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Meu avô francês, André Faure, que eu chamava de Vuvu, era agnóstico. Não acreditava no
Bon Dieu, o deus de barba branca cercado de anjos pra quem a mãe dele, que era uma peste, ia rezar todos os dias na igreja.
Mas o Vuvu tinha um sentido profundo do sagrado, que ele encontrava na música. Cresci ouvindo com ele Mozart, Beethoven, Schubert, Brahms. Mas Bach era quem levava o Vuvu mais perto da transcendência - o que muitos chamam Deus.
Há alguns anos, gravei um Milênio para a Globo News, em Harvard, com o musicólogo Christoph Wolff, sobre o livro dele,
Johan Sebastian Bach, the learned musician. Um desses livros gostosos de ler e reler, cheio de detalhes inesperados.
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Fiquei sabendo que Bach tinha pavio curto e chegou a passar um mês na prisão por ter dito desaforos a um duque. Atrás das grades, para passar o tempo, ele começou a escrever o Cravo Bem Temperado.
Embora tenha passado a vida fazendo música religiosa, Bach não tinha nada de rígido, era um bon vivant. Wolff achou recibos assinados por ele e mostra que Bach consumia quantidades prodigiosas de café, tabaco, cerveja e álcool.
Depois que a família ia para a cama, ele se trancava sozinho no estúdio com o cachimbo e uma garrafa de cognac e escrevia música até altas horas.
Mas a melhor história é de Bach menino, com 11 ou 12 anos. Ele perdeu os pais cedo e foi criado pelo irmão mais velho, também músico como quase todos na família. O irmão possuía, trancada a sete chaves, uma coleção de partituras raras para cravo às quais o menino, que tocava desde os oito anos, não podia ter acesso. O maço de partituras ficava num armário com portas de grade. Todas as noites o pequeno Sebastian se levantava e ia até a sala copiar as partituras à luz da Lua, enfiando os dedinhos pelas grades para virar as páginas. Mas foi flagrado pelo irmão que confiscou a cópia. Só ao completar 15 anos, em 1700, ele recebeu de volta o caderno que ficou conhecido como os
manuscritos ao luar, hoje perdidos.
Aos 15, Bach saiu de casa para estudar música em outra cidade, caminhando mais de 300 quilômetros até lá. Naquela época só quem era rico andava a cavalo ou de carruagem. Pessoas comuns andavam a pé.
Nos 50 anos seguintes, Bach mudou a história da Música, como Newton mudou a da Física. Mas grande parte da obra dele se perdeu por incúria dos herdeiros. A desaparecida
Paixão Segundo São Marcos, por exemplo. Pode ser que essas partituras um dia sejam encontradas, como a coleção de obras de Bach e seus filhos que o próprio Wolff descobriu na Ucrânia nos anos 90.
Há pouco mais de um mês foi achada na Alemanha uma ária de Bach para soprano depois de passar três séculos guardada dentro de um livro de poesia, que foi salvo do incêndio da biblioteca de Weimar.
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Do belíssimo
Bach & Pixinguinha com arranjos de Mário Sève, cravo, e Marcelo Fagerlande, sopro:
Coral da Cantata "Wachet Auf"
Allemande do solo BWV 140
Jean Pierre Rampal,
Largo do Concerto para flauta em Sol menor
Ars Rediviva Orchestra,
Aria na corda Sol da Suite orquestral n. 3
Isaac Stern, violino, Leonard Bernstein,
Adagio do Concerto para violino n.2 em Mi maior
Isaac Stern, violino, Harold Gomberg, oboé, Bernstein,
Adagio do Concerto para violino e oboé em Dó menor
John Williams, violão,
Gavota da Suíte para alaúde em Mi maior
Friedrich Gulda, piano, Cravo Bem Temperado Vol. 1,
Prelúdio em Si bemol maior
Itzhak Perlman, violino,
Chacona da Partita n.2 em Ré menor (composta após a morte da primeira mulher de Bach, Maria Barbara)
Gustav Leonhardt, cravo,
Fantasia em Dó menor
Neues Bachisches Collegium Musicum Leipzig, A Arte da Fuga, Contraponto 13,
Fuga de três temas (última composição de Bach, inacabada, composta sobre as notas equilaventes às letras BACH)
Christa Ludwig, contralto,
Erbarme Dich, mein Gott, Paixão Segundo São Mateus (são Pedro pede perdão por ter traído Jesus)
Otto Klemperer, Philarmonia Orchestra and Choir,
Coro final da Paixão Segundo São Mateus