QUAL É A GRAÇA?
O jornal iraniano Hamshahri lançou um concurso internacional de caricaturas sobre o Holocausto. É uma resposta, segundo o jornal, à iniciativa do jornal dinamarquês Jyllands Posten de encomendar caricaturas do profeta Maomé. O jornal iraniano desafia os jornais europeus que publicaram as charges de Maomé a publicar as que ridicularizarem o Holocausto. Cada um dos 12 caricaturistas escolhidos pelo jornal iraniano receberá uma moeda de ouro.
O jornal iraniano tem o direito de publicar caricaturas sobre o Holocausto, se acha isso engraçado. Mas no Irã não existe liberdade de imprensa. Caricaturas sobre os aiatolás levariam os autores à cadeia, ou pior. Charges contra os judeus não são novidade no mundo islâmico, são publicadas há décadas, chamando o judaísmo de religião satânica e comparando os judeus aos nazistas. Uma charge publicada por estes dias num website muçulmano na Bégica mostra Hitler na cama com Anne Frank, a menina judia holandesa assassinada em Auschwitz.
Com este concurso, os muçulmanos esperam mostrar o que eles chamam de "hipocrisia" do Ocidente, que mostra publica caricaturas de Maomé mas não mostraria caricaturas sobre o Holocausto.
Então vejamos:
Primeiro: Maomé, como figura histórica, pode ser alvo de ridículo, tanto como Jesus ou Moisés, e rir deles não é crime, mesmo que os muçulmanos não concordem com isso. Numa sociedade democrática, a liberdade de expressão e de imprensa consiste exatamente nisso. Eu posso me sentir ofendido por muitas coisas, mas não posso proibir que sejam ditas e publicadas. A única exceção é o incitamento direto, imediato, à violência. Por exemplo: é crime convocar a uma manifestação para incendiar e destruir uma embaixada, ou qualquer outro ato semelhante. Isso não é liberdade de expressão, é incitação à violência. É permitido publicar ofensas racistas aos negros, por exemplo, mas é crime convocar o linchamento de um negro. Pode-se xingar os judeus, mas não propor um atentado contra uma sinagoga.
Ao publicarem as charges, os dinamarqueses não estavam incitando ninguém à violência, ao contrário dos líderes muçulmanos que incitaram a população de várias cidades a incendiar e destruir embaixadas da Dinamarca e outros países.
Hipocrisia é um jornal de um país sem liberdade desafiar os jornais europeus a exercer a liberdade de dar charges sobre o Holocausto. É claro que os iranianos não têm a menor noção do que seja liberdade. Esta consiste em se fazer o que se acha conveniente, dentro da lei. Se um jornal quer publicar uma charge de Maomé, pode. E também pode não querer publicar uma charge sobre o Holocausto. Cada um faz o que quer. Não é como no Irã e todos os outros países da região, que não são democracias, ao contrário de Israel, e onde os jornais só dão o que o governo quer.
E o que o novo governo do Irã quer, agora, é canalizar contra Israel todo o ódio que os próprios muçulmanos incitaram em suas populações. Logo Israel, que não tem nada a ver com a Dinamarca nem com as charges. O presidente do Irã lançou uma campanha para "desacreditar" o Holocausto, como se o genocídio programado, sistemático e em escala industrial dos judeus da Europa pelos nazistas fosse uma lenda, um mito. É como alguém que comentou outro dia neste blog: os judeus "só por que foram mortos por Hitler ficam aí reclamando de tudo". Que horror.
O Holocausto é um dos mais terríveis crimes da História. Mais de seis milhões de pessoas exterminadas, comunidades judaicas inteiras, simplesmente porque pertenciam a uma minoria odiada pelos nazistas. É o pior caso de racismo da História. O que não diminui outros casos, como o dos armênios, dizimados pelos muçulmanos turcos, os tutsis chacinados pelos hutus, e tantos outros. Mas nenhum chegou às dimensões do Holocausto. É o horror na sua mais terrível encarnação. Como fazer uma charge sobre o Holocausto? Como fazer piada com isso? Por incrível que pareça, os judeus fazem. Uma das características culturais dos judeus ao longo dos milênios é a auto-ironia. Ninguém se auto-esculhamba, debocha de si mesmo, ri de si mesmo, se leva tão pouco a sério como o judeu. Daí serem judeus, pelo menos aqui nos Estados Unidos, os melhores humoristas. E eles fazem piadas sobre o Holocausto, sim, envolvendo cinzeiros e outras coisas parecidas. Eu não acho graça, mas eles acham.
O Holocausto é assunto sério demais para piada. Se os iranianos querem rir disso, pior pra eles. Agora, achar que quem não acha graça no Holocausto, e por isso não vai publicar as charges que vencerem o concurso iraniano, é hipócrita em relação à liberdade de expressão, passa da conta.
Tuesday, February 07, 2006
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