Thursday, November 17, 2005



Comecei a preparar o capão para o Thanksgiving. Encomendei pelo Fresh Direct o bicho congelado, quatro quilos. O Fresh Direct entrega em casa, os caminhões deles já fazem parte da paisagem aqui. Ninguém tem tempo de fazer compra em supermercado, então é um belo negócio. Também trouxeram a batata doce, a castanha, a abóbora, os cogumelos selvagens, tudo.
Resolvi seguir a técnica de Judy Rodgers no livro Zuni Café (é o restaurante dela em San Francisco), a tradicional salmoura. Num recipiente de plástico grande dissolvi duas xícaras de sal grosso (kosher salt) em quatro litros de água, e juntei temperos: ramos de aneto (dill) e tomilho (thyme) e especiarias moídas no pilão especial que Zenaidinha me deu (bem vinda ao blog querida! você e Clara!). Moí grãos de junípero, pimenta da Jamaica e pimenta do reino. Ficou tão cheiroso! Botei o pássaro dentro e tampei. De vez em quando vou virá-lo.

quando chuvisca ele pisca

Ele ficará assim na geladeira por seis dias. Vai descongelar e enquanto isso a salmoura (em inglês: brine) agirá. A salmoura torna a carne mais molhada, suculenta e saborosa, especialmente em se tratando de aves, que em geral ficam secas quando cozidas. Vamos ver, é a primeira vez que faço isso.
Saiu um roteiro no New York Times do que fazer a cada dia. Você cozinha um prato por dia e congela. Amanhã vou fazer o pudim de batata doce. Depois, um recheio com castanhas, toucinho, miúdos, pão de milho e cogumelos selvagens. Um purê de abóbora com chouriço espanhol. Alguma coisa com milho, ainda não sei o quê. Teremos o tradicional molho de cranberries, aquela frutinha vermelha. Segundo Houaiss, em português cranberry é oxícoco. Deve ser por isso que não tem essa festa no Brasil. Não dá pra dizer: "Passa o oxícoco, por favor" ...

oxícocos

Ah, e vou fazer também um lombinho na panela, depois conto. É que seremos 11 e teremos alguns limpa-trilhos desses que raspam a travessa, o capão sozinho não dá conta.
No dia da festa, quinta que vem, estará tudo pronto e o capão vai cedo para o forno. Levará umas três horas assando, primeiro em forno bem quente, depois em forno brando, virando de cada lado, e só no fim com o peito pra cima, pra não secar demais o peito. Tenho um termômetro de carne. Quando der 155 graus Fahrenheit na coxa, está pronto.

171 histórico. A cena não aconteceu

Essa festa seria uma reprodução da refeição em que os peregrinos (pilgrims), os colonos ingleses em Massachusetts, agradeceram a Deus a primeira colheita que deu certo, em 1621. Um congraçamento com os índios, que teriam trazido para a festa o peru selvagem, batata doce, abóbora, milho e cranberry. Por isso a janta tem que ter isso tudo. Mas como peru é muito sem graça, substitui pelo capão, o galináceo de carne mais saborosa. É um frango capado e engordado.
Essa história dos índios é pura lenda inventada no século XIX. Na verdade, naquele dia de ação de graças, os puritanos agradeceram a Deus por ter mandado uma epidemia de varíola que dizimou os índios. Poucos anos depois, os índios da região já tinham sido exterminados. A festa é tão fake quanto o Natal e Papai Noel. Mas é a festa nacional, o maior feriado-família aqui, mais que Natal, Ano Novo e Páscoa. E como não tem nenhum conteúdo religioso, apesar do nome e da origem, os judeus também fazem, assim como todas as outras etnias que vivem aqui. Para ser americano tem que ter Thanksgiving. Só os índios não comemoram...

Capon Rouge

1 comment:

Anonymous said...

CARNE É CRIME!!!!