Monday, September 26, 2005



O gumbo é o prato mais conhecido da cozinha de Nova Orleãs. Pronuncia-se gâmbo. Gumbo é um cozido bem caseiro, em geral feito com sobras.
Na segunda-feira resolvi fazer o gumbo para a Crica Zahar, que não come carne. Gumbo é prato de frutos do mar, embora também possam entrar outras coisas, como linguiça e frango. O jantar ficou marcado para quinta-feira.
Eu tinha congelado há um mês o que sobrou de uma moqueca de peixe, caranguejo e siri mole. Resolvi reaproveitar no gumbo.

o quiabo pode ser picado como na foto ou inteiro, eu prefiro inteiro

Comecei na terça-feira, fazendo a base do gumbo. A base é quiabo, cozido em caldo de pescado. Depois que o quiabo desmancha, o caldo é engrossado com um roux.
Roux (ruivo em francês, pronuncia-se ) é farinha de trigo cozida na manteiga (ou no óleo) até escurecer.
Eu nunca tive antes paciência para fazer um roux. Levei uma hora (ou mais) mexendo a mistura de manteiga e farinha até escurecer, mas valeu a pena. Cheira bem e dá um gostinho delicado, além de engrossar o caldo.
Usei uma xícara de manteiga (com sal) para uma de farinha de trigo.
Pra fazer o roux é preciso uma panela de ferro esmaltado, dessas pesadas. E tem que mexer sem parar, no fogo baixo. Se a farinha grudar no fundo e queimar, danou-se. Tem que jogar fora e começar de novo.

roux

Enquanto mexia o roux, deixei o quiabo cozinhando num caldo de pescado que eu também tinha congelado há um mês. Fiz uma boa quantidade de caldo, com cabeças de peixe e cascas de camarão, cebola, salsa, cebolinha e coentro, um pouco de alho.
Pra um quilo de quiabo usei dois litros de caldo. Mas primeiro refoguei os quiabos inteiros no óleo, com bastante alho esmagado. Usei quiabo congelado que vendem aqui no supermercado, ótimo, melhor que o quiabo fresco.
Quem gosta de linguiça pode acrescentar linguiça frita picadinha (melhor ainda: com torresmo) pra cozinhar com o quiabo, fica uma delícia. Desmancha também.
O quiabo levou mais de uma hora pra desmanchar. Virou uma papa de quiabo (sem gosma, ela some). Aí acrescentei o roux, mexendo sempre. Engrossou imediatamente. Com menos roux fica menos grosso, mas eu gosto do gumbo bem grosso, tenho horror ao gumbo ralo que servem por aí. Em Nova Orleãs o gumbo tradicional é bem grosso.

frutos do mar para um gumbo

Gumbo vem da palavra bantu para quiabo, guimbambo (tá na cara que quiabo também vem daí). Aqui o quiabo se chama okra, que vem de ikurú na língua ibo.
Pronta a base do gumbo é só acrescentar os legumes e os frutos do mar (e, se for o caso, pedaços de frango, já cozido, e mais linguiça, cortada em rodelas).
Usei a moqueca descongelada, que já tinha bastante cebola, tomate e pimentão. Senão, teria que cozinhar esses legumes no gumbo, antes de botar os frutos do mar: primeiro o peixe, que leva uns 15 minutos pra cozinhar no gumbo em fogo baixo (depende do peixe); depois o siri e a carne de caranguejo; por fim o camarão, que cozinha rápido.
No meu caso, a moqueca já tinha siri, caranguejo e um pouco de camarão, tudo cozido.
Então foi só incorporar a moqueca ao gumbo, fora do fogo. Mexi bem, deixei esfriar e guardei na geladeira.

meu gumbo pronto (de véspera)

Na quarta-feira, fui a Chinatown comprar mais camarão. Fica a 20 minutos daqui de casa de metrô, e o camarão (aquele do tipo tigre asiático, enorme) custa um quarto do que custaria numa peixaria aqui do bairro. Será que se eu morasse em Ipanema ou Leblon acharia camarão a 20 minutos de casa por um quarto do preço da peixaria do bairro? Duvido.
Comprei um quilo de camarão limpo sem cabeça, mas com a casca. Descasquei tudo e cozinhei as cascas pra fazer mais dois litros de caldo.
Temperei o camarão descascado com limão, sal, alho e coentro picado e deixei pegar o tempero, meia hora.
Fritei os camarões em manteiga bem quente. Só o tempinho de ficarem vermelhos dos dois lados.

camarão tigre

Esquentei o panelão do gumbo e incorporei os camarões. Na quinta-feira, quando o panelão voltar ao fogo, os camarões vão acabar de cozinhar. Enquanto isso vão pegando o gosto do gumbo. O panelão voltou para a geladeira.
Em Nova Orleãs, o que acompanha o gumbo é arroz branco. Mas outro prato local é o jambalaya, uma espécie de paella, com arroz de açafrão, camarão, etc.
Resolvi então, em vez de arroz branco, fazer jambalaya de pato e camarão, desfiando outra sobra: uns pedaços de pato assado no caldo de laranja, bem tostadinhos.

jambalaya de pato e camarão

Primeiro cozinhei o arroz aos pouquinhos no caldo de pescado, como se fosse risoto. Acrescentei açafrão e oro molido (um tempero vermelho espanhol feito com pimentão) pra dar cor. Quando o arroz ficou cozido (usei o caldo todo) misturei o pato desfiado (eram só duas coxas chatas) e enfeitei com oito camarões, que também vão terminar de cozinhar quando o arroz for para o forno antes do jantar. Estou pensando se é o caso de acrescentar ao jambalaya uns pedacinhos de chorizo espanhol frito.
O jambalaya também foi para a geladeira.

mousse au chocolat

De sobremesa, fiz uma mousse de chocolate: quatro barras de chocolate amargo (70% de cacau), derretidas em duas taças de café expresso. Depois de derretido o chocolate (derreti no banho maria pra não queimar), misturei oito gemas bem batidas (batidíssimas) e um pouco de manteiga sem sal.
Bati à mão as oito claras em neve. Tem que ter paciência, mas não demora tanto quanto o maldito roux. Tem uma dica ótima da Julia Child: passar um pouco de vinagre na vasilha usada pra bater as claras e no instrumento usado para batê-las (como se chama?), o que tira totalmente a gordura da vasilha e do instrumento. As claras ficam em neve bem mais rápido. Quem gosta da mousse doce acrescenta açúcar às claras em neve. E elas ficam mais duras. Mas prefiro passar mais tempo batendo, até endurecerem, e não usar açúcar.
Aí é só incorporar (em inglês é tão mais bonito - fold, dobrar) metade das claras ao chocolate derretido, já despejado na tigela da mousse, mexendo até ficar homogêneo. Só então incorporar a outra metade, até ficar uniforme e bem leve. Geladeira imediatamente.


salada de milho, tomate e roquefort


Por fim, fiz a salada. Essa não tem nada de Nova Orleãs, é maluquice minha, invenção nova ainda não testada.
Acontece que comprei há tempos quatro caixinhas de milho verde congelado. Era pra fazer uma sopa gelada de milho, mas perdi a receita. Então resolvi aproveitar pra fazer uma salada fria de milho. Leva tomatinhos (cereja) vermelhos e amarelos, picados, salsa e cebolinha. E cubinhos de roquefort temperado com azeite e ervas. Cozinhei o milho antes, na manteiga, pra ficar bem macio. E salguei os tomatinhos, deixando depois o líquido todo escorrer, antes de jogar na salada. Tomara que dê certo.
Também vou servir um pirão branco de mandioca que fiz para acompanhar a moqueca e congelei, uma delícia. Pode não combinar com o gumbo, que afinal também é um pirão, mas quem sabe.
Seremos oito e, como sempre, fiz comida demais. Os convidados vão ter que levar quentinhas para casa porque desta vez não quero sobras, nada pra congelar!

4 comments:

Anonymous said...

Omigod!!! Me maltrata que eu gosto... que maravilha de gumbo. Será que a minha vai sair tão boa?

Então. Muitas surpresas. Você é também gourmet. Estou adorando as receitas. (Mais, mais!)

Ah que saudade de New Orleans. A última vez em que lá estive foi nos anos oitenta. Tempus fugit...

Será que o Old Absinthe Bar sobrevive?

Abraços
Jade

Paulo said...

Caramba, que trabalheira. Mas a cara ficou ótima, de tudo.

jee said...

Ummm deve ter ficado uma delíca, e eu aqui procurando a receita da moqueca e me deparei com such gumbo! E ainda não achei a receita de Moqueca. Que peixe será que eu uso... parece que cação não existe aqui na Big Apple.

jee said...

Que delicia e eu passando por aqui para achar uma receita de moqueca. Parece que aqui na Big Apple não tem cação e eu não sei qual peixe devo usar na moqueca.. Mas fiquei com olhos grandes no seu gumbo!