Monday, November 28, 2005

Fritz Utzeri

Veja aqui como é fácil assinar e pagar o Montbläat
Basta efetuar o depósito num dos bancos e mandar um e-mail informando o valor, o número da operação e o Banco em que foi feito o depósito. Só isso. Um abraço, Fritz.
Circula as terças e sextas-feiras
Assinaturas: Anual - R$ 95,00
Semestral - R$ 50,00
Trimestral R$ 25,00
e Mensal - R$ 10,00
Os pagamentos devem ser feitos em nome de:
Federico Carlo Utzeri - CPF 160155767-15, nos seguintes bancos:
CEF - agência 0211 CC. - 00887174-0
Banco do Brasil - agência 0087-6 CC. - 19.836-6
Banco Itaú - agência 0706 CC. - 61801-4
Os depósitos no Bradesco serão feitos em nome de:
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Bradesco – agência 1444 CC . – 030527-8

Saturday, November 26, 2005

Pensando Euboldina



Pensando Euboldina
Anna Maria Ribeiro

Acordei com uma zoeira não habitual. Parecia vir do prédio ao lado. Corri para o escritório e abri a janela. O que eu vinha temendo, há já algum tempo, estava acontecendo. A mangueira e o abacateiro, que vinham se estranhado, estavam passando da intenção à ação. Galhos de ambos, de uma forma grosseira, estavam empenhados numa luta para ver quem conseguia entrar primeiro pela janela do escritório. A mangueira, marota, havia produzido uma manga na ponta do galho mais dianteiro, numa tentativa de me subornar. Isto enfureceu o abacateiro que, mais ágil, passou a golpear a infeliz para fazê-la cair. Fiz que não vi. Como tomar partido? Minha relação com as duas árvores era íntima e antiga. Quando nos conhecemos nenhuma das duas havia se aproximado da janela e eu ainda conseguia ver o Cristo, agora encoberto pela mangueira. A mangueira já era velha, o abacateiro mais jovem e eu uma jovem senhora. Pelo rabo do olho acompanhei a disputa me perguntando o porquê desta minha ligação tão forte com árvores.



Fui interrompida por um telefonema de minha neta informando que precisava urgente do Lego que constrói um sítio. E o mistério das árvores se revelou: os fícus do sítio! Eram seis,numa fileira que ia da janela da cozinha até as cocheiras. Já adulta os vi ser abatidos. Estavam levantando, com suas raízes, a casa, o paiol, o quarto de arreios, as cocheiras. Quem sabe por vingança de minha ausência. Quase chorei. Aquelas árvores haviam sido tudo em minha infância. Nelas eu subia para escapar de qualquer coisa desagradável e ficava escondida entre os galhos enquanto adultos ensandecidos gritavam meu nome. Impossível me localizar porque elas eram da maior lealdade: sempre proviam um emaranhado de galhos onde eu me colava abraçada sem que pudessem me ver. Mãe, tias e avó ficavam gritando em vão, em tons ternos ou ameaçadores dependendo do locutor. Mas o que mais me encantava eram as raízes. Saindo da terra rugosas e fortes, formavam desenhos incríveis. Ali construí meu mundo. Os espaços de terra por elas delimitados eram para mim cidades, fazendas, ruas, estradas, casas e que mais sei eu. Cada árvore era um país. A primeira, perto da cozinha, era o Brasil, ou pelo menos era minha terra e os habitantes falavam português. A segunda era a França onde só era permitido o francês. As outras quatro eram países encantados já que aos cinco anos meu mundo não ia além do Brasil e da França. Numa delas – a terceira - as raízes formavam uma mini-caverna onde eu guardava tesouros de valor incalculável. Eram pequenos objetos surrupiados com maestria nas barbas dos adultos. O mais extraordinário e poderoso era uma caixa de Euboldina. Achei o nome lindo quando o escutei, receitado por um dos tios médicos que atendiam de graça, nos meses de férias, num ambulatório improvisado perto da porteira. Vai daí que irresistivelmente seduzida roubei uma caixa de amostra grátis. Pode nome mais bonito? Decretei que tinha um efeito mágico: o de me tornar invisível. Era a pura expressão da verdade. Ninguém conseguia me achar quando eu ingeria uma cápsula. Porque eu o fazia! Euboldina, fui saber anos mais tarde, era remédio para rins. Anjos da guarda devem existir: as cápsulas ingeridas não causaram qualquer efeito negativo. Só mesmo a minha invisibilidade. Dei também para meu cavalo – o primeiro que tive e que se chamava Coringa. E ele passou a desaparecer como eu. Euboldina tinha outros atributos poderosos: se concentrada em seu nome, conseguia fazer com que desistissem de me fazer comer espinafre e exorcizava diversos fantasmas que habitavam a casa do sítio à noite. Era só pensar Euboldina e eles fugiam com o rabo entre as pernas. Nunca mais tive medo. Protegia também meu irmão, que só tinha um ano e que eu adorava. Se ele chorava, o poder de Euboldina fazia com que voltasse a sorrir. Não me lembro se também ministrei este medicamento a ele. É bem provável. Mas como ocorreu comigo nenhum dano foi verificado. Está ele por aqui firme e forte aos mais de 70!



O som raivoso dos galhos em disputa me fez voltar ao presente. Estava ficando feia a coisa. Iam acabar perdendo um galho como já estavam perdendo folhas. Impossível continuar a fingir que não estava percebendo. Vai daí que pensei: quem sabe? Fui até a janela e encarei as duas árvores com firmeza. Severa, mesmo. Por um instante aquietaram-se esperando, quem sabe, que eu tomasse algum partido. Olharam-me desconfiadas. Eu sempre tão afável parecia zangada. E estava mesmo. Aquilo era jeito?! Foi aí que eu murmurei, olhos nos galhos: Euboldina. Surpresas, elas me encararam. Eu repeti firme: Euboldina! Encantada, vi que se afastavam uma da outra, com delicadeza. A mangueira avançou a manga em minha direção e com um outro galho apontou para um projeto de abacate exibido pelo outra. Sorriam ambas. Euboldina restabelecera a paz e a ordem com a mesma eficiência de então. Não sei se ainda existe o remédio. Mas a velha magia de seu nome, que não constava da bula, certamente ainda existe. Preciso pensar Euboldina com mais freqüência, nos tempos que correm.

Magritte

Friday, November 25, 2005



Ontem fizemos o jantar de Thanksgiving. Foi um sucesso. Eram 12 pratos na mesa, para 11 convivas, 10 brasileiros e dois americanos.
Lá vão algumas das coisas que Sergio Flaksman, meu parceiro de cozinha (ele se declarou meu sous-chef, mas é um chefe inteiro) e eu fizemos. O resultado é uma combinação gostosa de sabores, alguns pratos bem gordos e salgados, outros leves, outros doces, alguns um pouco amargos ou picantes:



Capão - como contei num post anterior, botei a ave (quatro quilos) na salmoura por sete dias. Poderia ter sido menos, quatro ou cinco dias. A carne ficou bem macia e molhada. Mas esse processo de curar a carne (serve para qualquer uma) a deixa com um gosto que lembra presunto. Nem todo mundo gosta. Eu não gosto. Valeu como experiência, mas não vou fazer de novo essa salmoura tão prolongada.
Na manhã de ontem, tirei o bicho da salmoura, sequei bem, tirei os miúdos que estavam dentro (o capão descongelou na salmoura, por isso não consegui tirar os miúdos antes). Deixei chegar à temperatura ambiente. Enchi com cebola, ervas (tomilho e alecrim) e manteiga, fechei com grampos e barbante. Passei bastante sal e pimenta do reino, no galináceo todo.
Esquentei o forno a 500 graus Fahrenheit (o máximo). Botei o capão de peito pra cima na assadeira pra tostar a pele. Levou 25 minutos. Banhei com a própria gordura do capão (cortei uma pelanca de gordura que vem pendurada e Sergio derreteu essa gordura para fazer torresmo, deu uma xícara e meia de banha de frango).
Baixei o forno para 325 F e virei o capão de peito para baixo na assadeira. Assar qualquer ave assim, virada ao contrário, é a solução do eterno problema do peito seco. Com o peito para baixo, os líquidos da ave fluem para o peito, tornando-o úmido e suculento. Foi o que aconteceu. Aprendi isso no ótimo livro da Ruth Reichl, Gourmet.
Depois de 45 minutos, banhei o assado com manteiga derretida, onde fritei salsinha e alho.
Com duas horas de assamento comecei a testar a temperatura nas coxas. Virei o capão de peito pra cima para os finalmentes. Quando o termômetro deu 160 F na parte mais gorda da coxa, tirei do forno, passei para a travessa e cobri com papel laminado para terminar de assar fora do forno.
Na hora de servir (três horas depois), botei no forno baixinho só pra esquentar.
A amiga Elaine Louie (vem aí o livro dela com as receitas do Shun Lee Palace, o melhor restaurante chinês de New York segundo o guia Zagat, receitas que nos convidou a testar na casa dela, um assombro e fáceis de fazer) trinchou a ave, arrumando os pedaços na travessa, com a pele crocante e a carne rosada e molhada. A fome era tanta que esquecemos de fotografar...

castanha

Recheio - Tem esse nome mas não esteve dentro do capão, é um acompanhamento. O capão é um frangão gordo, não cabe muita coisa dentro. Se fosse um peru dos grandes caberia. Mas não há necessidade nenhuma de encher a ave com o recheio.
A base do meu recheio é castanha. Na verdade seria uma farofa de castanha. Já comprei as castanhas descascadas e cozidas, são francesas e vêm em vidros de meio quilo, usei dois. Poderia ter comprado as castanhas para descascar e cozinhar mas dá um trabalho danado.
Botei as castanhas já cozidas e descascadas num caldo de peru que comprei pronto, bem gelatinoso e escuro (turkey stock). Levei ao forno baixo com raminhos de tomilho por uns 20 minutos. Com cuidado pra não deixar queimar, até secar o caldo. Depois de esfriar, esfarinhei as castanhas na mão.
Levei ao forno pedacinhos de abóbora descascada regadas com um fio de azeite e salpicadas de sal, até ficarem douradas.
Caramelizei meio quilo de cebolinhas brancas descascadas, cozinhando em pouca água, sal e açúcar.
Os croutons, cubinhos de pão tostados no azeite e ervas, comprei prontos. Também dá muito trabalho.
Fritei meio quilo de cubinhos de toucinho até virarem torresminho.
Sergio fritou a gordura do capão até virar torresmo e fritou os miúdos bem picados.
Deixei as nozes (poucas) descascadas no vapor, até amolecerem.
Misturei tudo isso, castanhas, abóbora, torresmos, miúdos, cebolas, croutons e nozes, e levei ao forno depois de regar com o caldo que ficou no fundo da assadeira do capão. Uma farofa bem molhada. Levei ao forno baixo a 325 F, por uns 40 minutos, até escurecer em cima, com cuidado para não queimar. Escorri o excesso de gordura e transferi para uma travessa grande.



Lombinho com ameixas pretas - Essa é do livro Pig Perfect, uma ode ao porco. Fiz um lombinho pequeno, quilo e meio. Deixei marinando algumas horas no vinho branco com sal e ervas.
As ameixas pretas sem caroço (duas dúzias, cortadas em pedaços se forem grandes, as minhas eram enormes) são cozidas em meia xícara de Cognac ou Armagnac. Deixei o álcool evaporar (cuidado por que entra em ignição de repente e a chama é alta) antes de acrescentar as ameixas à panela (usei uma panelinha francesa de cobre ccm aço por dentro) já fora do fogo.
Dourei o lombinho até ficar bem tostadinho por todos os lados, em óleo super quente numa panela de ferro esmaltado, pesada. Tirei o lombinho e no mesmo óleo dourei duas cebolas grandes cortadas em rodelas, depois acrescentei caldo (usei o caldo de peru que comprei pronto, uma xícara), vinho branco (xícara e meia), Cognac ou Armagnac (xícara e meia), oito folhas de sálvia, ramos de tomilho. Quando esse molho ferveu, levei o lombinho de volta à panela, tampei e botei no forno a 325 F. Me distraí e deixei tempo demais, quando vi o lombinho já estava ultracozido. Deveria testar a temperatura mais cedo, enfiando o termômetro no lombinho. Mas quando fiz isso já estava a 170 F, o ideal é no máximo 160 F para um lombinho suculento. Ficou esfarinhado, mas gostoso assim mesmo por causa do molho.
Tirei o lombinho do molho, separei as ervas e botei as ameixas cozidas no Armagnac para cozinhar mais um pouco no molho do lombinho, até ficarem quase desmanchando. Cobri o lombinho numa travessa com o molho até a hora de servir, sob papel laminado. O certo seria cortar o lombinho em rodelas, mas como ficou cozido demais só consegui quebrá-lo em pedaços. O molho é quase preto, por causa das ameixas, e cobre inteiramente a carne branca do lombinho. Não foi o ideal, pelo cozimento excessivo, mas ficou bem gostoso. Especialmente para quem gosta de carne de porco bem passada, o que não é o meu caso.

batata doce

Batata doce - Sergio descascou as batatas doces (seis, grandes), cozinhou em água e sal até enfiar o garfo (demora), e cortou em rodelas grossas. Depois de pronto o capão, antes de usar o caldo que sobrou para molhar o recheio, ele acabou de cozinhar a batata doce nesse caldo, em forno baixo, uns 30 minutos. Ficou um assombro. As rodelas foram servidas numa travessa à parte.

Farofa de milho - Comprei meio quilo de milho verde congelado, refoguei num pouco de manteiga até ficar macio. Fritei alho picado no azeite e refoguei uma cebola picada até dourar. Acrescentei o milho e depois a farinha de mandioca. Delícia, foi o gosto brasileiro da festa.

pé de quiabo

Quiabo indiano - Inspirado nas receitas de Kerala, sul da Índia (colonizada pelos portugueses) de um livro trazido pelo amigo Manoel de Almeida e Silva, que era um dos comensais desta festa. Fritei os quiabos inteiros (usei quiabo congelado, meio quilo) em azeite e alho. Acrescentei uma lata de leite de coco e cozinhei o quiabo até ficar macio mas não desmanchado. Levei ao forno quente dois pimentões coloridos para tostar a casca. Descasquei, piquei e acrescentei ao quiabo. Temperei com flocos de pimenta vermelha seca (chili). Ficou bem picante e gostoso. E sem gosma.

baby bok choy

Baby bok choy - É um legume chinês, uma espécie de... não sei! O baby é pequeninho e muito gostoso. Cozinhei oito deles em água fervendo e sal, dois minutos. Escoei bem, cortei cada um ao meio, tirei o excesso de folhas e fritei os bulbos verdeclaros em óleo bem quente e muito alho picado. É receita da Elaine. Espetacular. Crocante e um pouquinho amargo.

yams

Purê de yam - O Houaiss traduz yam como inhame mas está errado, é completamente diferente do nosso inhame. Aqui confundem com batata doce (vendem como batata doce!) mas também é totalmente diferente. Acho que no Brasil não existe esse tubérculo, típico do Sul dos Estados Unidos. Diz a Ruth Reichl que o yam foi trazido para as Américas pelos portugueses. Não sei. O fato é que os americanos só comem yam no Thanksgiving, é tradicional. O yam é cor de abóbora.
Sergio descascou seis yams grandes e cozinhou em água e sal até ficar bem macio. É rápido. Escoou e amassou com garfo para virar purê. Acrescentou duas colheres de sopa de manteiga, sal, pimenta do reino, bastante noz moscada moída na hora, e cebolinha bem picada. Espalhou num pratão raso e enfeitou com cebolinha, ficou lindo e delicioso, doce e salgado ao mesmo tempo.

No mais, Sergio fez uma bela salada, servimos arroz branco, vagem francesa no vapor, o molho de peru comprado pronto (gravy), molho de cranberry. La grande bouffe.



Em tempo: Thanksgiving, ou dia de ação de graças, apesar do nome NÃO é um feriado religioso aqui. O presidente Lincoln criou esse feriado nacional como uma festa de congraçamento para unir o país depois da Guerra Civil. A Constituição americana proíbe feriados religiosos, a separação entre estado e religião é levada a sério (ainda).

Tuesday, November 22, 2005

Toots Thielemans

Sonhei com os anjos e de noite fui ver e ouvir um deles: Toots Thielemans, o gaistista gênio, 83 anos. Ele tira da gaita um som de sax, uma maravilha. Tocou no Blue Note com Oscar Castro Neves, violão, Aírto Moreira, bateria, e Kenny Werner, piano.
Oscar deixou todo mundo emocionado com uma linda interpretação de Águas de Março, com a letra que o próprio Tom escreveu em inglês.

Do disco de Toots com Werner:

Sicilienne (J.S. Bach) (quero dedicar esta ao amigo Guilherme)
When you wish upon a star/ One day my prince will come (essa é pra você Anna!)
What a wonderful world (pra todo mundo que visita este blog e sempre deixa mensagem, como o DO)

Kenny Werner, Toots Thielemans, Oscar Castro Neves


Quem afirma que hoje os Estados Unidos controlam a Internet ainda não entendeu o que é essa rede.
A Internet tornou-se o fenômeno que é exatamente porque, por enquanto, ninguém a controla. Quando um computador se liga à rede, ele se torna por definição mais um nó dessa teia, tão central quanto qualquer outro.
Essa é a idéia dos cientistas que criaram nos anos 60 a Arpanet, a primeira versão da Internet, sob os auspícios do departamento de defesa americano, o Pentágono. O objetivo era descentralizar a rede, para que ela pudesse sobreviver em caso de guerra nuclear.
A rede é caótica exatamente porque não tem centro, não é hierárquica. O poder é redistribuído do centro para a periferia.
Não há dúvida de que esta é uma idéia tipicamente americana. Vem do conceito fundador dos Estados Unidos, de uma comunidade de cidadãos livres para enfrentar o poder do governo.
Se tivesse nascido na China, no Irã ou em Cuba, certamente a Internet seria bem diferente, rigidamente comandada por um governo central.
A Internet funciona porque cada computador ligado recebe um número, o chamado protocolo de Internet, IP. Para garantir que, ao digitar um endereço, o usuário só se conecte a um determinado número de IP, o cientista americano Jon Postel criou o DNS, o Sistema de Nome de Domínio, que ele mesmo administrou durante muitos anos, por contrato com o departamento de comércio dos Estados Unidos.
Quando Postel morreu em 1998 foi criada a ICANN, Corporação da Internet para Conferir Nomes e Números, que assumiu a função.

Jon Postel

A ICANN é uma empresa sem fins lucrativos, financiada pelo departamento de comércio mas não controlada por ele. Sua função é puramente técnica: garantir que a Internet funcione. É como uma torre de controle de tráfego. Sem ela, o usuário poderia digitar um endereço e ir parar em outro lugar completamente diferente do desejado.
A ICANN inclui representantes de mais de cento e cinquenta países e sua eficiência é apontada como uma das razões do crescimento vertiginoso da Internet nos últimos anos.
As organizações de defesa de direitos humanos aplaudem a supervisão técnica da ICANN, uma entidade não politizada, para manter a Internet a salvo de governos autoritários que desejam controlar a rede. Preocupa aos defensores dos direitos humanos a perseguição aos dissidentes através da censura às comunicações via Internet.
As redes de transmissão de dados dentro de cada país podem ser facilmente grampeadas pelos governos, o que acontece na China, no Irã, na Tunísia, em Cuba, na Coréia do Norte, no Zimbabwe e muitos outros lugares, onde o acesso à Internet não é livre. Mas pelo menos estes governos não conseguiram ainda criar suas próprias redes, separadas da Internet. O sistema administrado pela ICANN garante que a Internet seja uma só.
Foram justamente esses países que tomaram a iniciativa de propor um novo sistema para gerir a Internet supervisionado pela ONU. Sob pretexto de tirar a Internet do controle dos Estados Unidos, o que esses governos propõem seria a politização da rede. Sob o controle da ONU, onde uma ditadura como a Líbia consegue presidir a comissão de direitos humanos, é fácil imaginar qual seria o destino da liberdade na Internet.

internautas presos na Tunísia

Um bom exemplo é a Tunísia, onde dissidentes são presos por usarem email para criticar o governo. O país sede da conferência da ONU sobre o controle da Internet é um dos que impedem o livre acesso à rede.
Do outro lado, o governo Bush não ajuda em nada a defesa da Internet livre. Os representantes americanos partiram para uma retórica ultranacionalista, do gênero: a Internet é nossa, ninguém tasca. Causa preocupação a possibilidade de que o governo americano venha a intervir na ICANN para fazer o mesmo que os governos da China, do Irã ou de Cuba sonham, que é controlar a Internet. Nada garante que a ICANN esteja a salvo de uma intervenção americana no futuro.
Os defensores da liberdade na Internet se vêm numa situação difícil: de um lado, ditaduras querendo legitimar seu controle local sobre a Internet. Do outro, o governo americano, que pode acabar com a liberdade da Internet se quiser.
A decisão tomada na Tunísia, de deixar tudo como está, e apenas criar mais um órgão de debates sobre o assunto, somente adia o problema. A Internet só existe se for livre, mas essa liberdade é frágil e ninguém parece ter a solução para garantir que ela continue assim no futuro.

Friday, November 18, 2005

Wim Wenders

Acabo de entrevistar Wim Wenders para o Milênio da Globo News e tenho que contar para alguém! Estou que nem aquele cara da piada que come a Sharon Stone numa ilha deserta e manda ela se vestir de homem porque ele precisa ter alguém pra contar. Eu tenho o blog...
Ele contou que teve um sonho esta noite. Sonhou que estava acontecendo uma revolução aqui na América, todo mundo na rua. O povo americano tinha acordado de repente para o fato de que não tinha mais nenhum poder e resolvido acabar com isso. E ele estava no meio. Mas de repente se tocou que só podia ser um sonho e acordou.
Contou que quando era garoto na Alemanha, os outros meninos tinham no quarto posters de cinema. E ele tinha posters de Brasília. Achava que a construção de Brasília era a maior aventura da história da humanidade. O sonho dele era conhecer Brasília, o que finalmente conseguiu. Não entende porque os brasileiros não gostam de Brasília. Ele continua adorando.
Perguntei por que ele gosta tanto de Portugal: por causa da inocência dos portugueses.
Disse que agora que fez 60 anos está curtindo voltar aos lugares onde se sente em casa. O problema é que são muitos. Um deles é a Bahia.
Fazer cinema, disse, não é profissão, é privilégio. Se emocionou falando de como o filme dele, Buena Vista Social Club, mudou a vida daqueles abuelos que estavam esquecidos em Cuba.
Disse que o cinema tem que filmar o invisível, o transcendente. Limitar-se a filmar o que pode ser visto é muito pouco.



Depois, muito simpático, tirou fotos com a equipe da Globo aqui (a entrevista foi no escritório) e autografou um poster de Paris Texas do produtor David Presas, que nasceu no Texas (mas, segundo Wenders, tem sotaque brasileiro). O poster, que é enorme, tem uma foto grande da Nastassja Kinski. Wenders desenhou uma imensa asa de anjo nela e assinou embaixo. Ficou deslumbrante.
A entrevista completa vem aí no Milênio, em dezembro. Stay tuned.

Wim Wenders

Thursday, November 17, 2005



Comecei a preparar o capão para o Thanksgiving. Encomendei pelo Fresh Direct o bicho congelado, quatro quilos. O Fresh Direct entrega em casa, os caminhões deles já fazem parte da paisagem aqui. Ninguém tem tempo de fazer compra em supermercado, então é um belo negócio. Também trouxeram a batata doce, a castanha, a abóbora, os cogumelos selvagens, tudo.
Resolvi seguir a técnica de Judy Rodgers no livro Zuni Café (é o restaurante dela em San Francisco), a tradicional salmoura. Num recipiente de plástico grande dissolvi duas xícaras de sal grosso (kosher salt) em quatro litros de água, e juntei temperos: ramos de aneto (dill) e tomilho (thyme) e especiarias moídas no pilão especial que Zenaidinha me deu (bem vinda ao blog querida! você e Clara!). Moí grãos de junípero, pimenta da Jamaica e pimenta do reino. Ficou tão cheiroso! Botei o pássaro dentro e tampei. De vez em quando vou virá-lo.

quando chuvisca ele pisca

Ele ficará assim na geladeira por seis dias. Vai descongelar e enquanto isso a salmoura (em inglês: brine) agirá. A salmoura torna a carne mais molhada, suculenta e saborosa, especialmente em se tratando de aves, que em geral ficam secas quando cozidas. Vamos ver, é a primeira vez que faço isso.
Saiu um roteiro no New York Times do que fazer a cada dia. Você cozinha um prato por dia e congela. Amanhã vou fazer o pudim de batata doce. Depois, um recheio com castanhas, toucinho, miúdos, pão de milho e cogumelos selvagens. Um purê de abóbora com chouriço espanhol. Alguma coisa com milho, ainda não sei o quê. Teremos o tradicional molho de cranberries, aquela frutinha vermelha. Segundo Houaiss, em português cranberry é oxícoco. Deve ser por isso que não tem essa festa no Brasil. Não dá pra dizer: "Passa o oxícoco, por favor" ...

oxícocos

Ah, e vou fazer também um lombinho na panela, depois conto. É que seremos 11 e teremos alguns limpa-trilhos desses que raspam a travessa, o capão sozinho não dá conta.
No dia da festa, quinta que vem, estará tudo pronto e o capão vai cedo para o forno. Levará umas três horas assando, primeiro em forno bem quente, depois em forno brando, virando de cada lado, e só no fim com o peito pra cima, pra não secar demais o peito. Tenho um termômetro de carne. Quando der 155 graus Fahrenheit na coxa, está pronto.

171 histórico. A cena não aconteceu

Essa festa seria uma reprodução da refeição em que os peregrinos (pilgrims), os colonos ingleses em Massachusetts, agradeceram a Deus a primeira colheita que deu certo, em 1621. Um congraçamento com os índios, que teriam trazido para a festa o peru selvagem, batata doce, abóbora, milho e cranberry. Por isso a janta tem que ter isso tudo. Mas como peru é muito sem graça, substitui pelo capão, o galináceo de carne mais saborosa. É um frango capado e engordado.
Essa história dos índios é pura lenda inventada no século XIX. Na verdade, naquele dia de ação de graças, os puritanos agradeceram a Deus por ter mandado uma epidemia de varíola que dizimou os índios. Poucos anos depois, os índios da região já tinham sido exterminados. A festa é tão fake quanto o Natal e Papai Noel. Mas é a festa nacional, o maior feriado-família aqui, mais que Natal, Ano Novo e Páscoa. E como não tem nenhum conteúdo religioso, apesar do nome e da origem, os judeus também fazem, assim como todas as outras etnias que vivem aqui. Para ser americano tem que ter Thanksgiving. Só os índios não comemoram...

Capon Rouge

Tuesday, November 15, 2005



O que é milonga? Não tenho a menor idéia. Não é tango, mas parece. Dizem que é anterior ao tango, é rural, e a palavra milonga tem origem afrobrasileira. Pra mim milonga é uma música melosa, sentimental, gostosa de ouvir e dançar, mais sensual que o tango. Mas posso estar errado. Lá vai milonga!



Milonga sentimental, Carlos Gardel
Milonga para Gardel, Angel Vargas
Milonga triste, Astor Piazzola
Milonga del Angel, Piazzola, com Yo-Yo Ma

Jorge Drexler

Muito bom o show de Jorge Drexler aqui no Joe's Pub. Ele é aquele uruguaio que ganhou o Oscar com a canção Al otro lado del rio do filme Diários da Motocicleta. A produção do Oscar não acreditou nele como intérprete e deu a canção a Antonio Banderas, acompanhado por Santana. Banderas assassinou a música e causou estranheza batendo o ritmo nas coxas (literalmente). Drexler se apresenta solo com guitarra e sampler. Um show.
Esta semana vai ser boa aqui. Sexta tem Luciana Souza no mesmo Joe's Pub. E domingo vamos ver Toots Thielemans no Blue Note com Oscar Castro Neves e Airto Moreira.

Jorge Drexler no Oscar

Jorge Drexler:

Al otro lado del río

Todo se transforma

Samba del olvido

Milonga del moro judio

Jorge Drexler

Monday, November 14, 2005

Peter Braunstein na capa do jornal mais lido de New York

O grande assunto nos blogs e nas redações aqui não é Bush, nem Iraque, nem terrorismo: é o repórter tarado Peter Braunstein, o homem mais procurado pela polícia de New York.
Todo mundo está comentando a coluna que saiu hoje no New York Times escrita por David Carr, reclamando da obessão com o caso e, principalmente, do prazer macabro dos blogs e tablóides em fazer piadas com essa história. Exemplo, no blog Jossip: "Estupro não tem graça, mas Peter Braunstein é hilariante".

Peter Braunstein

Braunstein é acusado de ter atacado uma mulher na noite do Halloween, 31 de outubro. Ele ateou fogo a uma cesta de papéis no prédio da moça e bateu na porta dela vestido de bombeiro, dizendo que tinha vindo apagar o incêndio. Ela o deixou entrar. O tarado amarrou a vítima, e durante 13 horas, além de currá-la, fez fotos dela com vários pares de sapatos de designers como Manolo Blahnik e Salvatore Ferragamo. Se fosse cena da série Sex and the City, ninguém estranharia.
No dia seguinte, Braunstein foi flagrado pelas câmeras do hotel onde pernoitou no mesmo bairro, Chelsea, carregando uma sacola com os sapatos. Ele teria sido identificado depois disso pela vítima, uma ex-colega de trabalho.
Braunstein, 41 anos, é jornalista freelancer e escreve para revistas femininas e jornais alternativos como o Village Voice.
A polícia já descobriu que ele comprou o uniforme de bombeiro no eBay e tinha no computador um texto descrevendo o ataque à mulher em detalhes. Além disso, Braunstein tinha um blog no qual contava fantasias sexuais sadomasoquistas. Em algumas das reportagens que publicou, o tema era o sadomasoquismo em fotos de moda.
O repórter, segundo a polícia, se dedicou nos últimos meses a estudar as táticas policiais em New York, gravando em video cenas de policiamento e arquivando material sobre o assunto. Por isso ele estaria conseguindo escapar à prisão, sempre se antecipando aos policiais.
O fato é que o crime ocorreu há duas semanas e Braunstein continua solto, sendo visto por toda a cidade, inclusive no bairro, Chelsea, onde cometeu o crime. A polícia avisou a modelo Kate Moss para tomar cuidado porque ela está numa lista de mulheres encontrada no computador de Braunstein, junto com o nome da vítima.
Esta é uma mulher de 34 anos que, segundo os tablóides, foi demitida da revista W por ter se apropriado de sapatos usados para fotos de moda. Recentemente, ela teria perdido um novo emprego numa joalheria por ter feito o mesmo com jóias.
Braunstein escreveu um romance não publicado, Paparazzi, sobre uma celebridade que se apaixona pelo tarado que a persegue. Segundo a coluna de gossip do New York Post, o romance é "brilhante".

Peter Braunstein

O blog Gawker está fazendo uma pesquisa de cunho humorístico perguntando: onde está Braunstein? A resposta mais votada: na porta da sede do Gawker.
As mulheres de New York estão evitando andar na rua à noite, com medo do tarado. Algumas que trabalham em revistas de moda e conhecem Braunstein estão deixando a cidade para se esconder em lugares seguros.
Os tablóides e blogs estão fazendo a festa, com manchetes e "furos" de mau gosto em torno de cada detalhe do caso e cada ínfima informação relacionada com Braunstein. Como ele era relativamente conhecido no meio das revistas de moda, não faltam fofocas apimentadas. O nome da namorada que o processou por persegui-la já foi publicado, o que é antiético. Os blogs de fofocas Gawker e Jossip lideram, com seções inteiras dedicadas a Braunstein.
A manchete acima do jornal mais lido na cidade, o New York Post de Rupert Murdoch, é irônica: "SICK GAME", jogo doente, se refere à brincadeira de gato-e-rato que Braunstein está jogando com a polícia. Mas também pode se aplicar à cobertura que o próprio Post, os outros tablóides e os blogs estão dando ao caso. Brausntein tem ligado para passar notas sobre ele mesmo aos redatores da Page Six, a coluna de fofocas do Post, lida por absolutamente todo mundo na cidade.
Parece história de filme de Hollywood, com certeza será filmada em breve, e é o primeiro grande caso policial que envolve diretamente a Internet e a imprensa, na cidade onde tudo o que acontece nesse meio tem repercussão mundial.
David Carr tem razão, a exploração desse caso é grotesca e antiética, mas não adianta reclamar. Esse é o novo mundo da mídia no qual vivemos, descontrolado, desmiolado, obsessivo e sem qualquer escrúpulo. Um mundo no qual a morte, o crime, o macabro, são fonte de entretenimento. Um grand guignol da era da informação, eletrônico, digital e imediato. E o público consumidor (nós) adora.

Capas do Post sobre o caso nos últimos dias:





Friday, November 11, 2005



Está chegando o maior feriado daqui, o Thanksgiving, quando todas as famílias se reúnem em torno de um peru. É um holocausto perual, matam 50 milhões de perus. Eu vou fazer um capão, um frango capado e gordo, mais gostoso que peru, depois conto. Aqui os politicamente corretos e vegetarianos não comem peru, eles adotam perus... E fazem festas onde os perus é que comem. Uma das cenas mais ridículas aqui é o perdão presidencial dado a um peru, escolhido para ser salvo. Foi num desses perdões que fizeram um dos flagrantes mais hilariantes de Bush, quando ele foi atacado pelo peru.



Em 2003, Bush subiu nas pesquisas de opinião quando apareceu de surpresa numa base americana no Iraque para servir o peru aos soldados. Depois a mídia descobriu que o peru era de plástico, preparado para sair bem na foto e não ser pesado demais para Bush carregar.



Para comemorar a data, nada melhor que o texto abaixo de Arundhati Roy, o discurso que ela fez na abertura do Forum Social Mundial em Mumbai no ano passado.


Arundhati Roy

Do turkeys enjoy thanksgiving?
By Arundhati Roy, 2004

LAST JANUARY thousands of us from across the world gathered in Porto Allegre in Brazil and declared — reiterated — that "Another World is Possible". A few thousand miles north, in Washington, George Bush and his aides were thinking the same thing.
Our project was the World Social Forum. Theirs — to further what many call The Project for the New American Century.
In the great cities of Europe and America, where a few years ago these things would only have been whispered, now people are openly talking about the good side of Imperialism and the need for a strong Empire to police an unruly world. The new missionaries want order at the cost of justice. Discipline at the cost of dignity. And ascendancy at any price. Occasionally some of us are invited to `debate' the issue on `neutral' platforms provided by the corporate media. Debating Imperialism is a bit like debating the pros and cons of rape. What can we say? That we really miss it?
In any case, New Imperialism is already upon us. It's a remodelled, streamlined version of what we once knew. For the first time in history, a single Empire with an arsenal of weapons that could obliterate the world in an afternoon has complete, unipolar, economic and military hegemony. It uses different weapons to break open different markets. There isn't a country on God's earth that is not caught in the cross hairs of the American cruise missile and the IMF chequebook. Argentina's the model if you want to be the poster-boy of neoliberal capitalism, Iraq if you're the black sheep.
Poor countries that are geo-politically of strategic value to Empire, or have a `market' of any size, or infrastructure that can be privatized, or, god forbid, natural resources of value — oil, gold, diamonds, cobalt, coal — must do as they're told, or become military targets. Those with the greatest reserves of natural wealth are most at risk. Unless they surrender their resources willingly to the corporate machine, civil unrest will be fomented, or war will be waged. In this new age of Empire, when nothing is as it appears to be, executives of concerned companies are allowed to influence foreign policy decisions. The Centre for Public Integrity in Washington found that nine out of the 30 members of the Defence Policy Board of the U.S. Government were connected to companies that were awarded defence contracts for $ 76 billion between 2001 and 2002. George Shultz, former U.S. Secretary of State, was Chairman of the Committee for the Liberation of Iraq. He is also on the Board of Directors of the Bechtel Group. When asked about a conflict of interest, in the case of a war in Iraq he said, " I don't know that Bechtel would particularly benefit from it. But if there's work to be done, Bechtel is the type of company that could do it. But nobody looks at it as something you benefit from." After the war, Bechtel signed a $680 million contract for reconstruction in Iraq.
This brutal blueprint has been used over and over again, across Latin America, Africa, Central and South-East Asia. It has cost millions of lives. It goes without saying that every war Empire wages becomes a Just War. This, in large part, is due to the role of the corporate media. It's important to understand that the corporate media doesn't just support the neo-liberal project. It is the neo-liberal project. This is not a moral position it has chosen to take, it's structural. It's intrinsic to the economics of how the mass media works.
Most nations have adequately hideous family secrets. So it isn't often necessary for the media to lie. It's what's emphasised and what's ignored. Say for example India was chosen as the target for a righteous war. The fact that about 80,000 people have been killed in Kashmir since 1989, most of them Muslim, most of them by Indian Security Forces (making the average death toll about 6000 a year); the fact that less than a year ago, in March of 2003, more than two thousand Muslims were murdered on the streets of Gujarat, that women were gang-raped and children were burned alive and a 150,000 people driven from their homes while the police and administration watched, and sometimes actively participated; the fact that no one has been punished for these crimes and the Government that oversaw them was re-elected ... all of this would make perfect headlines in international newspapers in the run-up to war.
Next we know, our cities will be levelled by cruise missiles, our villages fenced in with razor wire, U.S. soldiers will patrol our streets and, Narendra Modi, Pravin Togadia or any of our popular bigots could, like Saddam Hussein, be in U.S. custody, having their hair checked for lice and the fillings in their teeth examined on prime-time TV.
But as long as our `markets' are open, as long as corporations like Enron, Bechtel, Halliburton, Arthur Andersen are given a free hand, our `democratically elected' leaders can fearlessly blur the lines between democracy, majoritarianism and fascism.
Our government's craven willingness to abandon India's proud tradition of being Non-Aligned, its rush to fight its way to the head of the queue of the Completely Aligned (the fashionable phrase is `natural ally' — India, Israel and the U.S. are `natural allies'), has given it the leg room to turn into a repressive regime without compromising its legitimacy.
A government's victims are not only those that it kills and imprisons. Those who are displaced and dispossessed and sentenced to a lifetime of starvation and deprivation must count among them too. Millions of people have been dispossessed by `development' projects. In the past 55 years, Big Dams alone have displaced between 33 million and 55 million people in India. They have no recourse to justice.
In the last two years there has been a series of incidents when police have opened fire on peaceful protestors, most of them Adivasi and Dalit. When it comes to the poor, and in particular Dalit and Adivasi communities, they get killed for encroaching on forest land, and killed when they're trying to protect forest land from encroachments — by dams, mines, steel plants and other `development' projects. In almost every instance in which the police opened fire, the government's strategy has been to say the firing was provoked by an act of violence. Those who have been fired upon are immediately called militants.
Across the country, thousands of innocent people including minors have been arrested under POTA (Prevention of Terrorism Act) and are being held in jail indefinitely and without trial. In the era of the War against Terror, poverty is being slyly conflated with terrorism. In the era of corporate globalisation, poverty is a crime. Protesting against further impoverishment is terrorism. And now, our Supreme Court says that going on strike is a crime. Criticising the court of course is a crime, too. They're sealing the exits.
Like Old Imperialism, New Imperialism too relies for its success on a network of agents — corrupt, local elites who service Empire. We all know the sordid story of Enron in India. The then Maharashtra Government signed a power purchase agreement which gave Enron profits that amounted to sixty per cent of India's entire rural development budget. A single American company was guaranteed a profit equivalent to funds for infrastructural development for about 500 million people!
Unlike in the old days the New Imperialist doesn't need to trudge around the tropics risking malaria or diahorrea or early death. New Imperialism can be conducted on e-mail. The vulgar, hands-on racism of Old Imperialism is outdated. The cornerstone of New Imperialism is New Racism.
The tradition of `turkey pardoning' in the U.S. is a wonderful allegory for New Racism. Every year since 1947, the National Turkey Federation presents the U.S. President with a turkey for Thanksgiving. Every year, in a show of ceremonial magnanimity, the President spares that particular bird (and eats another one). After receiving the presidential pardon, the Chosen One is sent to Frying Pan Park in Virginia to live out its natural life. The rest of the 50 million turkeys raised for Thanksgiving are slaughtered and eaten on Thanksgiving Day. ConAgra Foods, the company that has won the Presidential Turkey contract, says it trains the lucky birds to be sociable, to interact with dignitaries, school children and the press. (Soon they'll even speak English!)
That's how New Racism in the corporate era works. A few carefully bred turkeys — the local elites of various countries, a community of wealthy immigrants, investment bankers, the occasional Colin Powell, or Condoleezza Rice, some singers, some writers (like myself) — are given absolution and a pass to Frying Pan Park. The remaining millions lose their jobs, are evicted from their homes, have their water and electricity connections cut, and die of AIDS. Basically they're for the pot. But the Fortunate Fowls in Frying Pan Park are doing fine. Some of them even work for the IMF and the WTO — so who can accuse those organisations of being anti-turkey? Some serve as board members on the Turkey Choosing Committee — so who can say that turkeys are against Thanksgiving? They participate in it! Who can say the poor are anti-corporate globalisation? There's a stampede to get into Frying Pan Park. So what if most perish on the way?
Part of the project of New Racism is New Genocide. In this new era of economic interdependence, New Genocide can be facilitated by economic sanctions. It means creating conditions that lead to mass death without actually going out and killing people. Dennis Halliday, the U.N. humanitarian coordinator in Iraq between '97 and '98 (after which he resigned in disgust), used the term genocide to describe the sanctions in Iraq. In Iraq the sanctions outdid Saddam Hussein's best efforts by claiming more than half a million children's lives.
In the new era, Apartheid as formal policy is antiquated and unnecessary. International instruments of trade and finance oversee a complex system of multilateral trade laws and financial agreements that keep the poor in their Bantustans anyway. Its whole purpose is to institutionalise inequity. Why else would it be that the U.S. taxes a garment made by a Bangladeshi manufacturer 20 times more than it taxes a garment made in the U.K.? Why else would it be that countries that grow 90 per cent of the world's cocoa bean produce only 5 per cent of the world's chocolate? Why else would it be that countries that grow cocoa bean, like the Ivory Coast and Ghana, are taxed out of the market if they try and turn it into chocolate? Why else would it be that rich countries that spend over a billion dollars a day on subsidies to farmers demand that poor countries like India withdraw all agricultural subsidies, including subsidised electricity? Why else would it be that after having been plundered by colonising regimes for more than half a century, former colonies are steeped in debt to those same regimes, and repay them some $ 382 billion a year?
For all these reasons, the derailing of trade agreements at Cancun was crucial for us. Though our governments try and take the credit, we know that it was the result of years of struggle by many millions of people in many, many countries. What Cancun taught us is that in order to inflict real damage and force radical change, it is vital for local resistance movements to make international alliances. From Cancun we learned the importance of globalising resistance.
No individual nation can stand up to the project of Corporate Globalisation on its own. Time and again we have seen that when it comes to the neo-liberal project, the heroes of our times are suddenly diminished. Extraordinary, charismatic men, giants in Opposition, when they seize power and become Heads of State, they become powerless on the global stage. I'm thinking here of President Lula of Brazil. Lula was the hero of the World Social Forum last year. This year he's busy implementing IMF guidelines, reducing pension benefits and purging radicals from the Workers' Party. I'm thinking also of ex-President of South Africa, Nelson Mandela. Within two years of taking office in 1994, his government genuflected with hardly a caveat to the Market God. It instituted a massive programme of privatisation and structural adjustment, which has left millions of people homeless, jobless and without water and electricity.
Why does this happen? There's little point in beating our breasts and feeling betrayed. Lula and Mandela are, by any reckoning, magnificent men. But the moment they cross the floor from the Opposition into Government they become hostage to a spectrum of threats — most malevolent among them the threat of capital flight, which can destroy any government overnight. To imagine that a leader's personal charisma and a c.v. of struggle will dent the Corporate Cartel is to have no understanding of how Capitalism works, or for that matter, how power works. Radical change will not be negotiated by governments; it can only be enforced by people.
This week at the World Social Forum, some of the best minds in the world will exchange ideas about what is happening around us. These conversations refine our vision of the kind of world we're fighting for. It is a vital process that must not be undermined. However, if all our energies are diverted into this process at the cost of real political action, then the WSF, which has played such a crucial role in the Movement for Global Justice, runs the risk of becoming an asset to our enemies. What we need to discuss urgently is strategies of resistance. We need to aim at real targets, wage real battles and inflict real damage. Gandhi's Salt March was not just political theatre. When, in a simple act of defiance, thousands of Indians marched to the sea and made their own salt, they broke the salt tax laws. It was a direct strike at the economic underpinning of the British Empire. It was real. While our movement has won some important victories, we must not allow non-violent resistance to atrophy into ineffectual, feel-good, political theatre. It is a very precious weapon that needs to be constantly honed and re-imagined. It cannot be allowed to become a mere spectacle, a photo opportunity for the media.
It was wonderful that on February 15th last year, in a spectacular display of public morality, 10 million people in five continents marched against the war on Iraq. It was wonderful, but it was not enough. February 15th was a weekend. Nobody had to so much as miss a day of work. Holiday protests don't stop wars. George Bush knows that. The confidence with which he disregarded overwhelming public opinion should be a lesson to us all. Bush believes that Iraq can be occupied and colonised — as Afghanistan has been, as Tibet has been, as Chechnya is being, as East Timor once was and Palestine still is. He thinks that all he has to do is hunker down and wait until a crisis-driven media, having picked this crisis to the bone, drops it and moves on. Soon the carcass will slip off the best-seller charts, and all of us outraged folks will lose interest. Or so he hopes.
This movement of ours needs a major, global victory. It's not good enough to be right. Sometimes, if only in order to test our resolve, it's important to win something. In order to win something, we — all of us gathered here and a little way away at Mumbai Resistance — need to agree on something. That something does not need to be an over-arching pre-ordained ideology into which we force-fit our delightfully factious, argumentative selves. It does not need to be an unquestioning allegiance to one or another form of resistance to the exclusion of everything else. It could be a minimum agenda.
If all of us are indeed against Imperialism and against the project of neo-liberalism, then let's turn our gaze on Iraq. Iraq is the inevitable culmination of both. Plenty of anti-war activists have retreated in confusion since the capture of Saddam Hussein. Isn't the world better off without Saddam Hussein? they ask timidly.
Let's look this thing in the eye once and for all. To applaud the U.S. army's capture of Saddam Hussein and therefore, in retrospect, justify its invasion and occupation of Iraq is like deifying Jack the Ripper for disembowelling the Boston Strangler. And that — after a quarter century partnership in which the Ripping and Strangling was a joint enterprise. It's an in-house quarrel. They're business partners who fell out over a dirty deal. Jack's the CEO.
So if we are against Imperialism, shall we agree that we are against the U.S. occupation and that we believe that the U.S. must withdraw from Iraq and pay reparations to the Iraqi people for the damage that the war has inflicted?
How do we begin to mount our resistance? Let's start with something really small. The issue is not about supporting the resistance in Iraq against the occupation or discussing who exactly constitutes the resistance. (Are they old Killer Ba'athists, are they Islamic Fundamentalists?)
We have to become the global resistance to the occupation.
Our resistance has to begin with a refusal to accept the legitimacy of the U.S. occupation of Iraq. It means acting to make it materially impossible for Empire to achieve its aims. It means soldiers should refuse to fight, reservists should refuse to serve, workers should refuse to load ships and aircraft with weapons. It certainly means that in countries like India and Pakistan we must block the U.S. government's plans to have Indian and Pakistani soldiers sent to Iraq to clean up after them.
I suggest that at a joint closing ceremony of the World Social Forum and Mumbai Resistance, we choose, by some means, two of the major corporations that are profiting from the destruction of Iraq. We could then list every project they are involved in. We could locate their offices in every city and every country across the world. We could go after them. We could shut them down. It's a question of bringing our collective wisdom and experience of past struggles to bear on a single target. It's a question of the desire to win.
The Project For The New American Century seeks to perpetuate inequity and establish American hegemony at any price, even if it's apocalyptic. The World Social Forum demands justice and survival.
For these reasons, we must consider ourselves at war.

©Arundhati Roy

Arundhati Roy
Portinari

É HORA DE RESSUSCITAR DOM QUIXOTE
Anna Maria Ribeiro

Sinto que é hora de ressuscitar Dom Quixote. Mas não o Sancho! Este está vivo. Vivíssimo. Clonado em sua racionalidade em milhares de cidadãos, sobretudo naqueles que deveriam nos orientar para um mundo melhor. Dirão-me que é necessário ser racional.
Mas, cá do meu lado, o que ando sentindo e querendo – querendo muito – é sonhar o sonho impossível. É preciso, necessário, imprescindível que meio a tanta feiúra sejamos capazes de, loucos, identificar o inimigo nos moinhos de vento. Porque o inimigo real não está valendo uma luta racional, dentro dos conformes. Talvez estes – os moinhos – tão belos em sua postura, tão poderosos em sua capacidade de domar o vento e torná-lo seu escravo, sejam exatamente aqueles que nos fazem tanto mal e que, camuflados, tentam impedir que sejamos capazes de identificá-los.
Sejamos poetas em nossa revolta. Heróicos em nossa postura diante do impossível. Deixemos que em vão os Sanchos tentem nos explicar o que vai por aí. Vamos ver o que nossa loucura enxerga. Num corcel pífio, porque outro não temos, e que seremos capazes de ver como lindo, vamos cavalgar por este país afora pregando a luta mágica, porque a real já não surte efeito. E Rocinante nos levará às pequenas cidades, às pequenas vilas e nós soltaremos o brado: Vocês foram enganados. Sancho dirá que é assim mesmo. Mas não vamos escutá-lo. Ou melhor, vamos dar a ele a explicação mágica na qual ele não vai acreditar, mas o que importa? Sancho é assim
mesmo. Tanto os de esquerda quanto os de direita. Proliferam, dão explicações, razões, motivos. Falam demais. Explicam, esquadrinham, investigam e chegam... ao nada. A fome, a injustiça, o desânimo, a dor, explicados e esquadrinhados, objeto de projetos, leis, intenções, discussões, propostas, tudo muito racional e até posto no papel timbrado e com fé pública, permanecem nas esquinas das cidades e nos rincões longínquos onde esquina não há.



Vamos nos perder de amores por Dulcinéia que “teve assomos de dama, de Dom Quixote foi chama e glória de sua aldeia”. Importa lá se estes assomos de dama não são vistos, reconhecidos e louvados naquelas que habitam estes rincões tão longínquos? O que vamos sentir será real e nos trará momentos de ardor. Não de raiva, não de desânimo, não de impotência. Por que estes já nos cansam sentir. Não que Sancho seja mau, ou mesmo desonesto. Não! É apenas conformado com o que existe. E isto é terrível. Me vem, de longe, a voz doce de Seu Teófilo, sábio caipira de muita saudosa memória: “Devêra de ser assim mesmo...” Não! Não devêra. Nada deve ser assim mesmo. Dom Quixote não deixaria que assim fosse. Iria lutar. Esbravejar. Gritar e avançar valoroso, incitando Rocinante a que o levasse à batalha. Debalde? Até pode ser... Mas como tentar valeria a pena! Justificaria uma vida como ocorreu com ele – Dom Quixote. Valeu para ele que até hoje vive em sua história que sabemos, lemos, compreendemos, admiramos, nos emocionamos, mas somos incapazes de repetir.
Vamos nos tornar surdos aos apelos de Sancho que nos chama à razão.
Razão que impede que dentro de nós a indignação que existe, se mostre, tome corpo e torne-se ação perdendo o início da palavra que a impede, sufoca e faz mal. Porque faz. Muito mal. Indignação sem ação “é maus” como diriam meus mais jovens conhecidos. E é, sobretudo, a estes jovens que falo. Vocês, na coragem e na falta de prudência que é própria, são capazes de mudar o sentido da palavra “quixotada” e torná-la significativa de uma ação de dar gosto. Esta ação pode começar por um simples plástico colado a um carro, a uma moto, a uma bicicleta. Estes carros, estas motos, estas bikes, fazendo o papel de Rocinante, percorrerão esta cidade, e outras e mais outras e quem sabe até aqueles rincões longínquos onde a esperança há muito deixou de existir porque o “devêra de ser assim mesmo” instalou-se pra ficar. Nestes rincões seria melhor que ao invés de plástico o grito, o alerta, o chamamento tomasse corpo nos pára-choques dos caminhões que por lá passam carregados de comidas, frutas e até flores, informando a todos que deles só aproveitam a poeira, que em algum lugar neste País chegam bens que garantem a vida e a beleza do viver. E os olhos dos que não têm mais esperança desviariam o olhar da lona que cobre a carga, símbolo do impossível alcançar que diariamente os massacra, para a frase que resgata esta esperança:
QUE SE VAYAM TODOS!

Jacques Brel como Dom Quixote

Tuesday, November 08, 2005

Moquecá

dendê, fonte do azeite mais saudável que existe

Minha amiga bahiana Angela Mariani diz que a minha moqueca é boa mas não é moqueca, é moquecá, afrancesada. Na Bahia, segundo ela, não faria sucesso.

Bem, eu dispenso o que todo bahiano faz, quebrar o coco seco pra tirar o leite. Uso o leite de coco em garrafa ou em lata. Fora isso, não vejo muita diferença entre a minha moqueca e a deles, mas enfim...

Primeiro faço o molho, refogando no azeite (de oliva, que os bahianos chamam de azeite doce) muita cebola picada, pimentão e tomate. Acrescento coentro, salsa e cebolinha. Deixo esse molho cozinhar um tempão até ficar uniforme. Dependendo das cores do pimentão, o molho fica mais claro ou mais escuro. Uma vez eu levei os pimentões ao forno antes, pra queimar a pele e apurar o gosto. Ficou ótimo, mas a cor da moqueca acabou sendo escura demais. Assim mesmo o presidente Fernando Henrique, que comeu essa moqueca aqui em New York, adorou e repetiu três vezes.

Pronto o molho, acrescento rodelas de pimentão de várias cores e deixo cozinhar uns 20 minutos, sem deixar desmanchar. É pra enfeitar.

Adoro siri mole, daquele pequeno, difícil de achar. É mais saboroso. Então depois de bem limpinho é só botar no molho até ficar avermelhado. Pronto.

Também costumo botar carne de caranguejo, daquela da pata, que já vem solta. Também leva só uns dois minutos se tanto pra ficar pronto, senão desmancha.

Se for peixe (adoro o Chilean sea bass, mas é espécie ameaçada, então ficou difícil achar), leva uns 10 minutos pra cozinhar no molho, sem deixar desmanchar.

Por fim, a moqueca pode ser de camarão, que também leva um minuto mais ou menos pra ficar cozido no molho.

Simples, não? Da última vez juntei tudo: primeiro o peixe, depois o caranguejo, o siri mole e por fim o camarão. Ficou divina, a moquecá.

Ah, quase esqueço. Depois de pronta, fora do fogo, acrescenta-se o leite de coco e o azeite de dendê, a gosto (uso uma garrafinha de leite de coco para uma moqueca grande, e uma colher ou duas de dendê). O dendê vem da fazenda da Angela, um luxo.

Sirvo com molho de pimenta, arroz branco. E farofa de dendê: refogo a cebola no azeite, depois vou jogando a farinha sem deixar ficar seca, e por fim o dendê pra ficar bem amarelinha. E quem disser que azeite de dendê não é saudável vá se informar no site PalmOilWorld.org. Dendê faz bem à saúde, reduz o colesterol e é riquíssimo em vitaminas antioxidantes.