Rock 'n' Roll, a última peça de Tom Stoppard, que vi ontem aqui na Broadway, é um triunfo da razão e da emoção, juntas. Afinal, nós somos razão + emoção e uma não vive sem a outra.
E o que faz as duas se juntarem triunfalmente? A paixão.
A trama é complexa e difícil de resumir. Se passa em Praga e Cambridge (a inglesa) de 1968 a 1990.
Stoppard é tcheco e os pais, judeus, se refugiaram no então império britânico.
No personagem tcheco, Jan, Stoppard projeta o que ele poderia ter sido se tivesse voltado a Praga em vez de virar inglês. A paixão de Jan: Rock 'n' Roll, especialmente Pink Floyd.
Jan vai a Cambridge em 68 a convite do filósofo marxista Max Morrow. A paixão de Max: Marx.
A mulher de Max, Eleanor, é professora de grego clássico. A paixão de Eleanor: Safo, a poeta do amor.
A filha de Max e Eleanor, Esmé, é uma hippie que nunca saiu dos 60. A paixão de Esmé, e da filha dela, Alice: Syd Barrett, um dos fundadores do Pink Floyd.
A estrutura da peça é simples: cenas mais ou menos desconexas, instantâneos da vida desses personagens, costuradas por trechos de clássicos do Rock dos anos 60 e 70. Termina com o show dos Rolling Stones em Praga, em 1990.
Syd Barrett deixou o Pink Floyd depois do segundo disco, destruído pelo LSD. Pirou e viveu isolado em Cambridge. Morreu em 2006, quando Rock 'n' Roll tinha acabado de estrear em Londres.
Syd Barrett é a encarnação do deus Pã. É o fio que amarra todas as histórias que se cruzam. Barrett e Pã morrem, mas a peça termina com a imagem de um novo Pã, Mick Jagger.
O que os quatro personagens principais têm em comum, além da paixão, ou por causa da paixão, é a integridade. São fiéis a si mesmos, apesar das muitas pequenas traições e desconsolos da vida.
Jan é especialmente comovente, na interpretação maravilhosa do ator inglês Rufus Sewell. É raro ver um personagem ser criado com tanta complexidade, inclusive fisicamente, com tiques e expressões únicas. O crítico Ben Brantley do New York Times observou bem: no final da peça, Jan é um palimpsesto. Você vê sobrepostas todas as camadas da vida dele.
Brian Cox cria o marxista Max sem caricatura, embora o personagem se preste a ser caricaturado. Ele é o último comunista da Inglaterra, depois que todos os intelectuais deixaram o partido. Max lembra muitos comunistas que passaram pela nossa vida e que tinham essa marca: a integridade.
Mas o centro emocional da peça está nos dois personagens criados pela atriz irlandesa Sinead Cusack, a mulher do ator Jeremy Irons. Eu nunca a vi antes no palco, só em filmes, e fiquei de quatro. Ela é Eleanor e, no segundo ato, a filha Esmé.
Na cena central da peça, Eleanor, que está morrendo de câncer, se desespera porque sente que perdeu a paixão do marido, Max, desde que o corpo dela foi mutilado. Max diz que continua amando a mente dela. Mas Eleanor protesta: "Eu não sou só o meu corpo, mas sou também o meu corpo. Mente, não!" Ela denuncia a covardia intelectual de Max, que como materialista não aceita a separação corpo-mente, mas diante da mutilação da mulher se refugia no dualismo.
O diálogo é o tempo todo altamente intelectualizado (difícil de acompanhar) e intensamente emocional. É a primeira peça em que Stoppard, famoso pelo intelecto, se entrega à emoção.
Esmé, a hippie parada no tempo, se redime no reencontro com Jan. Em 68, com 16 anos, ela tinha oferecido a Jan a virgindade, na última noite dele em Cambridge antes de voltar a Praga. Mas ele, em vez da virgindade de Esmé, leva um disco de Pink Floyd.
Jan, de volta a Praga, vive em torno da sua coleção de discos de Rock, que acaba sendo destruída pela polícia do regime comunista. Os roqueiros de Praga estão na vanguarda da oposição ao regime. No final, Esmé e Jan vão viver juntos em Praga, e a peça termina com os dois no concerto dos Stones, depois da queda do comunismo.
Metade do público foi embora no intervalo. Mas a metade que ficou teve uma experiência intensa de razão, emoção e paixão.
7 comments:
Achei que gostaria de ler.
Um abraço,
Nando
Rosa Passos celebra Elis Regina, e Pinacoteca comemora os 80 anos do Movimento Antropofágico
Artur Xexéo
Foram três semanas de temporada em São Paulo. Quem viu viu. Quem não viu... organize um abaixo-assinado, faça o governo tomar uma atitude, crie uma ONG, ligue pro Procon, faça qualquer coisa, mas dê um jeito de Rosa Passos vir ao Rio com sua homenagem a Elis Regina.
“Rosa canta Elis” é de uma simplicidade franciscana. Se é que se pode usar a palavra “simplicidade” quando se trata da arte sofisticada de Rosa Passos. No palco, além de Rosa e de uma banda impecável, um banquinho e um vaso de flores. Pouca moldura para que fique claro, desde o começo, que a atração ali é a música, a boa música. Logo após a primeira canção — “Tatuagem”, de Ruy Guerra e Chico Buarque —, Rosa explica que “não é fácil” cantar o repertório de Elis. Que é preciso ter personalidade e segurança. E que sua escolha foi em cima da Elis intimista, a Elis bossa-novista, a Elis sambista, ou seja, a Elis que se aproxima de Rosa Passos.
Rosa tem suas divas estrangeiras — Ella, Billie. Tem suas influências brasileiras — Clara, Dalva, Ângela. E tem Elis, a musa das musas, a influência das influências. Um clichê para a arte de Rosa é chamá-la de João Gilberto de saias. Como João, ela é econômica, canta baixinho, com uma afinação surpreendente.
Dizem que João Gilberto, no começo da carreira, tinha um vozeirão de Orlando Silva. Em “Rosa canta Elis”, o João Gilberto de saias mostra sua porção Orlando Silva.
Rosa, que não é boba nem nada, ignorou os arranjos originais celebrizados por Elis. Na primeira metade do show, mostra seu estilo marcante de cantar baixinho, com divisões inesperadas e revelando surpresas num repertório para lá de estabelecido. Às vezes, numa única frase melódica, deixa Elis vir inteirinha.
É uma questão de alguns segundos. Mas é emocionante. No domingo passado, dia da última apresentação do espetáculo, a mãe e a filha de Rosa estavam na platéia. A pedido delas, a cantora incluiu no repertório “Fascinação” (a versão de Armando Louzada para o hit de Marchetti e Feraudy). A partir daí, Rosa Passos solta a voz, e a gente fica imaginando como era João Gilberto em seus tempos de Orlando Silva. O show acaba em festa com Rosa caindo na gandaia em “Bala com bala” (João Bosco e Aldir Blanc) e “Cai dentro” (Baden Powell e Paulo Cesar Pinheiro). Irresistível. O público delira.
Soma-se ao talento de Rosa e de sua banda — ela está com seu trio de sempre (Fabio Torres no piano, Paulo Paulelli no baixo e Celso de Almeida na bateria) e mais um inacreditável naipe de sopros (Nahor Gomes e Rubinho Antunes nos trompetes, Sidney Borgani no trombone e Vinícius Dorin nos saxes e na flauta) — uma incrível simpatia da cantora em cena.
Ela reconhece amigos na platéia, conta uma historinha ou outra e, tal qual um Roberto Carlos cool, distribuiu flores para o público durante todo o espetáculo. Nestes tempos em que a MPB se mostra tão combalida, Rosa Passos em cena é um alívio. Tomara que ela não demore muito para voltar ao Rio.
saudade de new posts
por onde andas?
trabalhando muito?
um abraço
Jorge,
OFF TOPIC: passei uma dica para a Angela Scott Bueno e ela me falou para te mandar tbem.
http://www.perte-de-temps.com/
Espero que goste.
Ah, em tempo: eu não tenho nenhuma relação com o site ou com algum de seus desenvolvedores, foi só um "achado" de internet, ok?
Abração,
Carol.
Jorge,
Perdoe-me se vai duplicado.
enviei um "achado de internet" à amiga Angela Scott Bueno e ela me falou para te mandar tbem:
http://www.perte-de-temps.com/
Espero que goste!
Abração,
Carolina
You're soooooooooooooo interesting,are you gay ? obvously , right ?
Você é bom demais pra não ser gay , né ?
Oi Jorge!
Tudo bem? Abandonastes o Blog?...Espero que não.
Estou escrevendo para dizer que gostei de te ver no Manhatthan Connection.
Abraço
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