Sunday, December 28, 2014

Stephen Sondheim, Ninguém está só

Mãe deixou você. Agora está só. Agora é só você. Mas, não está só. Ninguém está só. Mesmo. Ninguém está só. Tem quem deixe você, Num mundo sem som. Quem engane você. Decida o que é bom. Você decide só. Mas ninguém está só. Mamãe foi embora, Será que morreu? Nada é claro agora. Você se perdeu? Você decide, mas Você não está só Acredite Ninguém está só. Mesmo. Ninguém está só. As pessoas erram. Pais, Mães, As pessoas erram, Presas ao que são, Pois se sentem sós. Respeite que errem. Todo mundo erra, Luta por seus erros, Contra horríveis erros. Há bruxas tão boas, gigantes também. Decida o que é certo, decida o que é bem. Mas lembre: Alguém está com você E alguém não está Quando a gente só vê O lado em que está: eles não estão sós, Ninguém está só. Tudo é escuro agora, Não deixe cair, Vai dar certo agora. Nós podemos ir. Alguém está com você Ninguém está só. tradução Jorge Pontual

Thursday, December 25, 2014

Stephen Sondheim, Mande os bufões


Não é demais?
Somos um par?
Eu finalmente no chão,
Você no ar.
Mande os bufões.

Não é tão doce?
Bom pra você?
Um a deitar e rolar,
Um sem se mover.
Cadê os bufões?
Mande os bufões.
Bem quando eu
Parei de buscar,
Sabendo enfim
Que você era quem ia amar,
Entro no palco de novo
Com talento, meu bem,
Sei tudo de cor,
Mas não tem ninguém.
Gosta de farsa?
Culpe-me então.
Pensei que queria o que sabe que eu quero.
Nada, perdão.
Mas cadê os bufões?
Mande logo os bufões.
Não liga, aqui estão.
Não é demais?
Coisa sofrida,
Perder o pé a essa altura
Da minha vida?
Onde estão os bufões?
Tem que haver bufões.
Para o ano, querida.
Tradução Jorge Pontual

Sunday, August 24, 2014

Charles Baudelaire, Bem longe daqui

É aqui a choça sagrada
onde essa moça arrumada,
tranquila e bem preparada,
o cotovelo no colchão,
ouve cantar o ribeirão;
é de Dorotéia a morada.
-- Da brisa e da água, a canção,
longe, por soluços marcada,
nina a menina mimada.
De cima a baixo, com atenção,
a pele tenra é esfregada,
com óleo de manjericão.
-- E as flores se espalham no chão.

Thursday, August 21, 2014

Que a América Seja a América, Langston Hughes
Tradução e adaptação, Jorge Pontual


Que a América seja a América de novo,
seja o sonho que costumava ser,
seja a grande terra forte do amor
onde nenhum homem pode ser esmagado pelos de cima,
uma terra onde a
oportunidade seja real, a vida seja livre,
a igualdade esteja no ar que a gente respira.
Nunca houve igualdade pra mim,
nem liberdade nesta terra de homens livres.
Eu sou o branco pobre, enganado e excluído,
eu sou o negro com as cicatrizes da escravidão,
sou o índio expulso da terra,
sou o jovem cheio de força e esperança
preso à antiga corrente sem fim
do lucro, do poder, da sanha
de possuir tudo por pura ganância.
Eu sou o agricultor preso ao solo,
sou o trabalhador vendido à máquina,
sou o negro que serve a todos,
sou o povo, humilde, faminto, pequeno.
Que a América seja a América de novo,
a terra que ainda não é
mas tem que ser – a terra onde todo homem é livre.
A América nunca foi a América pra mim,
mas eu faço este juramento:
a América será!
Nós, o povo, temos que redimir
a terra, as minas, as plantas, os rios,
as montanhas e a planície sem fim
e fazer a América nascer de novo!

Sunday, August 17, 2014

Dylan Thomas, Não entre na noite pra se render
Tradução de Jorge Pontual

Não entre na noite pra se render,
Velhice é pra arder até o fim,
Lute, lute para a luz não morrer.

O sábio aceita bem o escurecer
Mas tem palavras de luz e por fim
Não entra na noite pra se render.

O justo, que ao partir irá sofrer
Porque não lhe coube um melhor jardim,
Luta, luta para a luz não morrer.

O rude que põe o sol pra correr,
E vê tarde demais o que é ruim,
Não entra na noite pra se render.

O sério, ao pé da morte, já sem ver,
Acesos os olhos, alegre enfim,
Luta, luta para a luz não morrer.

E você meu pai, triste de se ver,
Amaldiçoe, abençoe-me assim.
Não entre na noite pra se render,
Lute, lute para a luz não morrer.

Primeira tradução (a ser melhorada) de Do not go gentle into the good night, Dylan Thomas:


Não seja a noite uma suave cama,

Velhice é pra arder até o fim,

Ruge, ruge contra a morte da chama.



Sábio é aquele que a escuridão ama,

Mas tem palavras de luz e por fim

Não quer na noite uma suave cama.


O justo que ao se despedir reclama

Que não lhe coube um melhor jardim

Ruge, ruge contra a morte da chama.


O selvagem que o sol conquista e clama

E vê tarde demais o que é ruim

Não tem na noite uma suave cama.


À morte, o sério, cego, exclama

Que os olhos cegos, alegres enfim,

Rugem, rugem contra a morte da chama.


E você meu pai, nessa triste fama,

Amaldiçoa, abençoa-me assim.

Não faz da noite uma suave cama,

Ruge, ruge contra a morte da chama.




Saturday, August 02, 2014

Seis sonetos de Michelangelo, tradução Jorge Pontual



Com os belos olhos teus vejo a luz clara
que com os meus, cegos, já não posso olhar;
com teus pés posso um peso carregar,
o que pra mim, manco, é coisa rara.
Com tuas asas pra sempre eu voara;
com teu engenho ao céu posso chegar;
fazes-me empalidecer ou corar,
gelado ao sol, na neve, um Saara.
O teu querer é só o querer meu,
meu sentimento nasce no teu peito,
no teu alento a minha voz busquei.
Como lua solitária sou eu,
que no céu não se pode ver direito
a não ser que reflita o astro-rei.

http://it.wikisource.org/wiki/Rime_(Michelangelo)/89._Veggio_co%27_be%27_vostr%27occhi_un_dolce_lume


Se um casto amor, se uma paixão paterna,
se um só destino dois amantes casa,
se o infortúnio a um e ao outro arrasa,
se um só querer dois corações governa;
se um’alma em dois corpos se faz eterna,
ambos levando ao céu com a mesma asa;
se o amor de um golpe só com ferro em brasa
crava de dois peitos a carne terna;
se amar ao outro, e a si mesmo não,
com gosto e devoção, com tal mercê
que o que queira um, o outro ponha:
se milhares sem fim são só fração
de tal laço de amor, de tanta fé;
só o pode romper fúria medonha.

http://it.wikisource.org/wiki/Rime_(Michelangelo)/59._S%27un_casto_amor,_s%27una_piet%C3%A0_superna

Sabes que eu sei que sabes, meu senhor,
que vim para gozar-te mais de perto;
sabes que eu sei que sabes o que quero:
por que então não declarar o amor?
Se a esperança que me dás tem valor,
se bom e verdadeiro é o meu desejo,
rompa-se o muro que entre nós eu vejo,
pois força dupla tem a muda dor.
Se só amo em ti, meu senhor querido,
o que em ti mais amas, não fiques bravo;
meu espírito ao teu está unido.
Do engenho humano é mal compreendido
o que em tua beleza almejo e gravo;
quem quiser ver, melhor já ter morrido.

http://it.wikisource.org/wiki/Rime_(Michelangelo)/60._Tu_sa%27_ch%27i%27_so,_signor_mie,_che_tu_sai

Vejo em seu belo rosto, senhor meu,
o que narrar mal posso nesta vida:
a alma, de carne ainda vestida,
assim, há muito, a Deus ascendeu.
E se o mesquinho e estúpido plebeu
me acusa da sua gula enrustida,
não é menor a gratidão vivida,
o amor, a fé e o bom desejo meu.
Daquela divina fonte se mostra
toda a beleza que aqui se vê,
mais que outra coisa, à pessoa de sorte;
não há outro fruto nem outra amostra
do céu na terra; por amar você
transcendo a Deus e faço doce a morte.

http://it.wikisource.org/wiki/Rime_(Michelangelo)/83._Veggio_nel_tuo_bel_viso,_signor_mio

Quero a mim mesmo, mais que no passado;
por ter você na alma, mais eu valho,
como o bloco de pedra que eu entalho
mais do que a simples rocha é prezado.
Ou como o papel escrito ou pintado
tem mais valor do que qualquer retalho,
também eu, um romântico grisalho,
pelo amor ao seu rosto fui marcado.
Seguro em toda parte, em desafogo
vou, como quem, por fé ou armas ter,
diante do perigo vai sereno.
Eu valho contra a água e contra o fogo,
Com seu olhar os cegos faço ver,
e meu cuspe cura qualquer veneno.

http://it.wikisource.org/wiki/Rime_(Michelangelo)/90._I%27_mi_son_caro_assai_pi%C3%B9_ch%27i%27_non_soglio

Não sei se é a desejada luz,
vinda do Criador, que a alma sente,
ou se é pela memória da gente
que outra beleza o coração traduz;
ou se fama, ou se sonho, alguém produz,
aos olhos e ao coração presente,
de si deixando um não-sei-quê tão quente
que é o que a chorar me conduz.
O que sinto e que busco e que me guia
meu não é; e não sei bem ver a meta
que achar eu possa com os olhos meus.
Desde que o vi, senhor, tal fidalguia,
um doce-amargo, um sim-e-não me inquieta:
Terão sido decerto os olhos seus.

http://it.wikisource.org/wiki/Rime_(Michelangelo)/76._Non_so_se_s%27%C3%A8_la_des%C3%AFata_luce

Sunday, January 12, 2014

A poem by Fernando Pessoa
translated by Jorge Pontual
for Richard Serra.


The rain? No, no there is no rain...
Then, where is this day that I feel
In which the sound of rain is real,
Inviting my useless pain?

Where is this rain that I can hear?
Where this sadness, o sky so clear?
I want but I can't smile at you
And call you mine, o sky of blue...

And the rain's everlasting din
In my mind is forever dark.
I am the invisible arc
Chiseled by the howl of the wind...

And so, facing the blue of day
As if presaging my demise,
I grieve... And whatever is gay
Falls to my feet as a disguise.

It's always raining in my soul.
Inside of me there is a hole.
Someone hears in my inner room
The rain, rain as a voice of doom...

When will I turn into your hue,
Into your placid, charming cheer,
O luminous, external blue,
O sky more useful than my tears?


Chove ? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço ?
Onde é que é triste, ó claro céu ?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse, Eu sofro...
E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuto, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...

Quando é que eu serei da tua cor,
Do teu plácido e azul encanto,
Ó claro dia exterior,
Ó céu mais útil que o meu pranto?

 
Fernando Pessoa, Richard Serra