Tuesday, February 07, 2006

Quando pus o post abaixo há sete meses teve gente que se ofendeu. A frequência ao blog caiu de repente. Não quero afugentar ninguém, mas já que estamos falando em blasfêmias, Baudelaire é mestre. Cultivou a blasfêmia e o sacrilégio como arte. Vinha de um meio rigidamente católico e esta foi sua forma de se rebelar. Conseguiu ser o maior dos poetas malditos. Seu livro As Flores do Mal esteve oficialmente condenado na França até a década dos quarenta do século XX, quase um século depois de publicado. Baudelaire teve um derrame e morreu um ano depois, aos 46 anos. Só conseguia dizer uma palavra, um grunhido, "sacré", que é o início da imprecação contra os céus, "sacré nom de Dieu", blasfêmia pesada e muito francesa. Mas sacré quer dizer sagrado. O sagrado direito de blasfemar.

A Ladainha de Satã

El Angel Caído, foto Jorge Pontual, parque del Retiro, Madrid. Os espanhóis dizem que esta é a única estátua no mundo que homenageia Lúcifer

Charles Baudelaire, tradução Jorge Pontual

Les Litanies de Satan

Ô toi, le plus savant et le plus beau des Anges,
Dieu trahi par le sort et privé de louanges,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Ô Prince de l'exil, à qui l'on a fait tort
Et qui, vaincu, toujours te redresses plus fort,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Toi qui sais tout, grand roi des choses souterraines,
Guérisseur familier des angoisses humaines,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Toi qui, même aux lépreux, aux parias maudits,
Enseignes par l'amour le goût du Paradis,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Ô toi qui de la Mort, ta vieille et forte amante,
Engendras l'Éspérance, - une folle charmante!

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Toi qui fais au proscrit ce regard calme et haut
Qui damne tout un peuple autour d'un échafaud.

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Toi qui sais en quels coins des terres envieuses
Le Dieu jaloux cacha les pierres précieuses,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Toi dont l'oeil clair connaît les profonds arsenaux
Où dort enseveli le peuple des métaux,
Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Toi dont la large main cache les précipices
Au somnambule errant au bord des édifices,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Toi qui, magiquement, assouplis les vieux os
De l'ivrogne attardé foulé par les chevaux,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Toi qui, pour consoler l'homme frêle qui souffre,
Nous appris à mêler le salpêtre et le soufre,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Toi qui poses ta marque, ô complice subtil,
Sur le front du Crésus impitoyable et vil,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Toi qui mets dans les yeux et dans le coeur des filles
Le culte de la plaie et l'amour des guenilles,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Bâton des exilés, lampe des inventeurs,
Confesseur des pendus et des conspirateurs,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!

Père adoptif de ceux qu'en sa noire colère
Du paradis terrestre a chassés Dieu le Père,

Ô Satan, prends pitié de ma longue misère!


Prière

Gloire et louange à toi, Satan, dans les hauteurs

Du Ciel, où tu régnas, et dans les profondeurs

De l'Enfer, où, vaincu, tu rêves en silence!

Fais que mon âme un jour, sous l'Arbre de Science,

Près de toi se repose, à l'heure où sur ton front

Comme un Temple nouveau ses rameaux s'épandront!

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A Ladainha de Satã

Anjo belo demais, tu, mais sábio dos anjos,
deus que a sorte traiu, deus sem louvor de arcanjos,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Príncipe do exílio, punido injustamente
e que mesmo vencido volta mais potente,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Ah, tu que tudo sabes, rei das catacumbas,
curandeiro habitual das angústias profundas,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Ah, tu que ao leproso, maldito, incréu,
ensinas pelo amor o gostinho do céu,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Tu que na Morte, tua amante confiável,
geras a Esperança, essa louca adorável,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Ah, tu que dás ao réu um olhar altaneiro
no cadafalso, a condenar um povo inteiro,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Tu que sabes onde, nas terras sequiosas,
Deus ciumento esconde as pedras preciosas,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Tu, olho azul que vê o profundo arsenal
onde dorme enterrado o povo do metal,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Tu, mão enorme a esconder o precipício
do sonâmbulo errante à beira do edifício,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Tu, que amoleces com magia a velha ossada
do bêbado que os cavalos pisam na estrada,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Tu, que enxôfre e salitre misturaste
pra consolar o homem fraco, esse traste,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Tu que pões tua marca, cúmplice sutil,
na testa do ricaço implacável e vil,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Tu que dás ao coração da mulher da vida
o amor pelos trapos e o culto da ferida,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Arma dos exilados, luz dos inventores,
confessor de enforcados e conspiradores,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!

Pai que adota quem do paraíso sai
expulso pela ira negra de Deus pai,

Ó Satã, tem piedade da minha miséria!


ORAÇÃO

Glória e louvor a ti, Satã, nas alturas

do Céu onde reinaste e lá nas funduras

do Inferno onde vencido sonhas calado!

Que minha alma um dia repouse ao teu lado

quando sobre ti a Árvore do Saber

como um novo Templo vier a florescer!


Baudelaire

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