Sunday, October 16, 2005



Ótimo, o novo filme de Wim Wenders, Land of Plenty (Terra da Abundância). Pra mim é a primeira grande obra de arte que reflete sobre o que aconteceu com os Estados Unidos depois de 11 de Setembro e a invasão do Iraque.
Wenders estava na estréia aqui. Perguntei a ele como sente o que aconteceu em 9/11. Contou que deixou Nova York na véspera, passou os meses seguintes viajando pelo mundo e ficou impressionado com a solidariedade mundial com o povo americano depois do que aconteceu. E, agora, com o ódio que o mundo sente em relação aos Estados Unidos, depois da invasão do Iraque.
"Eu não posso aceitar que tanta gente tenha morrido em vão. Mas eu quero continuar acreditando que alguma coisa de bom pode sair disso". Nesse ponto ele se calou, ficou com os olhos cheios dágua e a voz embargada. Wim Wenders é um homem sensível, com as emoções à flor da pele, e deve ser por isso que os filmes dele são tão bons.

Wim Wenders

Wenders contou que este filme foi feito a toque de caixa, em 16 dias, a custo baixíssimo, 500 mil dólares. Foi gravado em DV (video digital) e a equipe era toda de jovens - ninguém, exceto Wenders e os atores, tinha feito um longa antes. O roteirista também é extremamente jovem, Michael Meredith. Ele estava com Wenders na estréia e contou que o personagem do veterano do Vietnam que quer se vingar de 11 de Setembro foi inspirado pelo próprio tio de Michael, que viveu isso.

Michelle WilliamsJohn Diehl

O diretor disse que quanto menos se gasta num filme, maior é a liberdade. E por isso neste filme ele se sentiu infinitamente livre. O grande público americano ainda não viu, mas assim mesmo já se encontra na Internet a reação negativa de americanos que viram o filme na Europa, furiosos com o que chamam de "estereótipos esquerdistas".
O fato é que neste filme se vê o que os americanos nunca vêem: a miséria nas ruas da capital do cinema, Los Angeles, que é também a capital da fome na América. Eu mesmo nunca tinha visto, e é impressionante. Se o tão esperado Big One, um superterremoto, devastar Los Angeles como o furacão Katrina destruiu Nova Orleãs, revelando a miséria da população da cidade, o mundo verá o que Wim Wenders mostra neste filme: milhares de pessoas morrendo de fome nas calçadas do centro de Los Angeles.
Land of Plenty é quase um documentário.
São dois personagens: Lana, interpretada por Michelle Williams, americana filha de missionário que cresceu no Terceiro Mundo e volta pra os EUA, e o tio dela, Paul, veterano da guerra do Vietnam, paranóico, que investiga sozinho as sleeper cells, células terroristas escondidas que segundo o governo Bush estão espalhadas pelo país, prontas para dar o bote. Interpretado pelo ator John Diehl, Paul começa como uma caricatura hilariante, e termina como personagem trágico mas redimido da insanidade, pelo amor da sobrinha Lana.



Na cena final, os dois visitam o buraco do World Trade Center para tentar entender o sentido do que aconteceu, sem resposta.
Na estréia, Angela e eu nos sentamos ao lado de Wim Wenders e seus convidados, entre eles Paul Auster e Sam Shepard. Dessas coisas que, fora de festivais de cinema, só acontecem em New York. Os três, Wenders, Shepard e Auster, sem as mulheres, e mais o roteirista Michael Meredith, saíram pelas ruas iluminadas da cidade em direção ao Soho - boys' night out...
A música-tema do filme foi cedida a Wim Wenders pelo compositor Leonard Cohen.

The Land of Plenty, Leonard Cohen

Don't really have the courage
To stand where I must stand,
Don't really have the temperament
To lend a helping hand,
Don’t really know who sent me
To raise my voice and say:
May the lights in
The Land of Plenty
Shine on the truth some day.

I don’t know why I come here
Knowing as I do
What you really think of me,
What I really think of you.
For the millions in a prison
That wealth has set apart.
For the Christ who has not risen
From the caverns of the heart.

For the innermost decision
That we cannot but obey,
For what’s left of our religion,
I lift my voice and pray:
May the lights in
The Land of Plenty
Shine on the truth some day.

I know I said I’d meet you,
I’d meet you at the store,
But I can’t buy it, baby,
I can’t buy it anymore.
And I don’t really know who sent me,
To raise my voice and say:
May the lights in
The Land of Plenty
Shine on the truth some day.

I don’t know why I come here,
knowing as I do,
what you really think of me,
what I really think of you.

For the innermost decision
That we cannot but obey
For what’s left of our religion
I lift my voice and pray:
May the lights in
The Land of Plenty
Shine on the truth some day.


1 comment:

Anonymous said...

Voltei exausta e entediada de uma daquelas inevitáveis festas de aniversário em família. Passava da meia noite. O usual seria ir direto para a cama, mas liguei a tv. Uma cena delicada e dura: pálida, simples, com um imenso sorriso, uma garota ajudava a distribuir sopa a uma fila de miséráveis de todas as cores e origens. A câmera parece insegura, mas não muito.Não entendo onde estão e de onde sai tanta miséria, mas a imagem da garota me fascina.
Não desgrudei os olhos até o minuto final. O filme: Land of Plenty. O diretor: Win Wenders. A mensagem: de perto todo mundo é normal, mas de muito perto ninguém é muito normal. Na vida das pessoas comuns, na há razão imediata para a intolerância. Todos sofrem por suas pequenas e grandes angústias, que nada têm a ver diretamente com cor, credo, guerras e governos. Medo e solidão tornam igualmente frágeis e miseráveis todos os seres humanos, independentemente da riqueza ou miséria de seus países e do discurso de seus líderes.
É Win Wenders doce e amargo, sensível e cru como a aridez de Paris Texas.Só podia ser Wenders.
Melânia Costa - jornalista e educadora - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil