
Estou fazendo desde ontem um boeuf bourguignon - boi borguinhão - para o jantar deste sábado. É um prato francês caseiro e barato, não é coisa de restaurante chic. Coisa da vovó. Aprendi com a Julia Child, num dos livros dela.

Julia Child era muito pândega. Introduziu a cozinha francesa nos EUA nos anos 50, com um programa diário na TV. Fez o programa até morrer ano passado aos 91 anos. Era grande, altíssima e meio curvada - no final MUITO curvada, de dar aflição - sempre com o cabelo arrumado e falando depressa com uma voz aguda, jeito de aristocrata maluquinha.

Uma vez vi Julia Child cozinhando na TV ao lado de Jacques Pépin, que começou como assistente dela e acabou também ficando célebre. Pépin ofereceu a Julia algo que ele fez, ela provou, riu e disse com nonchalance: "É, não está dos piores". Julia Child era sempre hilariante e cheia de energia, dava vontade de cozinhar com ela.

Um dos maiores fenômenos na blogosfera se deve a Julia Child. Julie Powell, uma jovem secretária daqui de New York, desempregada, resolveu fazer todas as receitas do livro clássico de Julia Child, Mastering the Art of French Cooking. E fez, contando tudo dia-a-dia no blog dela, The Julie/Julia Project. Foi um tal sucesso que o blog virou livro, recém-lançado. Já é um best seller. Que idéia genial. Da primeira vez que tentou o boeuf bourguignon, Julie bebeu (erro tremendo, beber enquanto se cozinha), dormiu, e a carne queimou. Teve que começar de novo no dia seguinte.

Julia Child é terrível porque o lema dela parece ser: pra que simplificar o que você pode complicar? Durante os anos em que ela viveu na França, quando jovem, aprendeu que o segredo da cozinha francesa é trabalho, muito trabalho, o que a minha avó franco-espanhola, a melhor cozinheira que já conheci, chamava de "huile de coude", óleo de cotovelo. Minha avó não tinha empregada e passava o dia na cozinha preparando maravilhas.

Traindo minha avó e Julia Child ao mesmo tempo, reduzi um pouco o trabalho deste boeuf bourguignon. O certo era ter começado fazendo o caldo de carne, o que leva horas. Primeiro leva-se ao forno brando uma travessa com ossos e um pouco de água. Quando ao fim de uma ou duas horas os restos de carne se soltam dos ossos e o tutano derrete, os ossos são raspados e jogados fora e o resultado, crocante e melado, é levado ao fogo com água, vinho branco, ervas, cebola, alho, por mais uma ou duas horas, até reduzir e ficar um caldo grosso, escuro e gelatinoso. É uma delícia.

Para minha sorte, uma loja aqui perto vende esse caldo pronto, perfeito, comme il faut , como tem que ser. Então passei a pular esta primeira etapa, economizando algumas horas.
Comecei na tarde de sexta, fritando meio quilo de toucinho cortado em cubinhos, numa frigideira grande (32 cm) e funda, de fundo grosso e chato. Primeiro fogo bem alto, depois baixo, tampado, até a gordura derreter - mas sem deixar queimar. Separei os torresmos e usei a gordura para preparar a carne.

Usei dois quilos de carne de segunda. Aqui vendem como beef stew, carne para cozido, acho que no Brasil seria músculo, patinho ou chã-de-dentro. Custa um quarto do preço do filet mignon. Passei algumas colheres de mostarda tipo Dijon na carne cortada em cubos grandes (5 a 7cm), até os cubos ficarem bem lambuzados de amarelo.
Na gordura bem quente, fui fritando a carne aos poucos (foram quatro vezes, os cubos têm que ficar bem soltos na frigideira para fritar bem), até ficar levemente tostada. Isso "sela" a superfície da carne, preserva os sucos dentro dela.

Julia Child manda deixar a carne, depois de braisée (guisada, refogada), descansar numa panela ou tigela, enquanto se prepara os legumes, mas desta vez fiz diferente porque acho que a carne corre o risco de secar. Então fui botando os cubos marrons no caldo de carne fervendo (usei um litro de caldo e um de água).

Preparei então os legumes na gordura que sobrou na frigideira (se tiver muita, é preciso escorrer quase toda - o fundo estava grudando, joguei um pouco de vinho para soltar). Primeiro, duas cebolas bem grandes picadas fininho. Deixei no fogo alto, mexendo de vez em quando, até ficar transparente - demora. Depois dois punhados de cenoura picadinha e dois de aipo picadinho. Vão servir para tirar o ácido do tomate e do vinho. Poderia ter usado outro legume doce e gostoso, como o funcho.

Por fim, quando a cenoura e o aipo amoleceram, acrescentei à frigideira uma lata de tomate italiano San Marzano, que já vem picado, com o suco. No fogo baixo, tampei a frigideira e deixei refogar bastante.

Virei esse molho em cima dos cubos de carne, já no panelão onde eles vão cozinhar - panela pesada de ferro esmaltado, que os franceses chamam de cocotte e os americanos de Dutch oven. Depois, uma garrafa inteira de vinho tinto, um shiraz do Francis Ford Coppola. Serve qualquer bom shiraz, australiano, chileno, é ótimo para cozinhar carne.

Em seguida, os torresmos e os temperos: sal, pimenta do reino, e bouquet garni - um molho de salsa, cebolinha e outras ervas. Usei tomilho e ervas da Provence.
Esse panelão foi para o fogo baixíssimo, destampado, por horas. Deixei umas cinco ou seis horas, mexendo de vez em quando pra não grudar o fundo. O caldo foi reduzindo aos poucos, engrossando, e a carne foi ficando macia.

No fim tirei o bouquet garni e acrescentei a cebolinha e o champignon. Preparei a cebolinha, daquela branca bem pequena, naquela mesma frigideira, já limpa, com um pouco de água. Ficou no fogo baixo, tampada, um tempão, até quase desmanchar a cebolinha. Claro que antes dá um trabalho danado descascar cada uma - usei três dúzias - e cortar um x na cabeça de cada uma para não se desfazer.
O champignon, daquele branco grande, depois de bem lavado e escovado e enxaguado no suco de limão, é cortado bem fininho.

Acrescentei a cebolinha, já cozida, e o champignon cru, fora do fogo. O calor do molho cozinha o champignon. Mexi tudo muito bem, tampei a cocotte e quando os amigos chegarem é só esquentar e passar a carne para uma travessa bonita. A Julia Child manda passar o molho na peneira e engrossar com manteiga e farinha de trigo, mas acho desnecessário. Pra que complicar?

Para acompanhar, batatas gratinadas. Descasquei as batatas e cortei em rodelas bem finas. Cozinhei as batatas - dois quilos - em dois litros de leite. Acrescentei ao leite bastante noz moscada ralada, sal, bouquet garni. Baixei o fogo quando o leite ferveu e deixei cozinhar até a batata ficar cozida, mas não mole.
Escorrendo o leite, passei metade das rodelas de batata para uma travessa grande e funda que vai ao forno. Antes, esfreguei alho até sumir, por dentro da travessa, e untei com manteiga.

Cobri as batatas com 200g de creme de leite fresco e 250g de parmesão ralado.
Por cima, despejei o resto da batata escorrida. Por cima de tudo, mais creme de leite com parmesão.
Levei a travessa ao forno médio, tampada (ela tem uma tampa de vidro) por 40 minutos. Na hora de servir vou tirar a tampa para gratinar por cima.
Esta receita é do livro da Patrícia Wells com o chef francês Joel Robuchon. Ela tem a vida que eu pedi a Deus. Mora em Paris e na Provence. O livro dela sobre a cozinha da Provence é ótimo. Mas este com o Joel Robuchon é o melhor.

Aprendi a cozinhar em três livros: o da Julia Child, recomendado por Nelita Leclery, este da Patrícia Wells e o de cozinha italiana da Marcella Hazan, ambos recomendados por Michelle Scheinkman. Com as técnicas que aprendi nesses três livros, que não são só de receitas, e sim manuais detalhados que ensinam tudo, passei a adaptar a comida do Brasil. Os livros de culinária brasileiros que eu tenho não ensinam nada, supõem que a pessoa já saiba tudo. Então pra que livro? O jeito foi aprender a cozinhar para depois reinventar do meu jeito os pratos brasileiros.

2 comments:
rapaz, fiquei com água na boca com seu bife burguinhone. Deve ser um tesão.
receta Puchero argentino (Puchero existe, sim)
Ingredientes:
• 1 kg de faldafalda (vazio no Brasil),
• 500 grs de caracú u ossobucoossobuco
• ½ gallina
• 1 chorizo colorado
• 1 chorizo de cerdo (pode ser javali, no Brasil)
2 tomates
• 2 puerros
• 1 zanahoria
• 1 calabaza chica
• 6 choclos
• 1 repollo blanco mediano
• unas ramitas de apio
• unas ramitas de perejil
• un trozo de zapallozapallo
• 6 papaspapa (vermelha, doce)
• batatas
• garbanzosporotosporoto
• sal
• 4 litros de agua
Elaboración de Puchero argentino:
El puchero se sirve por separado, por un lado la sopa con los fideos a gusto, la carne y las verduras se comen sin la sopa, solas, con una salsa criolla y muchos usan ketchup para la carne de ternera.
1. La carne (falda, caracú y pollo) se pone en agua hirviendo (pues al entrara en contacto con el agua hirviendo, los tejidos se contraen y mantienen sus jugos). La falda se hierve 15 minutos en agua con sal gruesa y se espuma. Seguidamente se agregan los puerros, zanahorias, cebollas, apio y perejil.
2. Las verduras se hierven a parte, para que no cambien el sabor del caldo. Se ponen los choclos, el repollo, las batatas y los garbanzos y porotos (previamente remojados en la víspera) con los chorizos y se deja 45 minutos en el fuego, entonces se agregan las papas enteras y se sigue la cocción hasta que se pongan blandas.
3. Se sirven las carnes y chorizos en una fuente y las verduras y legumbres en otra.
Post a Comment