Tuesday, December 04, 2007

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I'm Not There, Não Estou Aí, é o filme de Todd Haynes sobre Bob Dylan que divide opiniões entre quem ama e quem odeia. Ou quem, como eu, ama e odeia ao mesmo tempo. Tremendamente irritante e apaixonante. Adoro Bob Dylan, e ouvir as canções dele por duas horas é um prazer, mesmo que o filme seja longo demais - daria para cortar pelo menos meia hora sem perder nada.
Pra nós, que conhecemos Fernando Pessoa e seus heterônimos, a premissa do filme não tem nada de novo. Em vez de um Bob Dyan, são seis, cada um com seu nome, personalidade, e pouco a ver com o original.

Marcus Carl Franklin

O primeiro é pra mim o melhor do filme, o menino negro que diz se chamar Woody Guthrie e faz de conta que vive nos anos 30, como o verdadeiro Woody, pegando carona em trens e cantando folk songs. O ator, Marcus Carl Franklin, no primeiro trabalho dele no cinema, é maravilhoso. E o menino canta e toca violão muito bem.
When the ship comes in (Bob Dylan), Marcus Carl Franklin
Pena que Marcus só apareça na primeira metade do filme, antes de sumir sem explicação. Este é um dos maiores problemas (e são muitos). O roteiro de Haynes não consegue explorar bem a idéia dos heterônimos de Bob Dylan, alguns ótimos, outros ridículos, e se perde sem que os pedaços do quebra-cabeças cheguem a fazer sentido.
Um dos problemas é que o filme se dedica a contar a vida de cada heterônimo, raramente tão interessante quanto a de Dylan.


Wishaw, Ledger, Bale, Gere, Franklin, Blanchett.

São seis: o menino Woody, que é o Dylan garoto, se fazendo passar por herdeiro do grande Woody Guthrie; o cantor Jack Rollins (Christian Bale, ótimo), o Dylan que conquista Greenwich Village e o amor da estrela da folk music Joan Baez (interpretada com muito sarcasmo por Julianne Moore) e depois vira evangélico; o ator de cinema Robbie Clark (Heath Ledger, totalmente perdido), um Dylan na intimidade, em crise conjugal com a mulher (a francesa Charlotte Ginsburg, ainda mais perdida); Arthur Rimbaud (Ben Wishaw, muito bem num papel desperdiçado), Dylan como poeta maldito; Billy the Kid (Richard Gere, horrível), um Dylan fora-da-lei num faroeste mítico (Dylan fez uma ponta e a trilha sonora no filme Pat Garrett and Billy the Kid de Sam Peckinpah); e Jude Quinn (Cate Blanchett, divina como sempre), o Dylan que abandona a folk music para se tornar rock star.
O filme cresce muito, lá pela metade, quando Cate Blanchett finalmente aparece, incrivelmente parecida com Dylan aos 23 anos, numa refilmagem em preto-e-branco do documentário Don't Look Back, o clásico de D.A. Pennebaker sobre a tournée de Dylan na Inglaterra em 1965. Michelle Williams faz com brilho o papel de Marianne Faithfull, assim como David Cross o de Allen Ginsberg. O canadense Bruce Greenwood quase rouba o filme como o jornalista que entrevista Dylan (o elenco é gigantesco).
Dá pra ver que o filme é um caos. E não há nada, além da música de Dylan, para juntar os cacos. Pode ser descrito como um sonho ou um pesadelo (uma bad trip de ácido, das longas).
O que derruba o projeto é que essa divisão de Dylan em heterônimos passa de arbitrária. Não corresponde à obra dele, ao contrário dos heterônimos de Pessoa, cada um com seu estilo bem definido. Dylan sempre foi e continua sendo um artista de múltiplas facetas, mas elas coexistem na vida dele e nas canções. A separação em personagens diferentes não faz nenhum sentido.



O pior é o longo e tolo episódio de Richard Gere como um patético Billy the Kid, num parque de diversões do velho oeste. Tão ruim quanto a interminável crise conjugal entre Heath Ledger e Charlotte Gainsburg, que Haynes diz ter baseado no casamento de Dylan com sua primeira mulher, Sara Lownds.
Fica óbvio o motivo pelo qual Dylan concordou com o projeto de Todd Haynes. Ele sempre resistiu a ser rotulado, desde a época de folk singer, e conseguiu manter a vida pessoal e a família longe da curiosidade do público. Dylan construiu com muita competência uma aura de mistério, de artista que escapa a definições e retratos simplistas. Este filme torna Dylan ainda mais enigmático e impossível de classificar. Explode o mito sem revelar o que pode estar por trás, ou por dentro. O título é perfeito, Não Estou Aí, para descrever um filme no qual o artista retratado está ausente. Exatamente como Dylan deseja. O mistério continua.
Pra quem se contenta com a obra de Bob Dylan, pura e simples, o melhor ainda é o documentário No Direction Home, de Martin Scorcese.

Monday, December 03, 2007

O Escafandro e a Borboleta


Só agora estreou aqui O Escafandro e a Borboleta, o filme francês do pintor novaiorquino Julian Schnabel, em cartaz no Brasil desde outubro. Está cotado para o Oscar e merece (Schnabel levou Melhor Diretor em Cannes, foto no fim deste post).
Não li o livro do jornalista Jean-Dominique Bauby (foto abaixo), editor-chefe da revista Elle, publicado em 1997 e traduzido com sucesso no Brasil, e agora quero ler. Ele ficou paralisado depois de um derrame, com uma síndrome chamada locked-in, ou seja, trancado dentro. A pessoa permanece consciente mas sem qualquer atividade muscular voluntária, presa no próprio corpo. Paralisado, Jean-Dominique não fala mas movimenta a pálpebra esquerda (a direita foi costurada porque o olho poderia infeccionar). Com a ajuda de uma terapeuta da fala, ele aprende a piscar o olho para ditar letra a letra, um processo demorado e exasperante, e assim ele consegue ditar o livro.
Jean-Dominique Bauby ditando O Escafandro e a Borboleta

Contado desse jeito, parece um filme deprimente. Mas não é. Schnabel faz da camera o olho de Jean-Dominique. A gente vê o que ele vê, por esse único olho. Quando ele chora a camera fica embaçada. A gente ouve a voz de Jean-Dominique, mas é só o pensamento dele. As pessoas que estão em volta, que aparecem diante do olho, não sabem o que ele pensa. Aos poucos, piscando - e a camera também pisca - ele consegue se comunicar com as terapeutas, a ex-mulher, os filhos, os amigos. Não sai do hospital da Marinha, situado numa cidade de praia e especializado em reabilitação. Mas descobre a liberdade na memória e na imaginação.
Schnabel encena os sonhos, devaneios e fantasias de Jean-Dominique, imagens que o mantêm vivo. Nos outros filmes dele, Basquiat e Antes que Anoiteça , Schnabel mostrou seu estilo visual mais ligado à pintura do que ao cinema contemporâneo. Não tem nada a ver com os efeitos especiais de Hollywood. Lembra às vezes Glauber Rocha e o cinema dos anos 60, ou o cinema surrealista de Jean Cocteau. Mas nada é gratuito ou experimental. Suas imagens surpreendentes são vitais para a história de Jean-Dominique, são a expressão visual dos textos que ele dita ao longo do filme.
Tive um médico que recomendava como tratamento para depressão visitar doentes terminais no hospital. Segundo ele, nada como a desgraça alheia para alegrar a gente. Ainda bem que me livrei dele a tempo. O filme de Julian Schnabel é ótimo para curar depressão, mas não por esse motivo torpe. É que para não sucumbir ao escafandro (a prisão dentro do próprio corpo), Jean-Dominique voa com os borboletas da memória, da imaginação e da fala - mesmo sem voz. A voz, a fala, transcendem o corpo. Basta uma pálpebra para falar e escrever.
Numa das melhores cenas do filme, a logoterapeuta Henriette (a maravilhosa atriz Marie-Josée Croze, foto abaixo) anota as primeiras letras ditadas por Jean-Dominique e compõe a frase dele: "Quero morrer". Ela se rebela, não aceita que ele se entregue, não lhe dá esse direito. Nós estamos vendo a cena pelo olho de Jean-Dominique e é incrível como ele reage, exatamente como nós, diante da avalanche emocional de Henriette.
O que salva Jean-Dominique é a decisão que ele toma a partir daí: não vai mais sentir pena de si mesmo. Se fazer de vítima seria fatal.
Marie-Josée Croze no papel de Henriette

O humor de Jean-Dominique, a graça que ele vê nas mínimas coisas, sobretudo no próprio sofrimento físico ("Limpam o meu bumbum como o de um bebê"), é uma experiência comum vivida pelas pessoas em situações extremas, diante da morte. E o roteiro de Schnabel permite que esses momentos de grande humor surjam naturalmente, o que faz desse filme um dos mais alegres e otimistas que vi nos últimos tempos. Um exemplo: dois homens da companhia telefônica vêm instalar um telefone pedido por Jean-Dominque para se comunicar com a família. Eles se surpreendem ao ver que o paciente não pode falar e um deles não resiste, pergunta se ele é daqueles tarados que gostam de dar trotes arfando ao telefone. A acompanhante fica indignada com a falta de respeito. Mas Jean-Dominique, em silêncio, dá gargalhadas. E nós, que ouvimos o pensamento dele, rimos junto.
O ator Mathieu Amalric (foto abaixo), que foi o ótimo Louis do filme Munique de Spielberg, é um achado como Jean-Dominique. O papel seria do grande Johnny Depp, que acabou deixando Schnabel na mão para filmar Os Piratas do Caribe III. Não fez falta. A leveza e a irreverência de Amalric, com cara de menino encapetado, são perfeitas para o personagem. Uma das características de Jean-Dominique é a irreligiosidade ("Milagres não!", ele implora quando todo mundo começa a rezar em volta dele). Outra, a paixão pelas mulheres ("Essas gatas dando sopa e eu aqui paralítico!"). E ainda, o amor pelos três filhos pequenos, que o visitam mas com quem não pode mais brincar. Há também a reconcilicação com o pai (o genial Max von Sidow), uma figura distante e autocentrada, que finalmente tenta se aproximar do filho. Sem pieguice nem chavões, em poucas pinceladas Schnabel constrói o protagonista como um sujeito decente, gostável. É bom estar dentro da cabeça dele, vendo o mundo por aquele olho.
Mathieu Amalric

Uma das graças do filme é ver como os médicos e as pessoas em geral tratam o doente indefeso (no caso, totalmente, pois sequer pode falar), visto como criança, incompetente, totalmente passivo. Os médicos dizem a Jean-Dominique como ele deve estar se sentindo péssimo (ele agradece), falam barbaridades, e as pessoas em volta tendem a tratá-lo como se ele não estivesse presente. É como os bebês e os velhos são tratados, como se não tivessem vontade própria, não são pessoas. É incrível estar na pele de Jean-Dominique, dentro da cabeça dele, e ver como essas coisas acontecem, sem que ninguém se dê conta, a não ser a vítima. É extraordinário. Ele está vendo um jogo de futebol na TV, torcendo por um gol que não vem, quando o enfermeiro entra, apaga a TV e sai. Não tem conversa, nem piedade. O mundo é assim. São esses detalhes do cotidiano que fazem do filme um relato comicamente e dolorosamente real. Como a vida.
Julian Schnabel recebendo o prêmio de melhor diretor em Cannes

O filme já entrou em muitas listas de favoritos para o Oscar mas há quem diga que não pode concorrer por ser uma produção americana (ou franco-americana) falada em francês. A França escolheu outro filme, o longa de animação Persépolis, para concorrer ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira. Mesmo que não concorra a melhor filme, podem sair indicações para melhor diretor (Schnabel), melhor ator (Mathieu Amalric), melhor roteiro (Ronald Harwood, O Pianista)e Janusz Kaminski (o diretor de fotografia de muitos filmes de Spielberg).

Sunday, December 02, 2007

Bryn Terfel
Anja Harteros

A Metropolitan Opera está com uma temporada brilhante. Vi ontem Le Nozze de Figaro. Não é minha ópera de Mozart preferida (prefiro Die Zauberflöte e Don Giovanni) mas chega perto. A montagem do Met é do grande diretor inglês Sir Jonathan Miller (foto abaixo). Cruzei com ele aqui há alguns anos quando estava preparando essa mise-en-scène e Miller me disse que Le Nozze é a favorita dele. Miller é um verdadeiro Rennaissance man, além de um dos maiores diretores de teatro e ópera da atualidade, destacado defensor do ateísmo (com uma série de TV na BBC), e respeitado psiquiatra, além de humorista, escultor, e que sei mais. Um gênio do nosso tempo.
Como todas as produções de Miller, esta é límpida, tradicional, sem as interpretações grotescas que muitos diretores contemporâneos gostam de impor aos clássicos, desfigurando-os.
Esta montagem (foi a última apresentação nesta temporada) trouxe Bryn Terfel (foto acima) como Fígaro, e Anja Harteros (idem) como a Condessa, ambos excepcionais. Muito bons também Simon Keenlyside como o Conde e Ekaterina Siurina como Susanna. O maestro, Philippe Jordan, é o novo diretor da Ópera de Paris. Noite inesquecível.
Quando Harteros cantou a grande ária Dove Sono, o Met veio abaixo. Segue a interpretação de Margaret Price de 1987.

Dove Sono, Margaret Price

Jonathan Miller

Saturday, December 01, 2007

Gustavo Dudamel

Gustavo Dudamel

Fui ver a nova sensação da música clássica, o maestro venezuelano Gustavo Dudamel, 26 anos, regendo pela primeira vez a New York Philarmonic. Ele arrasou. Levantou o astral de todo mundo, orquestra e público, aplaudido de pé aos gritos de Bravo!
Lavou a alma.
Coisa inédita, a orquestra deixou que ele usasse uma das batutas de Leonard Bernstein. Quando Gustavo tinha quatro anos, no interior da Venezuela, brincava de ser maestro e regia os brinquedos dele ao som de gravações de Bernstein.
Em 2009, Dudamel vai assumir a Filarmônica de Los Angeles. Atualmente ele rege uma orquestra sueca e a Orquestra Jovem Simon Bolivar em Caracas.
Ele é a jóia da coroa de uma das mais fabulosas experiências educacionais do mundo, o Sistema de Educação Musical da Venezuela, criado pelo maestro e economista José Antonio Abreu em 1975. Hoje, graças ao apoio do governo Chavez, o sistema atende a 250 mil estudantes de música, que ganham do estado seus instrumentos e eduçação gratuita e tocam em 125 orquestras, das quais 30 são profissionais. São na maioria (90%) crianças pobres, meninos de rua, delinquentes que em países como o Brasil estariam na Febem ou na rua. A orquestra Simon Bolivar esteve recentemente no Carnegie Hall, trazida pela Filarmônica de Berlim, regida por Gustavo, e deslumbrou público e crítica. Não fica nada a dever às melhores orquestras do mundo.
Ver Gustavo Dudamel reger é um prazer. A alegria e o entusiasmo dele são contagiantes. Tive a sorte de conseguir um lugar lateral perto da orquestra e pude ver as mãos e o rosto dele. Sei que é clichê mas não resisto: é um maestro que vive a música que rege. Ele "toca" a orquestra como um instrumento, com gestos precisos, de uma variedade e uma beleza impressionantes. E a batuta de Lenny Bernstein na mão dele flutuava, dançava sobre a orquestra. No fim, enquanto o público aplaudia de pé sem parar, Gustavo entrou pela orquestra cumprimentando os músicos um a um. Nunca vi isso antes.
Para completar, a pièce de résistance do concerto foi minha sinfonia favorita, a Quinta de Prokofiev. É o ponto máximo da música no século XX. Profundamente otimista, alegre, grandiosa. Escrita no fim da Segunda Guerra, quando os soviéticos deram a virada que derrotou o nazismo, é a sinfonia da vitória, embora tenha estreado poucos meses antes do fim dos combates na Europa.
A interpretação de Dudamel é como a de Bernstein, perfeita, empolgante, e dava vontade de aplaudir a cada movimento, como faziam antigamente (agora não é mais de bom tom). É a expressão em música daquilo que a União Soviética, apesar de Stalin, simbolizou por muito tempo: um futuro heróico, fraternal, cheio de esperança e alegria.
Aí vai, na versão de Seiji Ozawa com a Filarmônica de Berlim, o segundo movimento, Allegro Marcato:

Prokofiev, Sinfonia n. 5, Allegro Marcato

Saturday, November 24, 2007

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Estreou aqui Redacted (Censurado), o filme de Brian de Palma sobre a guerra do Iraque. É brilhante e arrasador. Baseia-se na história real de cinco soldados americanos que violentaram uma menina iraquiana em março do ano passado em Mahmoudiya ao sul de Bagdá. Um dos soldados, Steven Green, matou a menina e toda a família dela. Green, que se declarou inocente, ainda não foi julgado. Um dos cúmplices dele foi condenado à prisão perpétua. Eles foram denunciados por um dos participantes no crime.
De Palma fez um filme em 1989, Casualties of War, sobre um caso quase idêntico no Vietnam. A diferença é que a história real tinha acontecido mais de 15 anos antes. Agora, com o processo ainda em julgamento, o cineasta esbarrou em obstáculos legais. Os advogados da empresa que financiou o filme o impediram de usar citações textuais dos depoimentos dos envolvidos e imagens reais do caso.
A solução genial de De Palma foi reproduzir como ficção o que ele encontrou na Internet, modificando nomes, locais e textos, mas mantendo a essência da história.
O filme começa como um "documentário" que está sendo filmado por um soldado, Angel Salazar, que não foi aceito por uma escola de cinema famosa (USC) e espera ter uma nova chance com esse material, uma espécie de "reality show" sobre o dia-a-dia do pelotão dele em Samarra, no Iraque. É esse o recurso que De Palma usa para apresentar seus personagens.
O mesmo pelotão é objeto de um "documentário francês", extremamente bem filmado (com trilha sonora de música barroca!), sobre o trabalho dos soldados, que consiste em vigiar um checkpoint, uma barreira, numa rua de Samarra, parando e revistando os veículos. É um pastiche delicioso desse tipo de documentário.
O tédio da vida dos soldados é quebrado quando um carro, levando uma grávida para a maternidade, não pára na barreira. A partir daí, De Palma recria videos de reportagem de uma TV iraquiana, de repórteres que acompanham as forças americanas, de cameras de segurança da base, de interrogatórios dos soldados, de sites dos rebeldes iraquianos, e de blogs na Internet. É o primeiro grande filme que adota a linguagem dos blogs. Com esse mosaico fragmentado, De Palma consegue criar uma narrativa clara e de grande impacto emocional.
É o retrato mais devastador da destruição do povo iraquiano pelas forças de ocupação.
"Redacted" é o termo que os burocratas usam para descrever a censura a textos oficiais liberados para a imprensa com trechos cobertos por tarjas negras, supostamente para proteger informações secretas. De Palma escolheu o título porque descreve a censura que ele sofreu para fazer o filme, no qual não pôde usar documentos reais.
E o filme acabou sendo "redacted" mais ainda, porque o financiador, Mark Cuban, botou tarjas negras sobre os olhos das vítimas iraquianas na sequência final do filme. É uma série de fotos reais, encontradas na Internet, de civis iraquianos vítimas da guerra. Fotos que jamais foram publicadas pela mídia nos Estados Unidos. Seriam o único documento real do filme, mas o produtor alegou que correria o risco de ser processado pelas famílias das vítimas por ter usado as fotos sem autorização. De Palma, com razão, achou a censura absurda e entrou na justiça. Perdeu. O filme está sendo exibido com as tarjas negras. As fotos continuam tendo um impacto enorme, mas teria sido ainda maior sem as tarjas.
Os críticos nos Estados Unidos odiaram o filme, que chamaram de "confuso", "de mau gosto", "anti-americano", "desonesto", e por aí vai. Por mostrar a cena do estupro da menina, De Palma foi acusado de "explorar a violência contra as mulheres", o que ele teria feito em outros filmes, e chamado de "voyeur". Isso, até pela imprensa de esquerda. É claro que quase ninguém discute o que importa, a questão crucial, que é a destruição do povo iraquiano pelo governo Bush com a cumplicidade da mídia.
O filme tem dois "heróis", soldados que não aceitam participar do estupro, e um deles denuncia os companheiros, embora o próprio pai o tenha aconselhado a ficar calado. De Palma mostra como os militares tentaram abafar o caso e chegaram a acusar o próprio denunciante (que na história real acabou condenado).
O filme retrata a profunda decadência moral da sociedade americana. Reno Flake, o personagem que assume o papel de Steve Green, o soldado que assassina a menina e a família dela, é um bom exemplo dos jovens perdidos, desempregados, drogados, que entram para o Exército para não ir para a cadeia. Green foi recrutado apesar de ter sido condenado por uso de drogas. De Palma não está dizendo que todo soldado americano é como ele. Mas basta um Green no Iraque para ser o catalisador de atrocidades.
Flake/Green é o soldado que atira no carro que leva a grávida, matando a mulher e o feto. Entrevistado no video do companheiro Salazar, Flake diz que para ele matar iraquianos é como matar baratas. Foi quase exatamente o que Green disse em seu depoimento à justiça militar.
Bill O'Reilly, o líder de audiência da Fox News, porta-voz da extrema-direita e do governo Bush, está fazendo campanha contra o filme, pedindo que levem aos cinemas cartazes com o slogan "Apóiem as Tropas". Na sessão que eu vi (o filme está em apenas dois cinemas de Nova York), havia exatamente cinco espectadores.

De Palma ganhou o Leão de Prata como melhor diretor no Festival de Veneza, com Redacted.
Brian De Palma em Veneza


Redacted

O ator Kel O'Neil (foto acima) faz em Redacted o papel do soldado Gabe Blix. Ele se recusa a participar da expedição para estuprar a menina iraquiana e por isso é ameaçado pelos outros. Blix é chamado de fresco pelos companheiros porque passa o tempo lendo o romance Encontro em Samarra de John O'Hara. O título se refere a uma história contada por Somerset Maughan. Um homem é surpreendido pela Morte num mercado de Bagdá e foge para Samarra. A Morte comenta: "Foi uma surpresa vê-lo em Bagdá porque tenho um encontro com ele logo mais em Samarra".

Em tempo: o Iraque voltou a ser ignorado pela mídia aqui. A versão oficial é que a violência no Iraque diminuiu muito porque morreram menos soldados americanos nas últimas semanas (embora o número de mortos no ano seja recorde), ou seja, a escalada do Bush é um sucesso. Os democratas, que controlam o Congresso e têm chance de ganhar a Casa Branca ano que vem, mudaram de estratégia e deixaram o Iraque de lado, para centrar fogo em questões internas. E os dois candidatos que lideram as pesquisas, Hillary Clinton pelos democratas e Rudolph Giuliani pelos republicanos, rivalizam pra ver quem tem mais cojones, quem é mais duro com os "bad guys". Giuliani quer atacar o Irã e Hillary diz que um ataque ao Irã não pode ser descartado. Se você acha que tudo vai mudar com o fim do governo Bush, se engana.

Thursday, November 22, 2007

Rosa Passos


Leio na New Yorker que Yo Yo Ma concorda comigo, a voz mais bonita do mundo é a da Rosinha, Rossa Passos. O crítico da revista, Gary Giddins, escreve que "a voz dela tem a clareza da água, e seu fraseado, livre de vibrato e ornamentação, é colorido apenas pela nasalidade inerente à língua portuguesa. Se não é a voz mais bela do mundo, é seguramente de um esplendor raro, especialmente enfeitiçador no registro mais alto, onde sugere fragilidade mas nunca quebra. Seja sussurrando ou gritando, sua intonação é sempre sólida - qualidade crucial numa música que valoriza dissonâncias e longas letras". Giddins destaca a virtuosidade do violão de Rosinha e seu domínio do palco, no qual ela supera de longe o mestre João Gilberto. Segundo Giddins "ela não é a herdeira de Gilberto. Ela é melhor". O que é que vocês estão esperando? Saiam correndo para comprar os CDs de Rosa Passos!

Monday, November 12, 2007

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Lions for Lambs o novo filme de Robert Redford (estreou aqui sexta-feira) é o melhor filme que vi este ano. Um filme político inteligente e que emociona. São três histórias entrelaçadas: a discussão entre um professor (Redford) e um aluno alienado (Andrew Garfield), a entrevista de um senador de direita (Tom Cruise) a uma jornalista séria de uma grande rede (Meryl Streep) para vender uma nova aventura militar americana, e a primeira missão dessa aventura, envolvendo dois jovens que foram alunos do tal professor. A crítica não gostou. Tá todo mundo viciado em filmes de ação. Reclamam quando é preciso prestar atenção em idéias e discussões políticas. Ficou em quarto na bilheteria do fim de semana mas espero que com o boca-a-boca melhore (será que só eu adorei? Queria aplaudir de pé mas ninguém puxou aplauso, que é coisa raríssima aqui). Streep merece mais um Oscar, Redford também como diretor, assim como o roteirista Matthew Michael Carnanhan, e Tom Cruise quase rouba o filme. Imperdível.

Tuesday, September 25, 2007

Marlene Dietrich
Caetano VelosoMarisa MonteBob Dylan
Image Hosted by ImageShack.usCaetano VelosoThe Rolling Stones
Caetano Veloso
Billie Holiday
Image Hosted by ImageShack.usRaul Seixas
Grateful DeadRobert Plant
Caetano Veloso
Chavela Vargas
Atahualpa YupanquiJuanesLos Panchos
Image Hosted by ImageShack.usCaetano Veloso
Peppino di Capri
Henri Salvador
Little Richard
Ella Fitzgerald
Billie HolidayNina Simone
Louis Armstrong
Caetano Veloso
Os MutantesElvis Presley
Caetano Veloso

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Barbara Bonney
Jean-Yves Thibaudet
Alfred Brendel
Renée Fleming

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Sunday, August 05, 2007

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Achei essa foto deslumbrante no Flickr, tirada com o celular pela Cora Ronai. Estou indo embora do Rio daqui a pouco com o coração apertado.

E esta foto abaixo ainda mais linda é de Phelipe, também do Flickr. Ai, meu Rio...
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Ainda do Flickr, estas fotos sensacionais da fotógrafa de Niterói, Neloqua.
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Coqueirinho, Paraíba

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Há duas praias do Coqueirinho na Paraíba, a da Baía da Traição, onde eu estive, e outra, a da foto, ao Sul de João Pessoa.
Foto de Rodrigo Viana
Mais fotos dele aqui.

Saturday, August 04, 2007

Ravel na Paraíba

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Todas as tardes ao por-do-sol na praia do Jacaré no rio Paraíba um saxofonista toca o Bolero de Ravel.
Mais fotos aqui.

Wednesday, August 01, 2007

Ingá, Paraíba

pedra do Ingá
centro da pedra
Seu Renato

Um dos maiores mistérios do Brasil é a pedra do Ingá com inscrições datadas de 5 mil anos e ainda não explicadas, no pé da serra da Borborema, na Paraíba. Toda a serra tem sítios arqueologicos com inscrições mas o Ingá é de longe o mais importante. Vêm cientistas de todo o mundo estudar as inscrições. O sítio é patrimônio da humanidade, da Unesco. Mas nenhum órgão brasileiro dá um centavo para preservá-lo. Há 20 anos o paraibano Renato Alves da Silva, hoje com 78, paga do próprio bolso para manter o sítio, vendendo camisetas, livros e mel que ele mesmo coleta na mata, aliás um mel delicioso. O rio que passa no local tem tido cheias que cobrem as inscrições. Pinturas do outro lado da pedra estão desaparecendo. Seu Renato acredita que daqui a 50 anos o Ingá terá desaparecido.
Mais fotos aqui.

Baía da Traição, Paraíba

Oca potiguara
Canhões do forte
Redes no bar Naturezas
Falésias
A caminho da praia do Coqueirinho
Praia do Coqueirinho
Barra do rio Camaratuba
Nascente do rio do Gozo
Manguezal na barra do Camaratuba
 Arara do Catumbaé

Passei alguns dias na Baía da Traição, lugar que sonhava conhecer há anos e que supera tudo o que eu esperava. Lá fica a reserva dos índios potiguara e a do peixe-boi marinho. É um lugar intocado onde não há turismo nesta época do ano (eu era o único forasteiro). Recomendo a pousada Catumbaé que também é um viveiro de aves silvestres do Ibama.

Mais fotos aqui. Mais potiguara aqui. E a barra do rio Camaratuba, limite Norte da baía da Traição, aqui.
O limite Sul da baía é o rio Mamanguape, em cuja barra fica a reserva do peixe-boi marinho, aqui.
No extremo sul da baía da Traição, duas horas a pé pela areia, fica a praia do Coqueirinho, uma das mais bonitas do Brasil, em frente à barra do Mamanguape.
Um dos lugares mais mágicos da baía da Traição fica a 10 km da praia, mata adentro, na aldeia de Tronqueiras. É a nascente do rio do Gozo.
Com 30 km de praias, rios, lagoas e 27 aldeias indígenas a baía da Traição tem uma enorme variedade de paisagens.

Wednesday, July 18, 2007




Um amigo do Canadá me mandou estas aquarelas pintadas pela Grã Duquesa Olga, a última herdeira do império russo, que morreu no Canadá em 1960. Perseguida por Stalin ela teve que deixar o asilo na Dinamarca (era neta de um rei dinamarquês) e se refugiar numa fazenda perto de Toronto. Morreu pobre e deixou cerca de 2 mil aquarelas que hoje estão sendo exibidas em museus na Rússia e outros países. Um detalhe curioso dessa vida que dá um romance: ela se casou com um duque mas ele era homossexual e o casamento não se consumou. Olga conheceu um coronel russo, se apaixonou, e ele foi morar no palácio com o consentimento do marido. O irmão dela, tsar Nicolau II, concedeu o divórcio e ela então se casou com o coronel com quem teve filhos, netos e bisnetos. Outra história: foi Olga quem desmascarou Anna Anderson, que tentou se fazer passar pela princesa Anastasia, a filha do tsar que teria escapado à chacina da família imperial pelos bolcheviques. Olga foi visitar a "sobrinha" e constatou que era uma impostora. Meu amigo, que é curador das mostras da artista, diz que ela era uma pessoa encantadora.

Tuesday, July 17, 2007




Quem é a maior estrela da ginástica olímpica no Pan? Com três medalhas de ouro e uma de prata, é a americana Shawn Johnson, 15 anos. Ela é um fenômeno, graciosa, perfeita, encantadora, irressistível, a grande esperança dos EUA na Olimpíada de 2008 em Pequim. Confirmou no Pan o que se esperava dela. Suas apresentações foram impecáveis na segunda, quando ganhou a medalha de ouro individual, e na terça, ouro nas assimétricas e na trave, prata no solo. Shawn deverá ser, para Pequim , o que Nadia Comaneci foi para Montreal. Mas se você não assistiu à transmissão das provas ao vivo nos canais a cabo, não ficou sabendo. É que Shawn Johnson cometeu o erro fatal neste Pan: nasceu nos Estados Unidos.
Foi ótimo ter chovido ouro no Brasil na natação e na ginástica. Passamos para terceiro. Mas será que só eu estou interessado na nova estrela mundial da ginástica olímpica? Sou da época em que valia o talento do atleta, não o país que representa.


Quem quer aprender a voar, precisa primeiro aprender a ficar de pé e a andar e a subir e dançar: a arte de voar não se aprende voando!

Aquele que ensinar os homens a voar afastará todos os limites, batizará a terra de novo como A Leve.

Quem quer se tornar leve e se transformar em pássaro deve se amar.






O homem é uma corda estendida entre a besta e o Super Homem - uma corda sobre o abismo.
É perigoso passar de um lado ao outro, perigoso ficar no caminho, perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar.
O que há de grande no homem é que ele é uma ponte e não um fim: o que se pode amar no homem é que ele é uma passagem e uma queda.





Por trás dos teus pensamentos e teus sentimentos, irmão, há um soberano possante e um sábio desconhecido. Ele mora no teu corpo, é teu corpo.





Há mais razão no teu corpo que na tua melhor sabedoria. Há sempre um pouco de loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.





E mesmo eu, que estou voltado para a vida, acho que as borboletas, as bolhas de sabão e o que se assemelha a elas entre os homens são o que melhor conhece a felicidade.




Ver voar essas alminhas leves, loucas, graciosas e móveis - isso dá a Zaratustra vontade de chorar e cantar.
Eu não poderia acreditar num deus que não soubesse dançar.
Agora sou leve, agora vôo, agora me vejo abaixo de mim mesmo, agora um deus dança através de mim.


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Estou agora diante do meu último cume. Tenho diante de mim meu caminho mais duro. Começo minha corrida mais solitária.
Acima da tua cabeça e além do teu coração. Agora a coisa mais doce em ti deve se tornar a mais dura.





Precisas subir andando sobre ti. Mais alto, mais alto até que as estrelas fiquem lá embaixo.





Céu acima de mim, céu puro. Profundo. Abismo de luz. A te contemplar tremo de desejos divinos. Saltar na tua altura - eis o meu abismo. Ensconder-me na tua pureza, eis minha incoência.
Todo a minha vontade é só voar, voar para entrar em ti!





O belo corpo vitorioso em torno do qual tudo se transforma em espelho.
O corpo ágil, o dançarino cujo símbolo é alma feliz consigo mesma.





Toda alegria quer a eternidade, a profunda, profunda eternidade.





Assim fala a sabedoria do pássaro: Não há alto nem baixo. Lança-te para todos os lados, para frente, para trás, homem leve. Não fala mais. Canta.

Texto de F. Nietzche, Assim Falava Zaratustra