Saturday, January 28, 2006
George Jonas, o autor do livro The Vengeance, no qual se baseia o filme Munique, escreveu um longo depoimento, "O Massacre de Spielberg", sobre como o roteiro foi feito, sem qualquer participação dele, e o que pensa do filme, que pode ser lido aqui. Para Jonas, que é judeu, anti-sionismo é sinônimo de anti-semitismo. Segundo ele, ser contra a existência de Israel (anti-sionismo) é o mesmo que ter ódio aos judeus (anti-semitismo). Isso o coloca no pólo oposto ao do roteirista do filme, Tony Kushner, um conhecido judeu americano anti-sionista.
Jonas nasceu em 1935 em Budapest e em 1956 emigrou para o Canadá, onde se tornou um conhecido jornalista e escritor. No início dos anos 80, foi contratado pela editora Collins para escrever o livro, baseado na história de um ex-oficial do Mossad que contou ter eliminado líderes palestinos a serviço de Israel (os israelenses sempre negaram, e continuam negando, que a história dele seja verdadeira). Jonas chamou-o de Avner. Durante um ano ele pesquisou a história de Avner e passou a acreditar nele. O livro descreve como Avner e seu pequeno grupo executam a missão de matar 11 palestinos, em resposta à execução de 11 atletas israelenses na Olimpíada de Munique, em 1972, por terroristas da Organização de Libertação da Palestina, sob o comando de Yasser Arafat.
Segundo Jonas, o filme de Spielberg segue o livro à letra, mas o espírito é o oposto. O livro mantem que há uma diferença entre terrorismo e contraterrorismo. O filme sugere que não há diferença. Para o livro, é fácil distinguir um ato de guerra de um crime de guerra. No filme, é difícil. A preocupação de Spielberg é o dilema moral de resistir ao terror. O livro se preocupa com o dilema moral de não resistir. No filme, Avner é paralisado pela dúvida moral. No livro, ele não duvida da moralidade do que faz, e sim da honestidade dos seus chefes, que não lhe dão as recompensas prometidas.
Spielberg entrou em contato pessoalmente com a fonte de Jonas, mas não com o escritor. Por isso, este não sabe o que Avner contou a Spielberg e ao seu roteirista, o autor de teatro Tony Kushner. Uma cena crucial no filme, a conversa entre Avner, disfarçado de terrorista alemão do Bader Meinhof, e Ali, um palestino, não está no livro porque Avner nunca a mencionou a Jonas.
"É uma cena", escreve Jonas, "didática, artificial e um pouco ridícula, que não deixa nenhum clichê de lado - mas não é ilegítima. Munique não é um documentário. Spielberg e Kushner têm todo o direito de botar as palavras deles na boca de Avner, mesmo que ele soe como um personagem que entrou no estúdio errado, vindo de uma telenovela: "Me diga uma coisa, Ali. Você tem mesmo saudade das oliveiras do seu pai?" Mas talvez o timoneiro e seu estenógrafo (nota: Spielberg e Kushner) não tenham inventado muito. É possível que, na tradição dos informantes e arapongas, minha fonte tenha dito aos cineastas esquerdistas o que eles queriam ouvir. Se Spielberg, uma pomba, estava procurando um porrete para bater nos falcões de Israel - e da América - minha ex-fonte deve ter se disposto a entregá-lo. O resultado não é tanto uma fábula da equivalência moral, e sim um triunfante - até orgásmico - hino de batalha da pomba".
"Numa era de caos moral, não conte com Hollywood para restaurar a clareza. Com todo o respeito à cultura popular e seu mestre inegável, não se chega à moralidade sendo neutro em relação ao bem e ao mal. Spielberg pode ser um fabuloso entertainer, um diretor mágico, um negociante esperto - talvez seja demais querer que ele também se torne um filósofo moral. Ele leva à tela o olhar inocente de um adolescente: essa é a força dele. Leva também a confusão ingênua de um adolescente: essa é a sua fraqueza. Fora da tela, sua fraqueza toma conta quando ele se perde numa fantasia bem hollywoodiana: planeja distribuir 250 cameras de video para crianças palestinas e israelenses, 125 para cada grupo, para que registrem suas vidas cotidianas, troquem fitas e dialoguem. (Minha mulher diz que alguns jovens palestinos vão usar as cameras de Spielberg para gravar suas despedidas como terroristas suicidas). Não há nada como a megalomania de um diretor de cinema misturada a ilusões 'progressistas'."
Spielberg declarou que o objetivo do filme é não demonizar nem os judeus, nem os palestinos. Jonas comenta que, segundo alguns jornalistas, os judeus não vão gostar do filme, porque "trata os palestinos como seres humanos". Para ele essa é uma insinuação anti-semita. "Tratar os palestinos como seres humanos não desagrada aos judeus. O que desagrada é tratar os terroristas como seres humanos. Não demonizar seres humanos é ótimo, mas em seu esforço para não demonizar seres humanos, Spielberg e Kushner acabam humanizando demônios".
Jonas observa que entre o livro e o filme se passaram 20 anos, e o mundo mudou. "Em 1972, os terroristas encapuzados do Setembro Negro eram os vilões. Até chefes terroristas como Yasser Arafat tentavam se distanciar de massacres como o de Munique. Em 2005, as coisas são mais equívocas. Tanto os terroristas quanto os contraterroristas estão saindo do armário para contar vantagem na TV. Questionando a moralidade dos contraterroristas, os terroristas começaram a atribuir justificativa e legitimidade aos seus atos. Logo a mídia estava descrevendo os sequestradores e autores de atentados a bomba como "militantes" e "insurgentes", transformando a explosão de pessoas em cidades e aviões em método legítimo de expressão política. Imagens dos aviões batendo nas torres do World Trade Center levaram as pessoas a dançar nas ruas em todo o mundo árabe. O novo milênio tornou-se o Século Terrorista."
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