Friday, January 23, 2009

Os pulos do gato, Anna Maria Ribeiro

Tem coisa mais bonita do que generosidade? Não estou me referindo a esmolas e outros que tais. Falo da que se revela quando pessoas especiais nos mostram os pulos do gato que dão certo na vida. E, como se isto já não bastasse, se orgulham de nós quando passamos a executá-los. E não ensinam formalmente, não! Ensinam sendo quem são. Não foram poucas as pessoas que em minha vida me agraciaram com esta arte de pular certo, na hora certa. Mas algumas se destacam. A primeira talvez até tivesse por obrigação me fazer pular: o Pai. Mas o fez tão bem que até hoje, passados mais de quarenta anos de sua morte, ainda escuto a voz: o pulo que serve agora é este. E sempre dá certo fazendo com que no pulo eu me transporte para lugares seguros ou adequados para resolver a situação de perigo, indecisão, medo ou tristeza em que me encontro. De Babá, nem se fala. A generosidade dela era especializada em coisas práticas, maneiras de ser. Analfabeta, era uma sábia e me ensinou entre outros o pulo de gostar de mim mesma. E olha que isto não é fácil. Gostar apesar de, gostar me aceitando como sou. Poucas horas antes de morrer, já muito velhinha me disse: “você tem mania de dar aos outros o que não sobra pra você. Coisa boba isto por que numa hora de raiva você acaba cobrando o que deu e isto é muito feio. Dá apenas o que não vai te fazer falta e ai vai ser bom, sabe? A pessoa vai ficar muito contente e você também.“ Acreditem, aprendi este pulo e nunca mais esqueci. Muito mais tarde veio o Gerente. O conheci quando era ele um importante analista do CPD do IBRA, no Rio de Janeiro e eu Assistente Geral do Centro de Cadastro e Tributação de Brasília do mesmo IBRA. Ele veio para uma reunião para implantação do Cadastro de Arrendatários e Parceiros. Por dever de anfitriã da cidade ainda tão jovem (1966) levei-o para dar a volta ao lago. E foi a partir daí que comecei a aprender uma quantidade espantosa de pulos com ele. E não parou mais. Transferimo-nos depois, em épocas diversas para o SERPRO, onde por anos foi meu chefe, ensinando pulos da maneira mais eficaz que se pode ensinar: sendo. O ser não se limitava ao técnico talentoso e mais que competente, ao contrário. Ia muito além chegando às paragens bem mais importantes em que pular certo é extremamente difícil neste País: ética, decência, honestidade, firmeza, clareza e que mais sei eu. Muito mais moço que eu, é o testemunho de que a idade maior do discípulo não influi na qualidade do aprendizado. Agora falo do Casal que nem mais é um. E se não mais é um pela formalidade o é pela generosidade que habita os dois num grau inimaginável. É tanta que acaba sobrando pra gente, nós amigos que éramos de um casal e agora somos de cada um. O que aprendi com eles neste particular é impagável e quisera eu chegar à perfeição que chegaram nesta generosidade incondicional que demonstram e que faz parte intrínseca de ambos e por isto a exercem como se fosse a coisa mais natural do mundo. Pulando com elegância e maestria. Tenho pra mim que nem percebem isto. Mesmo longe, hoje em dia, me ensinam. E, mais recente, vem o Mestre. Ou pelo menos assim o conheci quando resolvi levar a sério esta vontade de escrever que sempre me perseguiu. Fui pra lá como quem vai para uma aula. E me enganei. Para muito além da dramaturgia me foi mostrada a vida. Tanto que às vezes me confundia: está ele falando de dramaturgia ou de minha vida? Dono de uma cultura que extrapola a fronteira do assunto, me abriu um mundo. E tome pulo de gato me oferecido com a maior generosidade. Era um atrás do outro. Se algum mérito hoje me cabe nos escritos devo demais a ele. Senti-me um tanto órfã quando as aulas terminaram depois de uns quatro anos. Era tão bonito e não estou falando do assunto: era a forma, a maneira generosa de ensinar, esclarecendo tudo, não escamoteando nada. Ainda aprendo com ele em palestras e conversas e em almoços que por vezes programamos. Hoje é também um amigo. E mais outro: o Irmão, muito mais que irmão, um pai para meus filhos. Começou esta carreira paterna com apenas 16 anos como padrinho de meu filho mais velho que fazia dormir em seu quarto quando eu vinha ao Rio de férias. Um bebê apenas era Rogério. E até sua morte aos 21 anos, Padrinho, foi para ele sempre presente no sono e no acordar. As fraldas trocadas viraram palavras em conversas intermináveis mais que importantes, até que ele se foi. Meus outros dois filhos nunca se conformaram de também não serem afilhados. Tanto que lhe conferem até hoje este título, ignorando os reais titulares. Várias vezes me cobraram não serem afilhados de fato. E têm razão. Eu deveria ter dado a ele a exclusividade. No mais o Irmão, tão diferente de mim, ensina a mim e a todos que o conhecem o que é ser “bom”. Por que é isto que ele é. Talentoso como ele só, escreve (infinitamente melhor do que eu), conhece música e toca violão (também infinitamente melhor).

Não consegui me igualar a nenhum deles mas me tornei uma pessoa melhor do que seria se não houvessem existido. A mim falta a sabedoria do gato. Os pulos que aprendi não foram criação minha. E, os que hoje sou capaz de dar me foram ofertados pela generosidade imensa desta gente tão querida que tive e tenho como amigos. Sortuda eu, não?

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Anna Maria Ribeiro, a Amiga

7 comments:

Anonymous said...

Ler este texto de Anna Maria Ribeiro, foi sem duvida o que li de melhor por toda esta semana, meus cumprimentos a você, na sua simplicidade, a sua ousadia em contar brilhantemente essa passagem vivida de sua vida, que muitos a leiam, é o meu melhor desejo a sua pessoa, com admiração,Efigênia Coutinho
obs: pude ler porque coloquei este blog em "acompanhar"

Anonymous said...

Obrigada, Efigênia, por palavras tão gostosas de ouvir. Foi uma surpresa que Jorge me fez ao postar esta crônica tão diferente das que escrevo: um agradecimento a estas pessoas tão especiais a quem tanto devo. Vai ver seguem elas o conselho de Babá e dão a outros, como deram a mim, o que lhes sobra da enorme generosidade que têm.

Anonymous said...

e que amiga!

brilhante.

obrigado por compartilhar.

zekla

Anonymous said...

Lindo texto e mensagem, Anna Maria.
Obrigada ao Jorge por compartilhar conosco.

Abs

Anonymous said...

Não sei como.

Mas fui ver "The Visitor" e me lembrei de você o tempo todo.

saudades,

zekla

Monaica said...

Obrigada. Meses depois de postado esse texto, cheguei ao blog por caminhos indiretos e tortuosos, nesse labirinto que eh a Internet e nao podia ser mais perfeita a mensagem neste meu dia.

KLAUS said...

CHOREI!!! LINDO!!!