Friday, November 25, 2005
Ontem fizemos o jantar de Thanksgiving. Foi um sucesso. Eram 12 pratos na mesa, para 11 convivas, 10 brasileiros e dois americanos.
Lá vão algumas das coisas que Sergio Flaksman, meu parceiro de cozinha (ele se declarou meu sous-chef, mas é um chefe inteiro) e eu fizemos. O resultado é uma combinação gostosa de sabores, alguns pratos bem gordos e salgados, outros leves, outros doces, alguns um pouco amargos ou picantes:
Capão - como contei num post anterior, botei a ave (quatro quilos) na salmoura por sete dias. Poderia ter sido menos, quatro ou cinco dias. A carne ficou bem macia e molhada. Mas esse processo de curar a carne (serve para qualquer uma) a deixa com um gosto que lembra presunto. Nem todo mundo gosta. Eu não gosto. Valeu como experiência, mas não vou fazer de novo essa salmoura tão prolongada.
Na manhã de ontem, tirei o bicho da salmoura, sequei bem, tirei os miúdos que estavam dentro (o capão descongelou na salmoura, por isso não consegui tirar os miúdos antes). Deixei chegar à temperatura ambiente. Enchi com cebola, ervas (tomilho e alecrim) e manteiga, fechei com grampos e barbante. Passei bastante sal e pimenta do reino, no galináceo todo.
Esquentei o forno a 500 graus Fahrenheit (o máximo). Botei o capão de peito pra cima na assadeira pra tostar a pele. Levou 25 minutos. Banhei com a própria gordura do capão (cortei uma pelanca de gordura que vem pendurada e Sergio derreteu essa gordura para fazer torresmo, deu uma xícara e meia de banha de frango).
Baixei o forno para 325 F e virei o capão de peito para baixo na assadeira. Assar qualquer ave assim, virada ao contrário, é a solução do eterno problema do peito seco. Com o peito para baixo, os líquidos da ave fluem para o peito, tornando-o úmido e suculento. Foi o que aconteceu. Aprendi isso no ótimo livro da Ruth Reichl, Gourmet.
Depois de 45 minutos, banhei o assado com manteiga derretida, onde fritei salsinha e alho.
Com duas horas de assamento comecei a testar a temperatura nas coxas. Virei o capão de peito pra cima para os finalmentes. Quando o termômetro deu 160 F na parte mais gorda da coxa, tirei do forno, passei para a travessa e cobri com papel laminado para terminar de assar fora do forno.
Na hora de servir (três horas depois), botei no forno baixinho só pra esquentar.
A amiga Elaine Louie (vem aí o livro dela com as receitas do Shun Lee Palace, o melhor restaurante chinês de New York segundo o guia Zagat, receitas que nos convidou a testar na casa dela, um assombro e fáceis de fazer) trinchou a ave, arrumando os pedaços na travessa, com a pele crocante e a carne rosada e molhada. A fome era tanta que esquecemos de fotografar...
Recheio - Tem esse nome mas não esteve dentro do capão, é um acompanhamento. O capão é um frangão gordo, não cabe muita coisa dentro. Se fosse um peru dos grandes caberia. Mas não há necessidade nenhuma de encher a ave com o recheio.
A base do meu recheio é castanha. Na verdade seria uma farofa de castanha. Já comprei as castanhas descascadas e cozidas, são francesas e vêm em vidros de meio quilo, usei dois. Poderia ter comprado as castanhas para descascar e cozinhar mas dá um trabalho danado.
Botei as castanhas já cozidas e descascadas num caldo de peru que comprei pronto, bem gelatinoso e escuro (turkey stock). Levei ao forno baixo com raminhos de tomilho por uns 20 minutos. Com cuidado pra não deixar queimar, até secar o caldo. Depois de esfriar, esfarinhei as castanhas na mão.
Levei ao forno pedacinhos de abóbora descascada regadas com um fio de azeite e salpicadas de sal, até ficarem douradas.
Caramelizei meio quilo de cebolinhas brancas descascadas, cozinhando em pouca água, sal e açúcar.
Os croutons, cubinhos de pão tostados no azeite e ervas, comprei prontos. Também dá muito trabalho.
Fritei meio quilo de cubinhos de toucinho até virarem torresminho.
Sergio fritou a gordura do capão até virar torresmo e fritou os miúdos bem picados.
Deixei as nozes (poucas) descascadas no vapor, até amolecerem.
Misturei tudo isso, castanhas, abóbora, torresmos, miúdos, cebolas, croutons e nozes, e levei ao forno depois de regar com o caldo que ficou no fundo da assadeira do capão. Uma farofa bem molhada. Levei ao forno baixo a 325 F, por uns 40 minutos, até escurecer em cima, com cuidado para não queimar. Escorri o excesso de gordura e transferi para uma travessa grande.
Lombinho com ameixas pretas - Essa é do livro Pig Perfect, uma ode ao porco. Fiz um lombinho pequeno, quilo e meio. Deixei marinando algumas horas no vinho branco com sal e ervas.
As ameixas pretas sem caroço (duas dúzias, cortadas em pedaços se forem grandes, as minhas eram enormes) são cozidas em meia xícara de Cognac ou Armagnac. Deixei o álcool evaporar (cuidado por que entra em ignição de repente e a chama é alta) antes de acrescentar as ameixas à panela (usei uma panelinha francesa de cobre ccm aço por dentro) já fora do fogo.
Dourei o lombinho até ficar bem tostadinho por todos os lados, em óleo super quente numa panela de ferro esmaltado, pesada. Tirei o lombinho e no mesmo óleo dourei duas cebolas grandes cortadas em rodelas, depois acrescentei caldo (usei o caldo de peru que comprei pronto, uma xícara), vinho branco (xícara e meia), Cognac ou Armagnac (xícara e meia), oito folhas de sálvia, ramos de tomilho. Quando esse molho ferveu, levei o lombinho de volta à panela, tampei e botei no forno a 325 F. Me distraí e deixei tempo demais, quando vi o lombinho já estava ultracozido. Deveria testar a temperatura mais cedo, enfiando o termômetro no lombinho. Mas quando fiz isso já estava a 170 F, o ideal é no máximo 160 F para um lombinho suculento. Ficou esfarinhado, mas gostoso assim mesmo por causa do molho.
Tirei o lombinho do molho, separei as ervas e botei as ameixas cozidas no Armagnac para cozinhar mais um pouco no molho do lombinho, até ficarem quase desmanchando. Cobri o lombinho numa travessa com o molho até a hora de servir, sob papel laminado. O certo seria cortar o lombinho em rodelas, mas como ficou cozido demais só consegui quebrá-lo em pedaços. O molho é quase preto, por causa das ameixas, e cobre inteiramente a carne branca do lombinho. Não foi o ideal, pelo cozimento excessivo, mas ficou bem gostoso. Especialmente para quem gosta de carne de porco bem passada, o que não é o meu caso.
Batata doce - Sergio descascou as batatas doces (seis, grandes), cozinhou em água e sal até enfiar o garfo (demora), e cortou em rodelas grossas. Depois de pronto o capão, antes de usar o caldo que sobrou para molhar o recheio, ele acabou de cozinhar a batata doce nesse caldo, em forno baixo, uns 30 minutos. Ficou um assombro. As rodelas foram servidas numa travessa à parte.
Farofa de milho - Comprei meio quilo de milho verde congelado, refoguei num pouco de manteiga até ficar macio. Fritei alho picado no azeite e refoguei uma cebola picada até dourar. Acrescentei o milho e depois a farinha de mandioca. Delícia, foi o gosto brasileiro da festa.
Quiabo indiano - Inspirado nas receitas de Kerala, sul da Índia (colonizada pelos portugueses) de um livro trazido pelo amigo Manoel de Almeida e Silva, que era um dos comensais desta festa. Fritei os quiabos inteiros (usei quiabo congelado, meio quilo) em azeite e alho. Acrescentei uma lata de leite de coco e cozinhei o quiabo até ficar macio mas não desmanchado. Levei ao forno quente dois pimentões coloridos para tostar a casca. Descasquei, piquei e acrescentei ao quiabo. Temperei com flocos de pimenta vermelha seca (chili). Ficou bem picante e gostoso. E sem gosma.
Baby bok choy - É um legume chinês, uma espécie de... não sei! O baby é pequeninho e muito gostoso. Cozinhei oito deles em água fervendo e sal, dois minutos. Escoei bem, cortei cada um ao meio, tirei o excesso de folhas e fritei os bulbos verdeclaros em óleo bem quente e muito alho picado. É receita da Elaine. Espetacular. Crocante e um pouquinho amargo.
Purê de yam - O Houaiss traduz yam como inhame mas está errado, é completamente diferente do nosso inhame. Aqui confundem com batata doce (vendem como batata doce!) mas também é totalmente diferente. Acho que no Brasil não existe esse tubérculo, típico do Sul dos Estados Unidos. Diz a Ruth Reichl que o yam foi trazido para as Américas pelos portugueses. Não sei. O fato é que os americanos só comem yam no Thanksgiving, é tradicional. O yam é cor de abóbora.
Sergio descascou seis yams grandes e cozinhou em água e sal até ficar bem macio. É rápido. Escoou e amassou com garfo para virar purê. Acrescentou duas colheres de sopa de manteiga, sal, pimenta do reino, bastante noz moscada moída na hora, e cebolinha bem picada. Espalhou num pratão raso e enfeitou com cebolinha, ficou lindo e delicioso, doce e salgado ao mesmo tempo.
No mais, Sergio fez uma bela salada, servimos arroz branco, vagem francesa no vapor, o molho de peru comprado pronto (gravy), molho de cranberry. La grande bouffe.
Em tempo: Thanksgiving, ou dia de ação de graças, apesar do nome NÃO é um feriado religioso aqui. O presidente Lincoln criou esse feriado nacional como uma festa de congraçamento para unir o país depois da Guerra Civil. A Constituição americana proíbe feriados religiosos, a separação entre estado e religião é levada a sério (ainda).
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1 comment:
Fiquei com àgua na boca com a vossa ementa.
Saudações.
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