranquilo de Nueva York, por las calles residenciales de Chelsea o del Upper West Side, y mira desde la acera en sombras las ventanas de comedores o bibliotecas o de pequñas oficinas escenas fragmentarias en las vidas de los desconocidos, gente que lee el periodico junto a una lámpara encendida, en un sillón tan rojo y ancho como ciertos sillones de Hopper, o que en mitad de una habitación se queda pensando, queriendo recordar algo que iban a hacer o buscar y que han olvidado.

Edward Hopper, Night window


Entonces el recuadro de la ventana es el marco exacto de una pintura, y ese hombre o esa mujer que están haciendo o pensando algo vulgar y que no son más ricos o más atractivos ni llevan vidas más memorables que la nuestra adquieren a la luz de la lámpara, en la distancia y la sombra que las separan de la calle, el enigma de algo que nos gustaría saber y no descubriremos nunca, el prestigio de una existencia armoniosa, protegida, serena, quizás demasiado reflexiva y un poco melancólilca, más sustancial que la nuestra.

Edward Hopper, Room in Brooklyn


Daríamos qualquer cosa por vivir en esa habitación que vemos desde la acera, por llevar esa vida que nos parece tan hecha de costumbres sólidas, rodeada de objetos valiosos y ennoblecidos por el uso, esos cuadros que apenas acertamos a distinguir, con sus marcos quizás dorados, esos libros de tapas oscuras que sin duda son obras maestras y en cuya lectura nos gustaría sumergirnos, a la luz de esa lámpara y en ese sillón junto a la ventana, en esa calma y ese silencio que apenas interrumpen los pasos de un desconocido que cruza por la calle.

Edward Hopper, Morning sun


En Hopper también está esa figura, la que ve alguien desde su ventana, alguna vez en un contrapicado como de película policial en blanco y negro, el hombre con el rostrotapeado por un sombrero que pasa muy abajo por la acera, alumbrado de espaldas por la farola de la calle que proyecta ante él su sombra larga y amenazadora.

Edward Hopper, August in the city


Los ventanales americanos de Edward Hopper están en algunas de las mejores películas de Alfred Hitchcock, que nunca dejó de mirar los Estados Unidos con una mirada de forastero que observa lugares y costumbres siempre ajenas a él, exóticas en su cotidianidad, como los moteles de carretera en la literatura americana de Nabokov. Toda Psicosis procede de una escena que podía haber estado en un cuadro de Hopper; empieza en una ventana elegida como al azar entre centenares de ventanas iguales, que están en Phoenix, Arizona, pero que podrían estar en uno de eses hoteles de la parte media de Manhattan, como los que frequentaba yo em mis primeros viajes:

Edward Hopper, House by the railroad


una habitación, una cama, un aparador grande, una mujer sobre la cama y un hombre de pie junto a ella, o sentado a sus pies, unidos por algo que intuimos pero que no se nos muestra, cómplices y a la vez cada uno apartado del otro en el silencio de sus cavilaciones. Hopper se interrumpe aquí y no cuenta nada más: las vidas del hombre y de la mujer acaban en ese instante, en esa habitación, en lo que podría vislumbrar o suponer de ellas un testigo que mirara hacia la ventana abierta, adviertendo el contraste entre la evidente luz diurna y la casi desnudez de los personajes.

Edward Hopper, Eleven AM


Edward Hopper, Autoretrato

O albatroz

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Ouça o poema cantado por Léo Ferré

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

L'Albatros

Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.

À peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.

Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!

Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.


O Albatroz

Para se divertir, os marujos costumam
Pegar um albatroz, grande ave do mar,
Companheira indolente dos barcos que rumam
Para os mares do Sul, abismos a cruzar.

Fisgado pelo anzol, atirado ao convés,
Este rei do azul, triste, desajeitado,
Para fugir arrasta seus enormes pés
E deixa as asas brancas caídas de lado.

Aéreo viajante, tão fraco e nanico!
Antes belo, agora feioso bufão!
Alguém com um tição espicaça-lhe o bico;
Outro a mancar imita o alado aleijão.

O Poeta é igual ao rei do firmamento
Que ri da tempestade e das flechas no ar;
Exilado no chão, cercado de tormento,
As asas de gigante não o deixam andar

Wednesday, June 22, 2005

A CIDADE E O COSMOS

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Lee Smolin é um físico americano que agora é professor no Perimeter Institute no Canadá. Um dos livros dele, A Vida no Cosmos, é um dos melhores textos de ciência que eu já li. Segue o final do livro (que tal acompanhar com a Rapsódia em Blue do Gershwin?):

A velha imagem do universo Newtoniano era um relógio: pesado, insistente, estático; nesta metáfora sente-se a mão de ferro do determinismo e, por trás dela, a ameaça de que o relógio enguice. Ademais, esta sempre foi uma imagem religiosa pois o relógio exige o relojoeiro, que o construiu e pôs para funcionar. Contra isso, gostaria de propor uma nova metáfora para o universo, também baseada em algo construído por seres humanos.

Fui levado a concluir este livro aqui, na melhor cidade do planeta, meu primeiro lar. Algumas semanas atrás saí para andar, procurando uma metáfora para terminar este livro, uma metáfora para um universo construído não por um relojoeiro fora dele mas por seus elementos num processo de evolução, ou talvez de negociação. De repente percebi que, em sua infinita diversidade e variedade, o que eu amo na cidade é exatamente o modo como ela espelha a imagem do cosmos que estou tentando botar em foco. A cidade é o modelo; estava ao meu redor, o tempo todo.

A metáfora do universo que estou tentando agora imaginar, contra a imagem do universo como relógio, é a imagem do universo como uma cidade, uma negociação sem fim, uma construção infinita do novo a partir do velho. Ninguém fez a cidade, não há um fazedor-de-cidade, como há um relojoeiro. Se a cidade pode se fazer sozinha, sem um criador, por que o mesmo não pode ser verdade com o universo?

Além disso, a cidade é um lugar onde a novidade pode surgir sem violência, onde podemos imaginar um processo contínuo de melhoria sem revolução, e onde não precisamos respeitar nada acima de nós mesmos, e sim estamos continuamente confrontados uns com os outros como criadores do nosso mundo compartilhado. Todos nós a fazemos, não apenas um, e somos dela, e ser dela e ser um dos seus criadores é a mesma coisa.

Assim, nunca houve um Deus, um piloto que fez o mundo impondo a ordem ao caos e que permanece de fora, vigiando e prescrevendo. E Nietzche também morreu. O eterno retorno, a eterna morte do calor, não ameaçam mais, eles nunca virão, nem virá o paraíso. O mundo sempre será aqui, e será sempre diferente, mais variado, mais interessante, mais vivo, mas ainda assim sempre o mundo em toda a sua complexidade e incompletude. Tudo que existe na Natureza está em torno de nós. Tudo que existe do Ser é relação entre coisas reais e sensíveis. Tudo que temos da lei natural é um mundo que se faz sozinho. Tudo que podemos esperar da lei humana é o que podemos negociar entre nós, e o que tomamos como nossa responsabilidade. Tudo o que podemos ganhar de conhecimento deve vir do que vemos com nossos próprios olhos e o que os outros nos dizem que viram com seus próprios olhos. Tudo o que podemos esperar da justiça é compaixão. Tudo o que é possível da utopia é o que fazemos com nossas próprias mãos. Reze para que seja o bastante.


New York, 1997

Lee Smolin

Monday, June 20, 2005

MARGARET ATWOOD ON WRITING AND POLITICS

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"I radically consider women to be human beings"

"Brazil holds the key to the future of the world"

"a lot of us grew up with the idea of America as being the kind of beacon of promise and land of freedom, all of these wonderful things, and then you wake up and you think, what happened?"


Click here to read the interview in English

Sunday, June 19, 2005

OUT, OUT, BRIEF CANDLE!

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Georges de La Tour, Madalena arrependida

Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow,
Creeps in this petty pace from day to day
To the last syllable of recorded time,
And all our yesterdays have lighted fools
The way to dusty death. Out, out, brief candle!
Life's but a walking shadow, a poor player
That struts and frets his hour upon the stage
And then is heard no more: it is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.


William Shakespeare, Macbeth, Ato V, cena V

Amanhã, amanhã e amanhã,
O passo vão rasteja dia a dia
Para a última sílaba do tempo,
E os dias idos deram luz aos tolos
Até virarem pó. Apaga, vela!
A vida é sombra solta, mau ator
Que infla e treme até deixar o palco
E nunca mais se ouve: é estória
De um idiota, muito som e fúria,
Sem nenhum sentido.

(minha iâmbica tradução)

Estou indo trabalhar, no metrô entupido de gente, e leio no cartaz intitulado Poetry in Motion o trecho célebre de Macbeth que inspirou o título do romance de Faulkner, The Sound and the Fury. Leio de novo voltando pra casa, e quase todo dia ele aparece na minha frente, já parte da paisagem urbana de New York.
Acabo guglando e aprendo que Macbeth, o déspota escocês assassino, reage assim ao saber do suicídio da mulher dele, Lady Macbeth. Vou à maior autoridade em Shakespeare que eu conheço, Harold Bloom, e constato que embora o personagem favorito dele seja Falstaff, Macbeth é a tragédia de Shakespeare que ele prefere.

"Of the aesthetic greatness of Macbeth there can be no question. The play can not challenge the scope and depth of Hamlet and King Lear, or the brilliant playfulness of Othello, or the world-without-end panorama of Anthony and Cleopatra, and yet it is my personal favorite of all the high tragedies. Shakespeare's final strength is radical internalization, and this is his most internalized drama, played out in the guilty imagination that we share with Macbeth. I do not know if God created Shakespeare, but I know that Shakespeare created us. Macbeth himself exceeds us, in energy and in torment, but he also represents us, and we discover him more vividly within us the more deeply we delve".
Harold Bloom, Shakespeare, the Invention of the Human

Na interpretação de Bloom, todos nós temos um Macbeth lá no fundo, essa sede de poder sem limites, uma fantasia assassina de eliminar todos os rivais. Tem um Macbeth dentro de todo político cheio de ambição de poder. Preciso resistir à tentação de compará-lo ao personagem da nossa política que mesmo deixando o governo diz que vai continuar governando...
Macbeth segundo Bloom é o mais humano de todos os personagens de Shakespeare. Não tem a inteligência de Hamlet, e de todos os protagonistas shakespeareanos ele é o menos livre. Mas é aquele com quem a gente mais se identifica.
E pra Macbeth, como pra cada um de nós, a grande tragédia é o tempo. O que é o nosso tempo de vida se não som e fúria sem sentido?

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Orson Welles no filme Macbeth

Friday, June 17, 2005

PELO ESPAÇO VAI... VAI... VAI...

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Inquietação, de Ary Barroso com Rosas Passos e Lula Galvão

Finalmente funciona! Clique no link acima e espere um minutinho. Mas antes, se ainda não tem, baixe o iTunes, é de graça.
Vermeer, Moça do chapéu vermelho

O quadro é mínimo, 23 cm por 18. Mas ampliado 20 vezes, num poster grande, fica ainda melhor. Nada se sabe sobre a moça, e alguns até teimam que seria um rapaz. A cadeira com cabeças de leões, os brincos de pérola e a tapeçaria no fundo são os mesmos de outros Vermeer. O jogo de luz também. Mas tem alguma coisa, nessa boca entraberta, no olhar, no vermelho do chapéu de plumas, alguma coisa ao mesmo tempo simples e sublime. É um quadrinho pouco maior que um cartão postal. Mas toda vez que eu vou a Washington tento arrumar um tempinho para visitar a moça do chapéu vermelho na National Gallery. E ela me olha com a mesma atração que eu sinto por ela.

Thursday, June 16, 2005

GREGORY CHAITIN, MATEMÁTICA E PRAZER

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Antes do nyontime , minha única entrevista impressa foi a transcrição de um Milênio com o matemático Gregory Chaitin. Argentino, naturalizado americano, Chaitin trabalha num laboratório de gênios da IBM ao norte de Nova York. Entre outras coisas, ele explora os limites da matemática, e ficou famoso por ter calculado o número Omega, que define o limite além do qual a matemática não pode ir. Chaitin gostou tanto da nossa conversa que publicou a entrevista num dos livros dele. Clique aqui para ler em inglês a entrevista, que ele intitulou "Matemática Sensual".

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Em 1970, no carnaval do Rio, Chaitin teve o insight que
levou ao número Omega e revolucionou a Matemática

Mr Sapo

Por que será que os sapos humanizados são tão simpáticos? Afinal os sapos de verdade são bem... nojentos. Feios. Sorumbáticos. Mas o fato é que tem um monte de sapos fofos por aí: o Hermit de Sesame Street, o Keroppi da Hello Kitty, o Michigan J. Frog da Warner Brothers, o australiano Freddo.
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Estou usando no meu browser um sapo boa-praça da maior simpatia e utilidade, o MrSapo. É um site de busca muito bem bolado. Numa única janela, escrevendo-se o termo buscado uma única vez, pode-se consultar um grande número de buscadores: Google, Yahoo, Ask Jeeves, Clusty, Lycos, etc, e comparar os resultados.

É muito fácil e não custa nada baixar a barra do MrSapo, que tem botões para dicionários, busca de imagens e videos, sites de notícias, blogs, uma infinidade de coisas. Fiquei sabendo do MrSapo pelo jornalista James Fallows que elogiou o site como o melhor para buscas na Web. E é mesmo.

Há um concorrente, até mais popular, o Dogpile, que também traz resultados de todos esses buscadores e apresenta tudo numa página só. O problema é que o Dogpile seleciona entre os resultados dos buscadores aqueles que considera os melhores. Com que critério? Se você pagar, seu site entra nos melhores. O critério é comercial.

Por isso é melhor usar o MrSapo, que traz os resultados de cada buscador sem selecionar. Você escolhe segundo os seus critérios.

Perguntei ao criador do MrSapo, Juan Sosa, de Atlanta, qual a origem do nome.

Ele respondeu que o sapo simboliza a curiosidade, e de fato o sapo está sempre vigiando o que acontece em volta, mesmo que pareça estar dormindo. Daí o verbo sapear, ou seja, ficar à espreita.

Pra ser perfeito, só falta agora o MrSapo encontrar o nyontime, o que ainda não aconteceu...


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Entre no MrSapo