Saturday, March 11, 2006

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Paul Haggis ganhou dois Oscars: melhor filme e melhor roteiro

CRASH

Só fui ver Crash hoje, depois que ganhou o Oscar de surpresa. Um filme que não fez muito sucesso no ano passado e já estava passando na TV e sendo vendido em DVD. Não há dúvida que é um ótimo filme, mas se eu fosse da Academia teria votado em Brokeback Mountain.

Mas apesar da piada idiota de que Crash ganhou porque o diretor Paul Haggis segue a igreja da Cientologia, o filme tem grandes qualidades. Ao contrário de Brokeback Mountain, Crash não é uma reflexão profunda sobre um só tema (no caso de Brokeback, o amor). É o oposto, um caleidoscópio onde tudo entra: racismo, divisão de classes, intolerância, amor, sexo, ódio, política, o trânsito de Los Angeles, corrupção policial, tráfico de imigrantes ilegais, dependência de drogas, banditismo, kitsch natalino, amor filial, medo, violência, heroísmo, covardia. O único tema que une esse caos todo é a pergunta: você sabe quem você é?

No diálogo crucial do filme, o policial "vilão" Ryan (Matt Dillon) diz ao colega "bonzinho" Hanson (Ryan Philippe): "Você pensa que sabe quem você é. Você não tem a menor idéia".

Crash é um emaranhado muito bem armado de histórias cheias de reviravoltas, onde os "maus" são capazes de atos heróicos e os "heróis" de atos vis. Depois de anos de uma vida tumultuada de bem sucedido escritor de seriados de TV em Hollywood, o canadense Haggis, 52 anos, deu uma parada por sugestão de um amigo para se autoanalisar. "Não tinha a menor idéia de quem eu era. Era ao mesmo tempo uma pessoa boa e péssima, um amigo ótimo e um amigo terrível. Talvez todos nós sejamos assim, contraditórios: heróis convivendo com vilões".

O roteiro do filme, pelo qual Haggis também ganhou o Oscar, força um pouco a barra pelo excesso de coincidências, para em 113 minutos mostrar os dois lados de dezenas de personagens, um tour de force brilhante. Um crítico brincou: fica parecendo que em Los Angeles só moram 30 pessoas que se cruzam o tempo todo e se odeiam. São tantos atores, de igual importância na história, que na festa do Oscar o apresentador Jon Stewart pediu: "Quem não trabalhou em Crash por favor levante a mão". Ninguém levantou.

A experiência de escrever ficção para TV (tão diferente dessa atividade no Brasil, já que na TV americana no horário nobre os diálogos são sempre rápidos e brilhantes, as tramas muito sucintas e bem amarradas) deu um talento especial a Haggis. Ele ganhou o Oscar no ano passado de melhor roteiro por Million Dollar Baby.

Crash tem os diálogos mais ousados e politicamente incorretos sobre racismo que os americanos já ouviram no cinema - mas que são comuns nos seriados de TV. O humor dos diálogos atenua o drama das muitas tragédias que se repetem numa Los Angeles onde o único contato humano é o crash, a batida entre automóveis.

Também da TV Haggis traz a capacidade de se equilibrar entre o piegas e o autêntico, sem cair nos clichês habituais de Hollywood. Há uma cena que não posso descrever que pode ser vista tanto como uma das mais sentimentalóides da história do cinema, ou uma das mais mágicas e emocionantes. Fica a critério do freguês.

É a estréia de Haggis como diretor. Ele tem novos projetos com Clint Eastwood (que dirigiu Million Dollar Baby) sobre a batalha de Iwojima e outro sobre um pai que investiga a morte do filho, um soldado assassinado pelos companheiros de armas depois que volta da guerra no Iraque.

O melhor e mais entusiasmado artigo sobre Crash é o de David Denby na revista New Yorker, que saiu quando o filme foi lançado em maio (muito antes de Brokeback Mountain) e que você pode ler aqui. Para Denby, é o filme americano mais forte desde Mystic River de Clint Eastwood (2003). E trata do mesmo tema: você sabe quem você realmente é?

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Matt Dillon e Ryan Philippe. Ninguém sabe se é bom ou mau.

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