Wednesday, March 08, 2006
UM AMOR POSSÍVEL
Gostei muito do texto do Jabor sobre o filme Brokeback Mountain. O filme tem mesmo dimensão de tragédia grega. Mas o conto no qual ele se baseia, embora contenha essa tragédia e tenha sido adaptado de forma absolutamente fiel e brilhante, termina com uma abertura para a possibilidade do amor e do prazer, que falta ao filme. Não sou cineasta como o Jabor e não sei se teria sido possível introduzir esse elemento num filme, porque se trata de um sonho. E sonho em filme tende a ser piegas, inverossímil ou forçação de barra.
O conto de Annie Proulx, Brokeback Mountain, começa com Ennis del Mar (no filme Heath Ledger), já velho, acordando num trailer ainda mais miserável do que o do filme, de onde tem que sair porque terminou o trabalho temporário dele num rancho de criação de cavalos, sem saber se vai conseguir outro trabalho. Mas ele está impregnado (suffused) de prazer porque Jack (o personagem de Jake Gyllenhaal) estava no sonho dele.
No fim do conto, depois de toda a tragédia, quando Ennis pendura num prego, ao lado da foto da montanha onde eles se conheceram e foram felizes, o cabide com as camisas dele e de Jack, uma dentro da outra, como ele as tinha encontrado na casa dos pais do amante, escondidas no quarto dele por mais de 20 anos, é que Jack começa a aparecer nos sonhos de Ennis. O Jack que ele tinha visto pela primeira vez, com 18 anos, de cabelos encaracolados e um sorriso dentuço (Jack não se parece nada com o bonitão Jake Gyllenhal: é baixinho, gordinho e meio feioso). Depois que começou a sonhar com Jack, Ennis "acordava às vezes triste, às vezes com a antiga sensação de felicidade e gozo; o travesseiro às vezes molhado, às vezes os lençóis".
E a escritora conclui: "Havia um espaço aberto entre o que ele sabia e o que ele tentava acreditar, mas nada podia ser feito quanto a isso, e quando não tem conserto o jeito é aguentar".
Jabor se empolgou, com razão, com a dimensão épica desse amor impossível. Mas do jeito que Annie Proulx termina o conto, trazendo a história para a dimensão simples, cotidiana, do sonho, do travesseiro e dos lençóis molhados, da saudade triste e prazeirosa, ela faz do amor de Ennis e Jack algo que qualquer um de nós pode viver. E vive.
Leia aqui o texto em inglês do conto de Annie Proulx.
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