Friday, March 10, 2006

A negação de São Pedro, Gerrit van Honthorst


A Negação de São Pedro

O que é que Deus faz com as maldições e troças
Que sobem todo dia aos seus caros anjinhos?
Como um tirano farto de carne e de vinhos
Ele dorme ao som doce das blasfêmias nossas.

Os soluços dos mártires e torturados
Devem mesmo compor a melhor sinfonia;
Apesar da volúpia de sangue e agonia
O céu ainda não está bem saciado!

Ah, Jesus, lembra o Jardim das Oliveiras!
Humilde, de joelhos sobre a pedra dura,
Oravas àquele que ria da tortura
Que iria magoar a tua carne inteira.

Ao ver cuspirem sobre tua divindade
A ralé das cozinhas e os guardas mesquinhos
E ao sentir enterrarem-se os espinhos
No crânio onde vivia a imensa Humanidade,

Quando o peso horrível do teu corpo quebrado
Distendeu os teus braços, e quando teu sangue
E teu suor rolaram sobre o rosto exangue,
Ao ser diante de todos crucificado,

Será que sonhavas com os dias tão belos
Da tua vinda, promessa do livro eterno,
Da tua chegada, sobre um burrinho terno,
Pelos caminhos cheios de ramos singelos,

Quando, o coração repleto de esperança,
Chicoteaste os vendilhões com valentia
E eras mestre? O remorso não teria
Entrado no teu peito, mais fundo que a lança?

-- Quanto a mim deixarei satisfeito, decerto,
Um mundo onde a ação não é irmã do sonho;
Morro, mas, se puder, o ferro ao ferro oponho!
São Pedro renegou Jesus... estava certo!


Le Reniement de saint Pierre

Qu'est-ce que Dieu fait donc de ce flot d'anathèmes
Qui monte tous les jours vers ses chers Séraphins?
Comme un tyran gorgé de viande et de vins,
II s'endort au doux bruit de nos affreux blasphèmes.

Les sanglots des martyrs et des suppliciés
Sont une symphonie enivrante sans doute,
Puisque, malgré le sang que leur volupté coûte,
Les cieux ne s'en sont point encore rassasiés!

-- Ah! Jésus, souviens-toi du Jardin des Olives!
Dans ta simplicité tu priais à genoux
Celui qui dans son ciel riait au bruit des clous
Que d'ignobles bourreaux plantaient dans tes chairs vives,

Lorsque tu vis cracher sur ta divinité
La crapule du corps de garde et des cuisines,
Et lorsque tu sentis s'enfoncer les épines
Dans ton crâne où vivait l'immense Humanité;

Quand de ton corps brisé la pesanteur horrible
Allongeait tes deux bras distendus, que ton sang
Et ta sueur coulaient de ton front pâlissant,
Quand tu fus devant tous posé comme une cible,

Rêvais-tu de ces jours si brillants et si beaux
Où tu vins pour remplir l'éternelle promesse,
Où tu foulais, monté sur une douce ânesse,
Des chemins tout jonchés de fleurs et de rameaux,

Où, le coeur tout gonflé d'espoir et de vaillance,
Tu fouettais tous ces vils marchands à tour de bras,
Où tu fus maître enfin? Le remords n'a-t-il pas
Pénétré dans ton flanc plus avant que la lance?

-- Certes, je sortirai, quant à moi, satisfait
D'un monde où l'action n'est pas la soeur du rêve;
Puissé-je user du glaive et périr par le glaive!
Saint Pierre a renié Jésus... il a bien fait!

Poema Baudelaire, tradução Pontual

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