Thursday, July 28, 2005
Um dos lugares mais bonitos de New York é onde está enterrado o maestro Leonard Bernstein. Fica no cemitério Green-Wood, um dos mais antigos da cidade. Bernstein está em cima de uma colina no ponto mais alto do Brooklyn. De lá se vê ao longe a estátua da Liberdade.
É muito simples, apenas uma placa na grama: Leonard Berstein, 1918-1990. Há um banco de pedra entre dois pequenos ciprestes. E só. Os coveiros dizem que Bernstein de vez em quando é visto sentado no banco, cantarolando.
De Bernstein, New York, New York do musical On the Town.
Deitar na grama no Central Park, olhando o céu de um fim de tarde de verão, com aviões passando lá no alto, balões coloridos voando, a Lua crescente a despontar, e ouvir a suíte de West Side Story de Bernstein num concerto ao ar livre da New York Philarmonic. Nada mais gostoso nesta cidade.
Ouça o prólogo da suite.
Um dos boatos oficiais de New York é que Bernstein era gay, não muito enrustido. Assim como seu amigo e mentor, o compositor Aaron Copland. O que importa é que eles estão entre os dois maiores compositores americanos do século XX e contribuiram para popularizar a música de qualidade neste país.
De Copland, com Bernstein e a New York Philarmonic, Fanfarra para um Homem Comum.
Wednesday, July 27, 2005
Devo a Lúcia Guimarães ter conhecido Osvaldo Golijov, o compositor argentino que entrevistamos juntos numa série de programas culturais da IBM.
Além de ser encantador, Golijov é gênio. A família dele é de judeus da Europa Oriental que emigraram para a Argentina. Osvaldo nos contou que cresceu ouvindo o avô dele cantar música religiosa em hebraico. Juntou essa raiz ao tango de Piazzola e aos ritmos afrobrasileiros na Paixão Segundo São Marcos, que escreveu como parte das comemorações dos 250 anos da morte de Bach. Ter visto e ouvido essa obra-prima é uma das melhores experiências que eu tive aqui em New York. A solista é a brasileira Luciana Souza. O coral é venezuelano, a Schola Cantorum de Caracas. A Paixão voltará a ser apresentada aqui em fevereiro do ano que vem. Se você estiver pensando em vir, não perca. Será no Rose Theatre, a nova sala do Lincoln Center Jazz Festival.
Ouça a Agonia de Jesus, com Luciana Souza e o coral venezuelano. O cubano Reynaldo González Fernández faz a voz de São Marcos. No palco, um capoeirista brasileiro faz a figura de Jesus.
O trecho é aquele em que Jesus diz: Abba (pai), afasta de mim este cálice.
Sunday, July 24, 2005
... olhar aquele quadro era como ouvir uma música muito próxima ao silêncio, como ser muito lentamente possuído pela melancolia e a felicidade. Compreendeu num instante que era assim como ele deveria tocar o piano, igual que havia pintado aquele homem: com gratidão e pudor, com sabedoria e inocência, como sabendo tudo e ignorando tudo, com a delicadeza e o medo com que alguém se atreve pela primeira vez a uma carícia, a uma necessária palavra. As cores, diluídas na água e na distância, desenhavam sobre o espaço branco uma montanha violeta, uma planura de ligeiras manchas verdes que pareciam árvores ou sombras de árvores na penumbra de uma tarde de verão, um caminho perdendo-se pelas encostas...
Antonio Muñoz Molina, O Inverno em Lisboa, cap. XVI.
Eric Satie, Gymnopédies, I, II, III , Aldo Ciccolini, piano
Saturday, July 23, 2005
Além de gravar suas próprias canções, o compositor e cantor Léo Ferré (1916-1993) se dedicou a musicar a obra dos grandes poetas franceses, começando pelas Flores do Mal de Baudelaire. Estas são algumas das faixas do primeiro disco dele (são dois), de 1967, acompanhadas das minhas traduções.
Spleen
À une Malabaraise
L'étranger
Le soleil
À une passante
Le flacon
Abel et Caïn
La géante
Les bijoux
La musique
La beauté
Recueillement
Le vert paradis (Moesta et errabunda)
Friday, July 22, 2005
Eu era apaixonado pela Françoise Hardy. Quando ela estourou em 1962 com Tous les Garçons et les Filles de Mon Age as meninas pediam para eu tirar a letra e traduzir...
Depois não acompanhei mais a carreira dela. De repente me deu saudade e fui googlar. E olha só nas duas fotos lá embaixo como amadureceu bem. Ninguém diz que tem 61 anos. Também é cantor o filho, Thomas, dela com o roqueiro Jacques Dutronc - este eu vi em Paris e é genial. O último disco da bela é Tant de Belles Choses.
Tous les Garçons et les Filles de mon Age
Tant de Belles Choses
Minha querida Anna Maria me manda canções de Bola de Nieve, o músico cubano (1911-1971) que eu não conhecia. Que delícia. Li por aí que ele foi tolerado pelo Fidel embora fosse gay porque era castrista e discreto. Discreto??
Drume Negrita
La Vie en Rose
Vete de Mi
Babalu
El Manisero
Be Careful, it's My Heart
No Puedo Ser Feliz
Thursday, July 21, 2005
Saudade do Rio em New York. Ella abraça Jobim.
Song of the jet (Samba do avião), Tom Jobim
Quiet nights of quiet stars (Corcovado), Tom Jobim
Tesouro fotográfico
Um bom lugar para visitar em New York é o International Center of Photography. Possui um grande acervo de fotos e faz exposições de qualidade.
O centro acaba de se associar à George Eastman House, um museu de fotos criado em Rochester, no norte do estado, pelo fundador da Kodak.
Os dois criaram o site PhotoMuse.org para botar suas coleções online. Mas, ao contrário de outros sites do gênero, como Corbis e Getty, o acesso é gratuito. E as fotos podem ser baixadas por quem quiser.
Por enquanto o site está em construção e só tem cerca de 1 600 fotos. A meta é botar centenas de milhares de fotos à disposição do público.
Esta é uma pequena amostra do que já está online.
Wednesday, July 20, 2005
We shall overcome
Nos anos 60 eu via os Estados Unidos através dos folk singers Peter, Paul and Mary e Pete Seeger. Depois veio a Joan Baez e por fim o Bob Dylan.
Mas até hoje eu tenho um carinho especial pelo Pete Seeger.
Angela e eu tivemos a sorte de ver um concerto dele alguns anos atrás. Aos 86, ele está meio aposentado da música mas continua ativo como ambientalista.
Seeger foi recrutado para o Partido Comunista pelo próprio pai. Como cantor e compositor, fez parte, ao lado de Woody Guthrie, da Frente Popular nos anos 30 e 40 quando a esquerda tinha forte penetração Estados Unidos.
Foi dos poucos a desafiar a caça às bruxas sob o macartismo, e por isso condenado a 10 anos de prisão, pena depois comutada.
Esteve à frente dos movimentos contra a guerra do Vietnam e pelos direitos civis dos negros.
Mas hoje os cidadãos tanto da cidade quanto do estado de New York amam Pete Seeger como o homem que salvou o rio Hudson.
Seeger teve uma idéia genial. Mandou construir um grande iate, o Clearwater, laboratório flutuante para estudar as águas do rio. Depois de décadas de poluição, o Hudson era um rio morto. O Clearwater é hoje oficialmente chamado de Nau Capitânea do Ambientalismo.
Mais de 400 mil pessoas, principalmente alunos das escolas públicas, já velejaram no iate para aprender noções básicas de preservação da natureza.
E o melhor é que o Hudson foi salvo, porque o movimento fundado por Seeger pressionou o Congresso até aprovar a Lei da Água Limpa, que obrigou as indústrias a pararem de poluir os rios do país.
Hoje é possível pescar e nadar em qualquer ponto do Hudson.
A atual campanha de Pete Seeger é para fechar a usina nuclear de Indian Point, à beira do Hudson. Um acidente ou ataque terrorista à usina seria uma catástrofe ambiental que obrigaria à evacuação da grande New York num raio de 50 km. Mais de 20 milhões de pessoas teriam que fugir.
No concerto de Pete Seeger, que continua com a mesma voz forte e bom humor contagiante, a idade média do público era de 60 anos - a geração que lutou contra a guerra do Vietnam e ainda tem a esperança de que este país volte a ser a terra da liberdade.
Pete Seeger canta We Shall Overcome, Nós Venceremos, um velho spiritual que ele redescobriu e transformou no hino do movimento pelos direitos civis.
Com Arlo Guthrie, filho do genial parceiro Woody Guthrie, Seeger canta uma das canções mais bonitas que compôs, Where have all the flowers gone? , e This Land is my Land, de Woody Guthrie, ao mesmo tempo uma declaração de amor à América e um hino socialista.
Pete Seeger canta sozinho o spiritual negro Swing Low Sweet Chariot.
Tuesday, July 19, 2005
Walt Whitman
New York comemora os 150 anos da publicação de Leaves of Grass por seu maior poeta, Walt Whitman.
Com apenas dois anos de diferença, saíram, quase incógnitos, os dois livros de poesia mais fecundos deste século e meio: Leaves of Grass e Les Fleurs du Mal (1857).
Baudelaire e Whitman são antípodas - um amava as mulheres, o outro os homens, um era refinado, burguês e melancólico, o outro simples, proletário e cheio de energia - mas têm em comum, além da quase coincidência de data, o fato de terem publicado um único livro de poesia, ao qual foram acrescentando poemas ao longo da vida.
Baudelaire, dois anos mais novo, morreu muito antes e não há registro de que tenha ouvido falar em Whitman, embora ambos compartilhassem a paixão por Edgar Allan Poe.
Whitman, que ainda viveu mais 25 anos, conheceu Baudelaire através de Oscar Wilde e não gostou.
Campeão do verso livre, Whitman disse que os poemas rimados e de métrica rígida do francês eram "doentios", "matemáticos", "uma máquina, uma escravidão". Wilde, esteta e dandy como Baudelaire, não concordou com o velho mestre.
O poema que segue é o terceiro na série Calamus de Leaves of Grass.
WHOEVER you are holding me now in hand,
Without one thing all will be useless,
I give you fair warning, before you attempt me further,
I am not what you supposed, but far different.
Who is he that would become my follower?
Who would sign himself a candidate for my affections? Are you he?
The way is suspicious—the result slow, uncertain, may-be destructive;
You would have to give up all else—I alone would expect to be your God, sole and exclusive,
Your novitiate would even then be long and exhausting,
The whole past theory of your life, and all conformity to the lives around you, would have to be abandoned;
Therefore release me now, before troubling yourself any further—Let go your hand from my shoulders,
Put me down, and depart on your way.
Or else, only by stealth, in some wood, for trial,
Or back of a rock, in the open air,
(For in any roofed room of a house I emerge not—nor in company,
And in libraries I lie as one dumb, a gawk, or unborn, or dead,)
But just possibly with you on a high hill—first watching lest any person, for miles around, approach unawares,
Or possibly with you sailing at sea, or on the beach of the sea, or some quiet island,
Here to put your lips upon mine I permit you,
With the comrade's long-dwelling kiss, or the new husband's kiss,
For I am the new husband, and I am the comrade.
Or, if you will, thrusting me beneath your clothing,
Where I may feel the throbs of your heart, or rest upon your hip,
Carry me when you go forth over land or sea;
For thus, merely touching you, is enough—is best,
And thus, touching you, would I silently sleep and be carried eternally.
But these leaves conning, you con at peril,
For these leaves, and me, you will not understand,
They will elude you at first, and still more afterward—I will certainly elude you,
Even while you should think you had unquestionably caught me, behold!
Already you see I have escaped from you.
For it is not for what I have put into it that I have written this book,
Nor is it by reading it you will acquire it,
Nor do those know me best who admire me, and vauntingly praise me,
Nor will the candidates for my love, (unless at most a very few,) prove victorious,
Nor will my poems do good only—they will do just as much evil, perhaps more,
For all is useless without that which you may guess at many times and not hit—that which I hinted at,
Therefore release me, and depart on your way.
(tradução Jorge Pontual)
Seja você quem for segurando-me na mão,
Sem uma coisa tudo será inútil,
Aviso a tempo, antes que me tente mais,
Eu não sou o que você supôs, mas muito diferente.
Quem é aquele que se tornaria meu seguidor?
Quem se assinaria candidato às minhas afeições? Você é ele?
O caminho é suspicaz - o resultado lento, incerto, talvez destrutivo;
Você teria que desistir de tudo o mais - eu sozinho esperaria ser seu Deus, único e exclusivo,
Seu noviciado seria assim mesmo longo e exaustivo,
Toda a teoria passada da sua vida, e toda a conformidade às vidas ao seu redor, teriam que ser abandonadas;
Portanto solte-me agora, antes de se dar ao trabalho - Tire as mãos dos meus ombros,
Largue-me, e siga o seu caminho.
Ou senão, apenas de leve, nalgum bosque, para tentar,
Ou atrás de uma pedra, ao ar livre,
(Pois em qualquer aposento coberto de uma casa eu não me mostro - nem em companhia,
E em bibliotecas deito como um mudo, um parvo, ou não nascido, ou morto, )
Mas apenas talvez com você numa alta colina - primeiro vigiando para que ninguém, por milhas em torno, se aproxime despercebido,
Ou talvez com você velejando no mar, ou na praia do mar, ou alguma ilha calma,
Aqui botar seus lábios nos meus eu lhe permito,
Com o beijo demorado dos camaradas, ou o beijo do novo marido,
Pois eu sou o novo marido, e eu sou o camarada.
Ou, se quiser, me enfiando sob a sua roupa,
Onde eu possa sentir as batidas do seu coração, ou descansar no seu quadril,
Carregar-me quando atravessar terra ou mar;
Pois assim, apenas tocando você, é o bastante - é o melhor,
E assim, tocando você, eu dormiria em silêncio e seria levado eternamente.
Mas se você enganar estas folhas, corre perigo,
Pois estas folhas, e eu, você não entenderá,
Elas vão lhe escapar de pronto, e ainda mais depois - eu certamente vou lhe escapar,
Mesmo quando você ache que sem dúvida me pegou, cuidado!
Você já pode ver que eu lhe escapei.
Pois não é pelo que pus nele que escrevi este livro,
Nem é ao lê-lo que você irá adquiri-lo,
Nem aqueles que melhor me conhecem e admiram, e me elogiam com alarde,
Nem os candidatos ao meu amor, (a não ser no máximo pouquíssimos) serão vitoriosos,
Nem meus poemas farão só o bem - farão o mal também, talvez mais,
Pois tudo é inútil sem o que você pode ter pensado muitas vezes mas não atingido - o que eu insinuei,
Portanto larga-me, e segue o seu caminho.
Monday, July 18, 2005
Filosofia (Noel Rosa, 1933)
O mundo me condena
E ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber
Se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome.
Mas a filosofia
Hoje me auxilia
A viver indiferente assim.
Nesta prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Para ninguém zombar de mim.
Não me incomodo
Que você me diga
Que a sociedade
É minha inimiga.
[Hoje] cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba
Muito embora vagabundo.
Quanto a você
Da aristocracia
Que tem dinheiro
Mas não compra alegria
Há de viver eternamente
Sendo escrava desta gente
Que cultiva hipocrisia.
Luanda Cozetti, Filosofia, Noel Rosa
Seu Jorge
Saiu no New York Times neste domingo:
By BEN RATLIFF
Published: July 17, 2005
Seu Jorge
The Brazilian actor who played Knockout Ned in "City of God" and the singing sailor Pelé dos Santos - perpetually breaking into David Bowie tunes with roundabout Portuguese translations - in "The Life Aquatic" has made his second album, "Cru." It's impossibly likable. Mr. Jorge doesn't have the greatest voice - it is deep, droopy, quavery and half-swallowed, and can fall off pitch. But he is one of the few examples of an actor who uses an actor's tools to make a singing performance work, as opposed to just trying to impersonate a good singer. In a samba-funk version of Serge Gainsbourg's "Chatterton," he tries to make his deep voice as raspy as Gainsbourg's, until he has a coughing fit, then turns his voice into a squeak. But it's not just a hipster comedic act, keeping you at a distance: on a few gorgeous ballads by the young songwriter Robertinho Brant, he transmits deeper emotion as if he doesn't care how it sounds - which, of course, makes you need to hear it again. Great production, too: simple, funky where it needs to be, bare-bones to let the ballads get through more clearly. "Cru" appears in the United States (on the Wrasse label) Sept. 6; it's out in Europe already, on the hip French label Naïve and the British label Beleza, and available at http://www.dustygroove.com/.
Seu Jorge, Cotidiano, Chico Buarque; Starman, Life on Mars, Rock n' Roll Suicide, Rebel Rebel, David Bowie/Seu Jorge (do filme The Life Aquatic)
Saturday, July 16, 2005
Guerra e inferno
Acabo de ver a exposição Guerra e Inferno na Neue Galerie aqui perto de casa. É apenas uma sala pequena mas leva a gente ao inferno da Grande Guerra, 1914-18, o primeiro dos muitos horrores do século XX.
São gravuras de Max Beckmann, Die Hölle (inferno em alemão é feminino) e Otto Dix, Der Krieg (guerra é masculino).
É parte do movimento que entrou para a história como o Expressionismo alemão, obras que mais tarde Hitler mandou queimar como "arte degenerada".
Na série de Beckmann vê-se a Alemanha do fim da primeira guerra, com os comunistas nas ruas tentando fazer a revolução, logo esmagada. Uma das gravuras mostra o assassinato de Rosa Luxemburgo. Outra, a vitória dos valores da ideologia dominante: família e pátria. O Inferno ironiza a aliança da burguesia e dos militares para esmagar a revolução. Beckmann se exilou nos Estados Unidos e morreu em New York em 1950.
Na série A Guerra, Otto Dix retrata os horrores da linha de frente onde passou quatro anos como soldado. Tem o mesmo impacto dos Desastres da Guerra de Goya. Talvez ainda maior, quando se percebe que Dix desenha o que vê, sem nenhum exagero. Olha na cara o horror da morte, com ironia. A juventude européia partiu eufórica para a guerra, enaltecida como força de progresso e renovação. Poucos tiveram a coragem de mostrar o que a guerra realmente é. Por isso Dix e Beckmann foram perseguidos pelos nazistas e tiveram suas obras destruídas.
A Neue Galerie se dedica à arte da Áustria e da Alemanha na primeira metade do século XX. Tem quadros belíssimos de Gustav Klimt, Egon Schiele, Oskar Kokoschka e Paul Klee, móveis e objetos de Joseph Hoffman.
É dos dos períodos mais férteis da cultura européia: Freud, Thomas Mann, Schönberg, os pintores expressionistas, e mais tarde Brecht, Kurt Weill, os diretores de cinema que emigraram para Hollywood - Murnau, Fritz Lang, Lubitsch, Billy Wilder.
Para ouvir:
Kurt Weill, Tango-Balada da Ópera dos Trens Vinténs, London Sinfonietta
Ute Lemper, Alabama Song, Brecht/Weill
Teresa Stratas, Surabaya Johnny, Brecht/Weill
Arnold Schönberg, Noite Transfigurada, Adagio, Herbert Karajan, Filarmônica de Berlim
Pela décima vez (Noel Rosa, 1934)
Jurei não mais amar pela décima vez
Jurei não perdoar o que ela me fez
O costume é a força que fala mais forte do que a natureza
E nos faz dar provas de fraqueza
Joguei meu cigarro no chão e pisei
Sem mais nenhum aquele mesmo apanhei e fumei
Através da fumaça neguei minha raça chorando, a repetir:
Ela é o veneno que eu escolhi pra morrer sem sentir
Senti que o meu coração quis parar
Quando voltei e escutei a vizinhança falar
Que ela só de pirraça seguiu com um praça ficando lá no xadrez
Pela décima vez ela está inocente nem sabe o que fez.
Maria Bethania, Pela décima vez, Songbook Noel
Noel considerava este o seu melhor samba.
Friday, July 15, 2005
Quem dá mais (Noel Rosa, 1931)
Quem dá mais? Por uma mulata que é diplomada em matéria de samba e de batucada, com as qualidades de moça formosa, fiteira e vaidosa, e muito mentirosa...
Cinco mil réis, duzentos mil réis, um conto de réis! Ninguém dá mais de um conto de réis? O Vasco paga o lote na batata e em vez de barata oferece ao Russinho uma mulata *.
Quem dá mais... Por um violão que toca em falsete, que só não tem braço, fundo e cavalete, pertenceu a dom Pedro, morou no palácio, foi posto no prego por José Bonifácio...
Vinte mil réis, vinte e um e quinhentos, cinqüenta mil réis! Quem arremata o lote é um judeu, quem garante sou eu, pra vendê-lo pelo dobro no museu...
Quem dá mais... Por um samba feito nas regras da arte, sem introdução e sem segunda parte, só tem estribilho, nasceu no Salgueiro, exprime dois terços do Rio de Janeiro...
Quem dá mais... Quem dá mais de um conto de réis? Quem dá mais... Quem dá mais...
Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três! Quanto é que vai ganhar o leiloeiro, que é também brasileiro, que em três lotes vendeu o Brasil inteiro?... Quem dá mais...
* Segundo Omar Jubran, em Noel Pela Primeira Vez (2000), Russinho, jogador de futebol mais popular do Brasil, havia sido premiado com uma barata da Chrysler, como eram chamados os automóveis esportivos na época.
Quem dá mais, Eduardo Dusek, do Songbook Noel de Almir Chediak
Thursday, July 14, 2005
Manuscritos ao luar
Meu avô francês, André Faure, que eu chamava de Vuvu, era agnóstico. Não acreditava no Bon Dieu, o deus de barba branca cercado de anjos pra quem a mãe dele, que era uma peste, ia rezar todos os dias na igreja.
Mas o Vuvu tinha um sentido profundo do sagrado, que ele encontrava na música. Cresci ouvindo com ele Mozart, Beethoven, Schubert, Brahms. Mas Bach era quem levava o Vuvu mais perto da transcendência - o que muitos chamam Deus.
Há alguns anos, gravei um Milênio para a Globo News, em Harvard, com o musicólogo Christoph Wolff, sobre o livro dele, Johan Sebastian Bach, the learned musician. Um desses livros gostosos de ler e reler, cheio de detalhes inesperados.
Fiquei sabendo que Bach tinha pavio curto e chegou a passar um mês na prisão por ter dito desaforos a um duque. Atrás das grades, para passar o tempo, ele começou a escrever o Cravo Bem Temperado.
Embora tenha passado a vida fazendo música religiosa, Bach não tinha nada de rígido, era um bon vivant. Wolff achou recibos assinados por ele e mostra que Bach consumia quantidades prodigiosas de café, tabaco, cerveja e álcool.
Depois que a família ia para a cama, ele se trancava sozinho no estúdio com o cachimbo e uma garrafa de cognac e escrevia música até altas horas.
Mas a melhor história é de Bach menino, com 11 ou 12 anos. Ele perdeu os pais cedo e foi criado pelo irmão mais velho, também músico como quase todos na família. O irmão possuía, trancada a sete chaves, uma coleção de partituras raras para cravo às quais o menino, que tocava desde os oito anos, não podia ter acesso. O maço de partituras ficava num armário com portas de grade. Todas as noites o pequeno Sebastian se levantava e ia até a sala copiar as partituras à luz da Lua, enfiando os dedinhos pelas grades para virar as páginas. Mas foi flagrado pelo irmão que confiscou a cópia. Só ao completar 15 anos, em 1700, ele recebeu de volta o caderno que ficou conhecido como os manuscritos ao luar, hoje perdidos.
Aos 15, Bach saiu de casa para estudar música em outra cidade, caminhando mais de 300 quilômetros até lá. Naquela época só quem era rico andava a cavalo ou de carruagem. Pessoas comuns andavam a pé.
Nos 50 anos seguintes, Bach mudou a história da Música, como Newton mudou a da Física. Mas grande parte da obra dele se perdeu por incúria dos herdeiros. A desaparecida Paixão Segundo São Marcos, por exemplo. Pode ser que essas partituras um dia sejam encontradas, como a coleção de obras de Bach e seus filhos que o próprio Wolff descobriu na Ucrânia nos anos 90.
Há pouco mais de um mês foi achada na Alemanha uma ária de Bach para soprano depois de passar três séculos guardada dentro de um livro de poesia, que foi salvo do incêndio da biblioteca de Weimar.
Do belíssimo Bach & Pixinguinha com arranjos de Mário Sève, cravo, e Marcelo Fagerlande, sopro:
Coral da Cantata "Wachet Auf"
Allemande do solo BWV 140
Jean Pierre Rampal, Largo do Concerto para flauta em Sol menor
Ars Rediviva Orchestra, Aria na corda Sol da Suite orquestral n. 3
Isaac Stern, violino, Leonard Bernstein, Adagio do Concerto para violino n.2 em Mi maior
Isaac Stern, violino, Harold Gomberg, oboé, Bernstein, Adagio do Concerto para violino e oboé em Dó menor
John Williams, violão, Gavota da Suíte para alaúde em Mi maior
Friedrich Gulda, piano, Cravo Bem Temperado Vol. 1, Prelúdio em Si bemol maior
Itzhak Perlman, violino, Chacona da Partita n.2 em Ré menor (composta após a morte da primeira mulher de Bach, Maria Barbara)
Gustav Leonhardt, cravo, Fantasia em Dó menor
Neues Bachisches Collegium Musicum Leipzig, A Arte da Fuga, Contraponto 13, Fuga de três temas (última composição de Bach, inacabada, composta sobre as notas equilaventes às letras BACH)
Christa Ludwig, contralto, Erbarme Dich, mein Gott, Paixão Segundo São Mateus (são Pedro pede perdão por ter traído Jesus)
Otto Klemperer, Philarmonia Orchestra and Choir, Coro final da Paixão Segundo São Mateus
Tuesday, July 12, 2005
Little Nemo
Não é o Nemo Nox, não é o Nemo da Disney. É Little Nemo in Slumberland, a história em quadrinhos de Winsor McCay que revolucionou as comic strips. Saiu no jornal New York Herald de 1905 a 1911.
Slumberland, a terra do sono, é New York à noite, por onde a cama de Nemo anda sobre os telhados.
As fotos foram feitas por mim, hoje no fim da tarde, aqui no bairro onde trabalho perto do City Hall, sede da prefeitura, onde ainda tem muita coisa daquela época.
A música popular da época era o ragtime. Você ouve aqui o rei do ragtime, Scott Joplin, em The Entertainer.
Só mesmo em New York um garoto judeu chamado George Gershwin poderia aprender os rags tocados pelo negro Scott Joplin, tornando-se pianista profissional aos 15 anos e o maior compositor americano do século.
Este rag, composto por Gershwin, reproduzido a partir de um rolo para piano feito por ele em 1916, é intitulado When you want them you can't get them, when you've got them you don't want them.
Já este fox trot genial, Sweet and Lowdown , título que Woody Allen usou num dos seus melhores filmes, é de 1926.
Imagino Gershwin menino que nem o Little Nemo passando por estas mesmas ruas e se encantando com os primeiros arranha-céus do mundo... E eles ainda estão aqui.