Tuesday, November 22, 2005



Quem afirma que hoje os Estados Unidos controlam a Internet ainda não entendeu o que é essa rede.
A Internet tornou-se o fenômeno que é exatamente porque, por enquanto, ninguém a controla. Quando um computador se liga à rede, ele se torna por definição mais um nó dessa teia, tão central quanto qualquer outro.
Essa é a idéia dos cientistas que criaram nos anos 60 a Arpanet, a primeira versão da Internet, sob os auspícios do departamento de defesa americano, o Pentágono. O objetivo era descentralizar a rede, para que ela pudesse sobreviver em caso de guerra nuclear.
A rede é caótica exatamente porque não tem centro, não é hierárquica. O poder é redistribuído do centro para a periferia.
Não há dúvida de que esta é uma idéia tipicamente americana. Vem do conceito fundador dos Estados Unidos, de uma comunidade de cidadãos livres para enfrentar o poder do governo.
Se tivesse nascido na China, no Irã ou em Cuba, certamente a Internet seria bem diferente, rigidamente comandada por um governo central.
A Internet funciona porque cada computador ligado recebe um número, o chamado protocolo de Internet, IP. Para garantir que, ao digitar um endereço, o usuário só se conecte a um determinado número de IP, o cientista americano Jon Postel criou o DNS, o Sistema de Nome de Domínio, que ele mesmo administrou durante muitos anos, por contrato com o departamento de comércio dos Estados Unidos.
Quando Postel morreu em 1998 foi criada a ICANN, Corporação da Internet para Conferir Nomes e Números, que assumiu a função.

Jon Postel

A ICANN é uma empresa sem fins lucrativos, financiada pelo departamento de comércio mas não controlada por ele. Sua função é puramente técnica: garantir que a Internet funcione. É como uma torre de controle de tráfego. Sem ela, o usuário poderia digitar um endereço e ir parar em outro lugar completamente diferente do desejado.
A ICANN inclui representantes de mais de cento e cinquenta países e sua eficiência é apontada como uma das razões do crescimento vertiginoso da Internet nos últimos anos.
As organizações de defesa de direitos humanos aplaudem a supervisão técnica da ICANN, uma entidade não politizada, para manter a Internet a salvo de governos autoritários que desejam controlar a rede. Preocupa aos defensores dos direitos humanos a perseguição aos dissidentes através da censura às comunicações via Internet.
As redes de transmissão de dados dentro de cada país podem ser facilmente grampeadas pelos governos, o que acontece na China, no Irã, na Tunísia, em Cuba, na Coréia do Norte, no Zimbabwe e muitos outros lugares, onde o acesso à Internet não é livre. Mas pelo menos estes governos não conseguiram ainda criar suas próprias redes, separadas da Internet. O sistema administrado pela ICANN garante que a Internet seja uma só.
Foram justamente esses países que tomaram a iniciativa de propor um novo sistema para gerir a Internet supervisionado pela ONU. Sob pretexto de tirar a Internet do controle dos Estados Unidos, o que esses governos propõem seria a politização da rede. Sob o controle da ONU, onde uma ditadura como a Líbia consegue presidir a comissão de direitos humanos, é fácil imaginar qual seria o destino da liberdade na Internet.

internautas presos na Tunísia

Um bom exemplo é a Tunísia, onde dissidentes são presos por usarem email para criticar o governo. O país sede da conferência da ONU sobre o controle da Internet é um dos que impedem o livre acesso à rede.
Do outro lado, o governo Bush não ajuda em nada a defesa da Internet livre. Os representantes americanos partiram para uma retórica ultranacionalista, do gênero: a Internet é nossa, ninguém tasca. Causa preocupação a possibilidade de que o governo americano venha a intervir na ICANN para fazer o mesmo que os governos da China, do Irã ou de Cuba sonham, que é controlar a Internet. Nada garante que a ICANN esteja a salvo de uma intervenção americana no futuro.
Os defensores da liberdade na Internet se vêm numa situação difícil: de um lado, ditaduras querendo legitimar seu controle local sobre a Internet. Do outro, o governo americano, que pode acabar com a liberdade da Internet se quiser.
A decisão tomada na Tunísia, de deixar tudo como está, e apenas criar mais um órgão de debates sobre o assunto, somente adia o problema. A Internet só existe se for livre, mas essa liberdade é frágil e ninguém parece ter a solução para garantir que ela continue assim no futuro.

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