Wednesday, July 06, 2005
Luto
Dia de luto para a liberdade de imprensa. A repórter Judy Miller foi para a cadeia, onde ficará até outubro, por ter se recusado a revelar fontes confidenciais.
As fontes de Judy podem ter cometido um crime, por terem revelado o nome de uma agente da CIA, a espiã Valerie Plame.
Por isso Judy foi convocada a depor. Mas ela se recusou, com o apoio do jornal onde trabalha, o New York Times, porque a proteção da confidencialidade das fontes é um princípio central para a liberdade de imprensa.
Se esse princípio não fosse prezado pelos jornalistas, acima da própria liberdade pessoal, casos como a revelação dos crimes do governo Nixon no escândalo Watergate não teriam acontecido.
A imprensa não teria cumprido seu papel de vigilância sobre o que acontece nos bastidores do governo. Se a fonte dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, que eles apelidaram de Garganta Profunda, corresse o risco de ter sua identidade revelada, não teria falado. Era o segundo homem no FBI, e o nome dele, Mark Felt, só foi revelado quando ele mesmo decidiu sair das sombras.
O caso que levou Judy à cadeia é muito diferente. O nome de Valerie Plame foi divulgado na coluna de um jornalista muito próximo ao governo Bush, Robert Novak, como vingança da Casa Branca porque o marido dela, o diplomata Joseph Wilson, desmascarou o uso por Bush de uma alegação falsa sobre o fornecimento de urânio do Niger ao Iraque.
A carreira de Valerie na CIA acabou porque seu nome foi publicado.
Novak escreveu que duas fontes da Casa Branca lhe deram o nome da espiã. O que é crime.
O departamento de Justiça abriu uma investigação. A Casa Branca fez tudo para atrapalhar. Novak não fala sobre o caso, mas aparentemente não colaborou. O promotor especial, Patrick Fitzgerald, não conseguiu os nomes das duas fontes.
Mas o promotor soube que Judy e um repórter da revista Time, Matthew Cooper, tinham feito entrevistas sobre o caso. A de Judy sequer foi publicada. Assim mesmo os dois foram convocados a depor.
Ambos se negaram a testemunhar, para proteger suas fontes. Mas a revista Time voltou atrás e entregou ao promotor as anotações de Cooper. O repórter anunciou que vai depor porque a fonte o liberou da promessa de confidencialidade.
Judy foi sozinha para trás das grades, como mártir da liberdade de imprensa.
Muitos estados aqui têm leis que dão aos jornalistas o mesmo status dos padres, que não podem ser obrigados a revelar nos tribunais o que ouviram em confissão.
Mas não existe uma lei assim no nível federal. Os juízes federais podem interpretar como quiserem a primeira emenda à Constituição, que garante a liberdade de imprensa. Judy e Cooper levaram o caso até a Suprema Corte, para que essa garantia fundamental, a proteção das fontes, fosse decidida.
Mas a Suprema Corte, numa decisão lamentável e covarde, lavou as mãos e devolveu o caso às instâncias inferiores. Era a última chance de Judy de permanecer em liberdade.
Há rumores não confirmados de que uma das fontes de Novak e dos outros repórteres seria Karl Rove, o principal assessor de Bush. O Zé Dirceu do presidente americano. Se isso for verdade, Rove cometeu um crime grave e tem que ser julgado.
Mas é um absurdo, um atentado à liberdade de imprensa, obrigar repórteres a revelar suas fontes, mesmo que isso permita que um criminoso continue em liberdade. Não pode haver exceção.
Em 2001, entrevistei Judy sobre o livro dela, Germs, que revelou a extensão apavorante do programa de armas biológicas dos Estados Unidos e de outros países. Ela não teria descoberto tanta coisa se não contasse com fontes confidenciais.
No dia seguinte à entrevista, Judy recebeu uma carta com um pó branco, que poderia ser antraz. Teve que fazer todo o tratamento, foi muito estressante. Era um trote, não era antraz, mas foi uma clara ameaça a uma repórter que incomoda.
Fisicamente, Judy parece uma pessoa frágil. Mas a determinação de ir para a cadeia, para preservar um direito básico de todos os jornalistas, mostra que ela é, hoje, a pessoa mais forte do jornalismo dos Estados Unidos, movida por um heroísmo autêntico. O juiz que mandou prendê-la, Thomas Hogan, disse que a prisão vai fazer com que Judy volte atrás e resolva depor. Pode esperar sentado.
Robert Novak foi usado pela Casa Branca para detonar a espiã Valerie Plame, o que é crime.
Mas Novak está solto. Já Judy Miller, que talvez saiba quem cometeu o crime, foi para a cadeia, para lutar pelo direito dos jornalistas de terem fontes confidenciais. Dá pra entender?
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