Thursday, January 24, 2008
Depois da morte do Heath Ledger revi Brokeback Mountain e gostei mais. Da primeira vez não gostei tanto, ainda estava sob o impacto do conto de Annie Proulx que é bem mais duro e genuíno. O roteiro é fiel ao conto mas dilui e enfeita a crueza da história. O conto é terrível. O filme é bonito.
Desta vez prestei mais atenção ao trabalho de Heath Ledger e concordo com aqueles que viram nele algo à altura de Brando e outros grandes do cinema.
Numa entrevista à AP, Annie Proulx disse que Ledger "entrou na história mais do que eu... Ele entrou na pele do personagem". Poucos atores da geração de Ledger têm esse dom de desaparecer dentro do papel, a capacidade de introspecção para sentir o que o personagem sente e transmitir isso fisicamente, uma técnica que a maioria dos atores leva anos para dominar.
Nem sempre deu certo. Num dos filmes mais recentes do ator, ele fez o papel de Robbie Clark, uma das encarnações de Bob Dylan em I'm Not There. Robbie é conflituado, deprimido, insatisfeito com a vida, mas Ledger não consegue passar isso de um jeito interessante, parece perdido no filme.
No caso de Ennis Del Mar, o personagem de Brokeback Mountain, o conflito interior do personagem é muito mais claro e devastador. Ennis não consegue aceitar a atração dele por outro homem, o desinibido Jack Twist de Jake Gyllenhall. Quase sem dizer nada, com grunhidos reprimidos, boca fechada, Ledger consegue expressar toda a força do desejo de Ennis por Jack, e ao mesmo tempo a impossibilidade de exteriorizar esse desejo. Mas em vez de tentar escapar ao conflito, Ennis mergulha nele e acaba aceitando, tarde demais, o amor proibido. É o que dá ao filme a dimensão de tragédia, e deveria ter dado um Oscar a Ledger, se não fosse a concorrência de Phillip Seymour Hoffman, que levou o prêmio com Capote.
Por ter morrido tão novo, Ledger será sempre lembrado por esse papel e, na história do cinema, Brokeback Mountain é um filme infinitamente mais importante do que Capote. É o primeiro filme de grande público que trata o amor entre dois homens com profundo respeito e sem preconceitos.
Heath Ledger era uma figura calada, discreta, um australiano educadíssimo que não bebia álcool nem usava drogas (o que aumenta o mistério em torno da morte dele). Poderia ter seguido uma carreira previsível de astro de Hollywood, em filmes de ação e blockbusters. Preferiu escolher projetos independentes e arriscados. A morte prematura o eleva à esfera rarefeita de artistas como James Dean, que ficarão para sempre jovens e cercados de uma aura de mistério, do que poderia ter sido.
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1 comment:
Um anjo caído
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