Monday, April 30, 2007

Frank Stella, Chinese Pavillion

Começa neste 1 de maio a exposição de Frank Stella no Metropolitan Museum, a primeira do astro da vanguarda no templo da arte careta. São três grandes esculturas no terraço e uma sala no primeiro andar, tudo assombroso, lindo.
A maior peça é Chinese Pavillion, uma enorme maquete para um prédio imaginário (Stella se imagina arquiteto mas nunca construiu nada). É feita de fibra de carbono. A fabricação é da empresa brasileira Catarina Yachts, o primeiro projeto da nova fábrica de barcos de Santa Catarina.
Stella brincou comigo: "Como tudo no Brasil, atrasou. Só chegou metade da escultura". A outra metade está sendo prometida pelos catarinenses para daqui a um mês e meio. Como a exposição fica no terraço até o fim do verão, dá tempo. Stella não se esquenta ("sou como os artistas brasileiros, Tunga, Nuno Ramos, não estou nem aí") mas a direção do Museu está furiosa com o atraso dos brasileiros. O que fazer... Eles tiveram seis meses para fabricar a peça, mas foi pouco. É tudo feito por uma máquina-robô, e a empresa ainda está aprendendo a dominar o processo. A parte da escultura que deu tempo de polir é belíssima, negra e brilhante como o casco de um barco. Até a parte não polida impressiona. E o artista ficou super feliz com o resultado.
Aliás é difícil encontrar alguém que dê tão pouca importância à fama quanto o Frank Stella. Inmpressionante.

Vik Muniz, Narciso d'après Caravaggio

Vik Muniz, auto-retrato

Levei Douglas Hofstadter pra ver a exposição de Vik Muniz no MoMA PS1. Fomos pela linha 7 do Subway depois de gravar na minha casa uma entrevista para o Milênio da Globo News sobre seu novo livro, I Am a Strange Loop.
As idéias de Hofstadter têm tudo a ver com a arte do Vik: perceber é transpor formas de um meio para outro - abstrair.
Doug ficou encantado com as fotos do Vik, que não conhecia. Custou a reconhecer algumas imagens que Vik transpôs, como o Narciso de Caravaggio feito de ferro velho. Claro que Vik é fã de Hofstadter, tem um amarelado exemplar de Gödel, Escher, Bach. Mas por confusão minha não deu para promover o encontro dos dois gênios, fica para a próxima.

Vik Muniz, capa da revista do New York Times de 15/4/07

Douglas Hofstadter

Monday, April 09, 2007

Hoje é aniversário de Charles Baudelaire (1821-1867).
Baudelaire fotografado por Felix Nadar

O Sonho de um curioso

A Felix Nadar

Conheces como eu a dor deliciosa?
De ti fazes dizer: "Oh! Homem singular!"?
-- Eu ia morrer. Era, na alma amorosa,
Desejo e horror, um mal particular;

Angústia e esperança, sem veia facciosa.
Mais eu sentia a hora fatal escoar,
Era a tortura mais amarga e saborosa;
Meu coração deixava o mundo familiar,

Menino no teatro, tomado de anseio,
Com ódio da cortina, ódio do bloqueio...
Mas a verdade fria se mostrou enfim:

Eu morrera sem susto e já me rodeava
A terrível aurora. -- Então é assim?
O pano estava erguido e eu ainda esperava.


Le Rêve d'un curieux

À Félix Nadar

Connais-tu, comme moi, la douleur savoureuse,
Et de toi fais-tu dire: "Oh! l'homme singulier!"
-- J'allais mourir. C'était dans mon âme amoureuse,
Désir mêlé d'horreur, un mal particulier;

Angoisse et vif espoir, sans humeur factieuse.
Plus allait se vidant le fatal sablier,
Plus ma torture était âpre et délicieuse;
Tout mon coeur s'arrachait au monde familier.

J'étais comme l'enfant avide du spectacle,
Haïssant le rideau comme on hait un obstacle ...
Enfin la vérité froide se révéla:

J'étais mort sans surprise, et la terrible aurore
M'enveloppait. -- Eh quoi! n'est-ce donc que cela?
La toile était levée et j'attendais encore.
Madrigal triste

I

Eu lá quero que estejas calma?
És mais bela triste! O pranto
Lava e revela a alma,
A chuva reaviva a palma,
O rio enche a mata de encanto.

Amo-te quando a alegria
Foge do teu cenho fechado
E tua vida, de horror, esfria,
Quando paira sobre teu dia
A nuvem negra do passado.

Amo-te, se teu olho mina
Uma água quente feito sangue
E apesar da mão que te nina
Tua angústia aflora, mofina,
Com um ronco rouco, exangue.

Aspiro, divino prazer,
Hino profundo, delicioso,
Todos os ais do teu sofrer,
Lágrimas que fazem arder
Teu coração pecaminoso.


II

Sei que teu coração transborda
De tantos amores traídos,
Retesado como uma corda,
Cheio de fel até a borda;
Tens o orgulho dos perdidos!

Mas, minha querida, enquanto
Satã não povoar tuas noites
E, num pesadelo de espanto,
Cercada de facas e açoites,

Trancada, com medo do escuro,
Vendo desgraça em todo canto,
Tremendo por não ter futuro,
Não sentires o beijo impuro
Do irresistível Desencanto,

Não poderás, rainha escrava,
Que sempre me ama no Mal,
No pavor da noite mascava
Dizer-me, a alma sem trava:
"Ó meu Rei, sou tua igual!"


Madrigal triste

I

Que m'importe que tu sois sage?
Sois belle! et sois triste! Les pleurs
Ajoutent un charme au visage,
Comme le fleuve au paysage;
L'orage rajeunit les fleurs.

Je t'aime surtout quand la joie
S'enfuit de ton front terrassé;
Quand ton coeur dans l'horreur se noie;
Quand sur ton front présent se déploie
Le nuage affreux du passé.

Je t'aime quand ton grand oeil verse
Une eau chaude comme le sang;
Quand, malgré ma main qui te berce,
Ton angoisse, trop lourde, perce
Comme un râle d'agonisant.

J'aspire, volupté divine!
Hymne profond, délicieux!
Tous les sanglots de ta poitrine,
Et crois que ton coeur s'illumine
Des perles que versent tes yeux.


II

Je sais que ton coeur, qui regorge
De vieux amours déracinés,
Flamboie encor comme une forge,
Et que tu couves sous ta gorge
Un peu de l'orgueil des damnés;

Mais tant, ma chère, que tes rêves
N'auront pas reflété l'Enfer,
Et qu'en un cauchemar sans trêves,
Songeant de poisons et de glaives,
Éprise de poudre et de fer,

N'ouvrant à chacun qu'avec crainte,
Déchiffrant le malheur partout,
Te convulsant quand l'heure tinte,
Tu n'auras pas senti l'étreinte
De l'irrésistible Dégoût,

Tu ne pourras, esclave reine
Qui ne m'aimes qu'avec effroi,
Dans l'horreur de la nuit malsaine,
Me dire, l'âme de cris pleine:
"Je suis ton égale, ô mon Roi!"

Poema Baudelaire, tradução Pontual

Monday, April 02, 2007

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Olympia de Manet, clique aqui para uma reprodução maior. Reza a lenda que Manet começou o quadro quando passou pelo Rio de Janeiro.

A uma dama crioula

No cheiroso país que o sol vem afagar,
Conheci, sob um bosque todo avermelhado
E palmas que derramam preguiça no olhar,
Uma dama crioula de encanto ignorado.

A tez é clara e quente; morena, seu ar
Enfeitiça, seu porte é nobre e requintado;
Alta, esbelta, anda como se a caçar,
O sorriso tranquilo e o olhar alçado.

Se viajasse, Senhora, ao país sem par,
Lá nas margens do Sena ou do verde Loire,
Bela digna de ornar os antigos castelos,

Faria, no umbral de alamedas secretas,
Germinar mil sonetos n'alma dos poetas,
Escravos, como os negros, dos seus olhos belos.

À une dame créole

Au pays parfumé que le soleil caresse,
J'ai connu, sous un dais d'arbres tout empourprés
Et de palmiers d'où pleut sur les yeux la paresse,
Une dame créole aux charmes ignorés.

Son teint est pâle et chaud; la brune enchanteresse
A dans le cou des airs noblement maniérés;
Grande et svelte en marchant comme une chasseresse,
Son sourire est tranquille et ses yeux assurés.

Si vous alliez, Madame, au vrai pays de gloire,
Sur les bords de la Seine ou de la verte Loire,
Belle digne d'orner les antiques manoirs,

Vous feriez, à l'abri des ombreuses retraites,
Germer mille sonnets dans le coeur des poètes,
Que vos grands yeux rendraient plus soumis que vos noirs.
M.C. Escher, 1946

Spleen

Pluvioso, com toda a cidade irritado,
Despeja em grandes ondas seu sinistro frio
Na multidão sem cor do cemitério ao lado
E a mortalidade no bairro vazio.

Meu gato, aninhando-se no chão molhado,
Agita sem parar o corpo em arrepio;
Com a soturna voz de um fantasma gelado,
A alma de um poeta vai no meio-fio.

Lamenta-se o moscão, o fogo enfumaçado
Acompanha em falsete o relógio gripado
E num baralho fedendo a espermacete,

Herança de uma velha com hidropisia,
Lembram mortos amores, conversa sombria,
A rainha de espadas e um belo valete.

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Spleen

São tantas lembranças, que sinto ter mil anos.

Gavetas entupidas de notas e planos,
Promissórias, poemas, cobranças, canções,
E mechas de cabelo entre intimações,
Guardam menos segredos que o meu triste cérebro.
É uma pirâmide, um gigantesco féretro
Mais pesado de mortos que a vala comum.
-- Sou cemitério sem lua, cafarnaum
Onde rastejam vermes longos e gulosos
Que devoram sempre meus mortos mais saudosos.
Sou um velho boudoir com mofados buquês,
Roupas fora de moda sobre os somiês,
Onde só as ninfas nos pastéis desbotados
Aspiram o odor dos frascos destapados.

Não há nada mais longo que os trôpegos dias
Debaixo do inverno das neves mais frias,
Quando o tédio, fruto da morna indiferença,
Ganha imortalidade e onipresença.
-- Agora não és mais, ó ser superior,
Que um granito cercado de um vago pavor,
Dormindo no fundo do deserto à socapa,
Velha esfinge esquecida, perdida no mapa,
Mas que não perde o brio e ainda faz farol,
Cantando seus versos à luz do pôr-do-sol.

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Spleen

Eu sou como o monarca de um pais chuvoso,
Rico, mas incapaz, jovem e muito idoso,
Que, além de desprezar mesuras, rituais,
Se enjoa de seus cães e de outros animais.
Nada pode alegrá-lo, falcão nem caçada,
Nem seu povo morrendo em frente à sacada.
Do bufão favorito a balada indecente
Não distrai mais a testa do cruel doente;
Em tumba se transforma o leito no castelo,
E as damas para quem todo príncipe é belo
Não encontram mais uma roupa de rameira
Que tire um sorriso da jovem caveira.
O sábio que faz ouro não tem conseguido
Extirpar-lhe do ser o humor corrompido,
Nem os banhos de sangue, herança dos romanos,
Dos quais ainda se lembram velhos soberanos,
Conseguem esquentar o cadáver boçal
Onde corre o pus verde do Lete infernal.

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Spleen

Quando o céu baixo cai, pesado como tampa,
Sobre a mente que sofre a dor de um longo açoite,
Toldando do horizonte sua inteira rampa,
Fazendo o dia negro, mais triste que a noite,

Quando a terra se torna uma gelada cela,
Lugar onde a Esperança, imitando o morcego,
Vai roçando no muro a asa com cautela,
Ferindo-se no teto podre sem sossego;

Quando a chuva desdobra cortinas enormes,
De uma vasta prisão imitando a muralha,
E um povo calado de aranhas disformes
No fundo da cabeça tece sua malha,

Badaladas de sino irrompem com furor
E lançam para o céu um urro de heresia,
Almas penadas sem volta e sem amor,
A gritar e gemer de pé, por teimosia.

-- E um longo funeral, sem música ou tambor,
Desfila devagar na alma; a Esperança
Vencida chora e a Angústia carniceira
Finca no crânio meu sua negra bandeira.

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Spleen

Pluviôse, irrité contre la ville entière,
De son urne à grands flots verse un froid ténébreux
Aux pâles habitants du voisin cimetière
Et la mortalité sur les faubourgs brumeux.

Mon chat sur le carreau cherchant une litière
Agite sans repos son corps maigre et galeux;
L'âme d'un vieux poète erre dans la gouttière
Avec la triste voix d'un fantôme frileux.

Le bourdon se lamente, et la bûche enfumée
Accompagne en fausset la pendule enrhumée,
Cependant qu'en un jeu plein de sales parfums,

Héritage fatal d'une vieille hydropique,
Le beau valet de coeur et la dame de pique
Causent sinistrement de leurs amours défunts.

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Spleen


J'ai plus de souvenirs que si j'avais mille ans.

Un gros meuble à tiroirs encombré de bilans,
De vers, de billets doux, de procès, de romances,
Avec de lourds cheveux roulés dans des quittances,
Cache moins de secrets que mon triste cerveau.
C'est une pyramide, un immense caveau,
Qui contient plus de morts que la fosse commune.
-- Je suis un cimetière abhorré de la lune,
Où comme des remords se traînent de longs vers
Qui s'acharnent toujours sur mes morts les plus chers.
Je suis un vieux boudoir plein de roses fanées,
Où gît tout un fouillis de modes surannées,
Où les pastels plaintifs et les pâles Boucher
Seuls, respirent l'odeur d'un flacon débouché.

Rien n'égale en longueur les boiteuses journées,
Quand sous les lourds flocons des neigeuses années
L'ennui, fruit de la morne incuriosité
Prend les proportions de l'immortalité.
-- Désormais tu n'es plus, ô matière vivante!
Qu'un granit entouré d'une vague épouvante,
Assoupi dans le fond d'un Sahara brumeux
Un vieux sphinx ignoré du monde insoucieux,
Oublié sur la carte, et dont l'humeur farouche
Ne chante qu'aux rayons du soleil qui se couche.

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Spleen


Je suis comme le roi d'un pays pluvieux,
Riche, mais impuissant, jeune et pourtant très-vieux,
Qui, de ses précepteurs méprisant les courbettes,
S'ennuie avec ses chiens comme avec d'autres bêtes.
Rien ne peut l'égayer, ni gibier, ni faucon,
Ni son peuple mourant en face du balcon.
Du bouffon favori la grotesque ballade
Ne distrait plus le front de ce cruel malade;
Son lit fleurdelisé se transforme en tombeau,
Et les dames d'atour, pour qui tout prince est beau,
Ne savent plus trouver d'impudique toilette
Pour tirer un souris de ce jeune squelette.
Le savant qui lui fait de l'or n'a jamais pu
De son être extirper l'élément corrompu,
Et dans ces bains de sang qui des Romains nous viennent,
Et dont sur leurs vieux jours les puissants se souviennent,
Il n'a su réchauffer ce cadavre hébété
Où coule au lieu de sang l'eau verte du Léthé.

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Spleen

Quand le ciel bas et lourd pèse comme un couvercle
Sur l'esprit gémissant en proie aux longs ennuis,
Et que de l'horizon embrassant tout le cercle
Il nous verse un jour noir plus triste que les nuits;

Quand la terre est changé en un cachot humide,
Où l'Espérance, comme une chauve-souris,
S'en va battant les murs de son aile timide
Et se cognant la tête à des plafonds pourris;

Quand la pluie étalant ses immenses traînées
D'une vaste prison imite les barreaux,
Et qu'un peuple muet d'infâmes araignées
Vient tendre ses filets au fond de nos cerveaux,

Des cloches tout à coup sautent avec furie
Et lancent vers le ciel un affreux hurlement,
Ainsi que des esprits errants et sans patrie
Qui se mettent à geindre opiniâtrément.

-- Et de longs corbillards, sans tambours ni musique,
Défilent lentement dans mon âme; l'Espoir,
Vaincu, pleure, et l'Angoisse atroce, despotique,
Sur mon crâne incliné plante son drapeau noir.

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